PARATY, RJ (FOLHAPRESS) - Para a antropóloga francesa Nastassja Martin, a única viagem que vale a pena é aquela feita para entender mundos e povos muito diferentes de nós.
"É uma aventura que se faz interiormente, o ato de se metamorfosear para entender pessoas muito diferentes de nós. Quando viajamos e trazemos de volta as palavras das populações autóctones, nos deslocamos de nós mesmos ao traduzir essas palavras", disse a francesa. "Estamos em um momento muito importante de trazer vozes e narrativas que foram silenciadas no período colonial."
Martin fazia um estudo de campo entre os even da Sibéria quando "se encontrou" com um urso, como ela descreve em seu livro "Escute as feras". O urso arrancou um pedaço de sua mandíbula, mas ela conseguiu golpeá-lo com uma picareta de quebrar gelo e sobreviveu.
Após inúmeras cirurgias de reconstrução de sua face na França, voltou à Sibéria para continuar suas pesquisas. Martin dividiu com a arquiteta e navegadora Tamara Klink a mesa "Desterrando o susto", mediada por Iara Biderman, crítica e editora da revista 451.
Tamara, filha do velejador Amyr Klink, cruzou o Atlântico sozinha em um veleiro de apenas 26 pés (oito metros de comprimento), chamado de Sardinha. Foram semanas sozinha no mar, enfrentando tempestades, dúvidas, falta de sono e medos.
"Uma viagem é mais do que o deslocamento geográfico, é um deslocamento emocional, é sair de sua zona de conforto, mesmo que não se vá para lugares distantes", contou Tamara.
"Meus pais falavam do mar no café da manhã, almoço e jantar, e isso me permitiu desejá-lo. Ao concretizar esse desejo, descobri que o mar é uma coisa fantástica, que é totalmente indiferente a nós, se somos mulher ou homem, jovem ou velho, nada disso importa. Se estamos lá e depois não estamos mais. Np mar, minha identidade não era meu rosto, meu nome - ela estava nos meus gestos", diz a autora, que publicou em 2021 os livros "Mil Milhas" e "Crescer e Partir" a partir de uma viagem solo que fez no "Sardinha" entre a Noruega e a França.
Para a viagem, ela não teve apoio dos pais, que não ajudaram financeiramente, nem com conselhos. Amyr Klink disse em entrevistas na época que achava importante que ela fizesse isso de forma independente.
Ele, a mãe de Tamara e sua avó estavam na plateia da Flip.
Martin, que antes de estudar os even fez sua tese sobre os gwinch'in do Alasca, concordou com Tamara sobre a importância de deixar a zona de conforto e a necessidade de assumir riscos. "Você não consegue mudar seu modo de pensar se não se expuser a coisas que não esperava. Para dialogar com outros seres, é preciso estar em zona de vulnerabilidade, com brechas abertas, para poder aceitar o deslocamento."
Ela acaba de publicar um novo livro na França, "L'Est Des Rêves" (A leste dos sonhos), sobre o cotidiano dos even durante sua estada em Kamtchatka.
A francesa falou sobre a importância do trabalho de etnografia. "Minhas viagens são motivadas pelo desejo de entender um mundo que não é o meu mundo. São viagens que fazem com que eu passe meses vivendo em uma floresta de Kamtchatka com uma família, e me obrigam a voltar a ser criança: preciso aprender uma língua nova, códigos."
Segundo a antropóloga, leva muito tempo para que se consiga desaprender a própria cultura e começar a entender a do outro.
Tamara também falou do processo árduo. Ela pensou várias vezes em abandonar sua viagem, até cogitou se jogar ao mar, que era a única desistência possível.
"O que me salvava era a palavra, fazer os diários, que me protegeram e me impediram de assumir o risco de ir para outro plano."
A autora falou sobre a dificuldade de colocar no papel as emoções, cores e impacto da viagem solitária.
"Navegação para mim é, antes de mais nada, uma viagem na linguagem. Ir para o mar ficar dias sem ver ninguém, sem tomar banho, sentindo-se carente, exausta, frustrada, durante semanas, é uma coisa idiota. A gente só faz isso porque existe o desejo, e o desejo nasce através dos relatos."
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