SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Quem passa pelas vias arborizadas do Alto de Pinheiros, em São Paulo, talvez desconheça que este bairro da zona oeste paulistana sem tanto movimento de carros abriga a única casa projetada por Oscar Niemeyer na cidade.
Embora tenha sido construída em meados dos anos 1970, a residência na rua Silvia Celeste de Campos demorou algum tempo para entrar no radar dos interessados, porque teve sua autoria ocultada por vários anos, conta o proprietário.
Agora, a casa com a característica fluidez dos desenhos do arquiteto de Brasília pode ser visitada até o início de dezembro. Está em cartaz na residência uma exposição que espalhou por seus ambientes obras de arte moderna e contemporânea, de artistas brasileiros mais jovens e de nomes clássicos europeus do início do século 20, no que é provavelmente uma chance única para o público, dado que a residência está à venda e deve ser novamente restrita aos seus moradores.
Foi se desse projeto "diferente e acolhedor", como definiu o próprio Niemeyer, que os organizadores da exposição encomendaram uma série de obras que têm como tema a própria casa. Nessa ala estão, por exemplo, quatro pequenas pinturas de Brisa Noronha e fotografias coloridas e em preto e branco de Mauro Restiffe, além de um trabalho de Marcius Galan.
Todos estão expostos na ampla sala de estar, abrigada sob uma laje curva de concreto, nos moldes da Casa das Canoas, clássico projeto do modernista no Rio de Janeiro.
Subindo uma rampa sinuosa que liga a sala até os quartos, se encontra o principal trabalho da mostra, a tela "Mulher Nua Sentada", pintada por Pablo Picasso em 1901. A obra foi executada pelo mestre espanhol em seus primeiros anos em Paris e passou pelas mãos de vários colecionadores nos anos seguintes, até ser apreendida pelos nazistas na década de 1930 e virar objeto de disputa judicial.
Essa é a primeira vez que o quadro, agora nas mãos de uma colecionadora portuguesa, é mostrado em público desde que foi exposto nos anos 1930 na Alemanha, afirma Kiki Mazzucchelli, uma das organizadoras da exposição.
Ao redor da pintura, no mesmo quarto, a suíte principal da casa, está um núcleo de desenhos de nus de grandes nomes do século 20 -Renoir, Klimt, Alberto Giacometti, Marc Chagall, Fernando Botero, Henry Moore e Louise Bourgeois, vindas de outra coleção particular.
Pela reunião de artistas e pela maneira como estão expostos, concentrados em três paredes, os quadros compõem o momento mais forte da mostra. O visitante consegue fixar a atenção nas obras, sem ser distraído pela magnitude de uma casa na qual a maioria das paredes é curva.
Se essa peculiaridade torna o percurso pela casa agradável, ela foi também um desafio para expor as obras, porque os galeristas que emprestaram trabalhos para a mostra achavam que não seria viável exibir as peças nesse ambiente, diz Claudia Moreira Salles, responsável pelo projeto expográfico e pelos cavaletes de madeira.
Era uma "casa escura, não tinha iluminação praticamente nenhuma, era iluminada basicamente por abajures", afirma ela, acrescentando que fez adaptações para deixar o local propício para receber as obras.
No mesmo fim de semana da abertura da exposição, uma imobiliária postou em seu Instagram um anúncio de venda da casa, por R$ 16 milhões, o que levantou uma questão -seria a mostra uma ação promocional para atrair um comprador?
O idealizador da exposição, o consultor de arte Filipe Assis, nega e diz que inclusive pagou aluguel para o atual proprietário. Mazzucchelli, a curadora, afirma esperar que a projeção que a casa está tendo agora sirva para que o futuro dono "se interesse em preservar, porque ela não é tombada" pelos órgãos do patrimônio.
Localizada a menos de um quilômetro da praça Panamericana, o projeto foi um presente de Niemeyer a seu amigo Milton José Mitidieri, engenheiro e sócio da construtora Rabello, responsável pela construção do Palácio da Alvorada e da Catedral Metropolitana de Brasília, ambos projetos de Niemeyer. Fica num terreno de 1.800 metros quadrados, inserida entre jardins assinados por Roberto Burle Marx "cerca de 70% preservados do jeito que foram projetados", diz Marcelo Mitidieri, o dono da casa.
Desde meados do ano passado, algumas casas-fetiche antes inacessíveis têm sido abertas para o público. A casa Millan, projeto de Paulo Mendes da Rocha no bairro Cidade Jardim, recebeu uma mostra de arte contemporânea com pegada urbana.
Outro exemplo é a residência do arquiteto e designer Jorge Zalszupin, no Jardim Europa, que virou um centro cultural com exposições regulares de arte e móvel moderno brasileiro. Elas se somam às já tradicionais Casa de Vidro de Lina Bo Bardi, no Morumbi, e à Casa Modernista, de Warchavchik na Vila Mariana, estas em funcionamento há vários anos.
Não há por ora, no entanto, o projeto de transformar o projeto de Niemeyer em um centro cultural, segundo Mitidieri. Ele diz que "talvez seja um projeto mais para o futuro". "Nós temos interesse que uma família ocupe a casa e cuide dela. A casa ganha vida com uma nova família."
ABERTO 01
Quando Até 4 de dezembro
Preço Grátis; necessário agendamento pelo site
Link: https://www.aberto.art
Curadoria Kiki Mazzucchelli, Claudia Moreira Salles e Filipe Assis
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