BRUMADINHO, MG (FOLHAPRESS) - Em sua apresentação do Quilombo, de 1948, Abdias Nascimento, multiartista e ativista, descreve o jornal que fundou como um instrumento "para fazer lembrar ou conhecer ao próprio negro os seus direitos à vida e à cultura". É desse pressuposto que parte uma exposição agora no Instituto Inhotim.
A busca por esses direitos está nas obras dos 34 artistas e coletivos que integram a exposição da galeria Lago do museu, dentre eles Panmela Castro, Zéh Palito e Erica Malunguinho. Para que hoje eles sejam considerados vanguarda na arte, Nascimento teve de percorrer um longo caminho, reivindicando o espaço do negro em esferas da intelectualidade ou simplesmente do lazer.
Por mais clichê isso possa soar, é o que transparece na exposição. Os trabalhos constroem novas narrativas que vão contra as estatísticas. É o que se vê na obra "Retomada", de Robinho Santana, ao retratar um jovem negro, com canudo de diploma na mão, capelo na cabeça e uma camisa em volta do rosto. Ou ainda, o quadro de Kika Carvalho, que retrata um grupo de homens negros na beira do mar.
O que dá base para essas obras são as páginas do jornal Quilombo, além do Teatro Experimental do Negro, o TEN, também fundado por Nascimento em 1944. Suas sessões inspiram as cinco alas que dividem o espaço, mas que não delimitam a experiência do público, já que seus temas fluem entre si.
O primeiro deles traz ideias que avançam o que era pautado pelo jornal e mostram quais são alguns assuntos que sobrevivem no presente a partir do autorretrato da artista trans Ros4 Luz, que tem escrito em seu peito o questionamento "e se a arte fosse travesti?".
Os quadros de Rafael Bqueer, artista paraense, retratam personalidades importantes para o movimento LGBTQIA+, como Leona Vingativa e Pantera, na estética pop de Andy Warhol, e mostram ideias que clamam por diversidade, além da racial.
"São trabalhos que vão se posicionar de alguma maneira, burlando um pouco esse sistema e tentando nessas frestas criar um novo paradigma de pensar essa circulação artística", diz Deri Andrade, organizador da exposição.
"A gente precisa estar pautando essas subjetividades e complexidades de narrativas", diz Bqueer. "Eu acredito que realmente a gente está dando uma continuidade, uma sequência a todo esse trabalho social, filosófico, político."
Nascimento trazia para as páginas do Quilombo importantes personalidades negras na abolição da escravidão. "Ele pegou e botou um ponto final em qualquer questionamento ou discussão sobre o intelectual preto na sociedade brasileira através do seu trabalho multidisciplinar", diz O Bastardo, que fez um retrato de Abdias Nascimento como Oxalufan, parte da série "Assinatura dos Esquecidos" e exposto na mostra.
O artista afirma que nesses trabalhos tem a ânsia de fazer resgate de ícones pretos de diversas áreas. "Artistas e intelectuais, como Abdias Nascimento e Lélia Gonzalez, acabaram caindo em um lugar de apagamento em relação à comunidade preta e se isolando como um conhecimento restringido a um grupo acadêmico branco e muitas vezes elitista", afirma.
Outro núcleo é o "Elas Falam", parte da sessão escrita por Maria Nascimento, uma das idealizadoras do TEN e responsável pelo conselho de mulheres negras no Brasil, e a atriz Ruth de Souza, que estampou capas do periódico. O protagonismo feminino e temas como a solidão da mulher negra, são representados com obras como "Mulheres Negras Não Recebem Flores", de Panmela Castro.
Quem marca o núcleo também é o Coletivo Nacional Trovoa, composto por 150 artistas negras e indígenas do Brasil inteiro, com o vídeo "Insurgências". "Eu sinto que essa também era uma preocupação do Abdias. Ele não criava o que era o negro, mas ele trazia o quilombo inteiro para para estar junto", diz Yedda Affini, integrante do grupo.
A vida curta do periódico, de apenas dez edições em dois anos, não o impediu de trazer questões centrais para se debater a vida do negro no Brasil, como a democracia racial que Nascimento tanto refutava. O último núcleo traz essa questão de maneira latente, com a palavra "voz" estampada em uma das paredes ao lado da obra "Anastácia Livre", de Yhuri Cruz.
Algumas das obras fazem parte das aquisições recentes do Inhotim, centradas em artistas negros. É o caso do trabalho artístico de Maxwell Alexandre, da série "Novo Poder", que cobre uma parede inteira e dá nome ao primeiro núcleo. Mas o artista, que tem seu trabalho reconhecido em todo o mundo, teve reação negativa à exposição, repudiando a inserção da obra na mostra.
Outra exposição temporária recém-inaugurada no museu, chamada "O Mundo É o Teatro do Homem", aborda a relação do Teatro Experimental do Negro com a prática do pscicodrama e o sua relação com o teatro do oprimido de Augusto Boal, de quem Nascimento era próximo.
Todo o método teatral de Boal, assim como o papel de formação política e humana do TEN, é apresentado a partir de documentos e da exibição das obras "Olho da Rua", de Jonathas Andrade, artista que representou o Brasil na última Bienal de Veneza, e "Falas da Terra", de Bárbara Wagner e Benjamin de Burca, também representantes do país na mostra italiana há quatro anos, em colaboração com o coletivo Banzeiros, do MST do Pará.
As exposições integram o programa do Inhotim até o ano que vem, com eventos que giram em torno de Abdias Nascimento e o Museu de Arte Negra.
QUILOMBO: VIDA, PROBLEMAS E ASPIRAÇÕES DO NEGRO O O MUNDO É O TEATRO DO HOMEM
Quando até 16/07/2023. Qua. a sex.: 9h30 às 16h30. Sáb., dom. e feriados: 9h30 às 17h30
Onde Instituto Inhotim - r. B, 20, Fazenda Inhotim, Brumadinho, Minas Gerais
Preço Ingresso a partir de R$ 22, no Sympla. Entrada gratuita na última sexta cada mês, exceto feriados, mediante retirada prévia no?Sympla?
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