SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Em um misto de desfile, show e protesto, dezenas de transexuais e travestis levaram à passarela montada em um prédio em ruínas reformado, no centro de São Paulo, roupas confeccionadas por elas próprias. A apresentação do Ateliê Transmoras foi o auge da noite chuvosa desta terça-feira (6) na Casa de Criadores, evento responsável por revelar novos talentos da moda nacional que comemora agora 25 anos.
Não era um desfile comum, em que o casting entra com expressão sisuda e andar marcado antes de posar para os fotógrafos. O que se viu foi uma variedade de corpos fazendo da passarela uma festa -algumas modelos desfilaram com os peitos à mostra, outra fez passos de "voguing" e deu uma pirueta, uma terceira se apresentou de muletas, e outras tantas fizeram as roupas que vestiam brilharem.
O Ateliê Transmoras é um projeto de Vicenta Perrota, estilista que viaja pelo Brasil dando oficinas de costura para transexuais e travestis. Ela diz não gostar da expressão americana "upcycling" para definir o método com que as roupas são confeccionadas, a partir de tecidos encontrados ou descartados. Prefere "transmutação têxtil", termo que cunhou para designar "uma tecnologia social de travestis brasileiras, de entender o lixo como potência".
Isto se materializa, por exemplo, em calças de patchwork e balaclavas adornadas com brilhos, fichas, alfinetes, búzios e apliques de flores. As peças são integralmente costuradas pelas alunas, que, depois de aprenderem o ofício, repassam a técnica para as colegas.
O processo de confecção das roupas, afirma Perrota, tem terapia e autoconhecimento envolvidos, "porque [as travestis] são pessoas que não são lidas enquanto possibilidade não só dentro do mercado de trabalho, mas dentro da vida, das relações interpessoais". As roupas por ora não serão comercializadas.
A Casa de Criadores, que ocupa até sábado (10) as dependências de um prédio antigo na região da Sé, apresenta em sua 51ª edição desfiles de 40 etiquetas independentes, a maioria presencial.
Ser independente, contudo, não significa que os estilistas não querem viver de seu trabalho, diz André Hidalgo, o fundador do evento, mas que usam as marcas para contar suas histórias, trazendo para as criações suas vivências, dores e amores.
"São marcas que não querem seguir todas as normas, digamos assim, do sistema comercial de moda", afirma ele. Uma das atrações é a apresentação na sexta-feira (9) da Brocal, marca da cantora Tulipa Ruiz, para a qual ela vai desfilar.
Hidalgo não aponta esta ou aquela tendência nas roupas que estão sendo mostradas e diz que esta busca é até um pouco ultrapassada, dado que os escritórios que nos anos 1990 apontavam os hits da estação hoje perderam um tanto de sua relevância. Para ele, como a moda desfilada na Casa de Criadores é plural, a tendência "é a liberdade".
O evento já revelou grifes que hoje fazem bastante sucesso, como Isaac Silva e Another Place, por exemplo, que depois de estrearem na Casa de Criadores passaram a fazer desfiles concorridos na São Paulo Fashion Week, uma passarela que recebe mais atenção do mercado, do público e da imprensa e que exige, pela sua dimensão, maior estrutura das marcas. Por outro lado, o espaço dos estilistas para experimentação é menor.
A terça teve também outros desfiles. O estilista pernambucano Jorge Feitosa mostrou uma coleção monocromática branca inspirada na vegetação da caatinga, com vestidos, camisetas e camisas alongadas que cobriam o corpo inteiro, além de bermudas e shorts de alfaiataria.
A alfaiataria também apareceu na estação da UMS 458 - LL, que desfilou looks com influências do streetwear, do punk e do grunge --destaque para as calças utilitárias, com muitos bolsos, para as bolsas e casacos com mangas em pelúcia, e para uma camiseta com a estampa do rosto e de algumas obras do arquiteto modernista Le Corbusier.
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