BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Maria Marighella, neta do guerrilheiro Carlos Marighella e vereadora de Salvador, foi exonerada como coordenadora da Fundação Nacional das Artes, a Funarte, quando Dilma Rousseff foi afastada da presidência. "Chorei em muitos momentos vendo eclodir um Brasil que pensava ter deixado para trás", afirma ela em entrevista a este jornal.
"Ver e ouvir o então deputado Jair Bolsonaro dedicar seu voto ao torturador da mulher sujeito e objeto daquele processo de impeachment, ao homem que comandou a operação responsável pela prisão do meu pai meses antes do meu nascimento, me deu a dimensão radical de que, mesmo tendo feito muito, tínhamos que nos colocar em movimento para restabelecer os pactos democráticos em outros marcos."
Agora, com o Ministério da Cultura reconstruído como um símbolo da virada da gestão de Bolsonaro para o terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, é Marighella quem vai assumir a direção da instituição da qual foi afastada seis anos atrás. "Poder olhar essa trajetória com a curva do tempo e da história nos dá a dimensão coletiva dessa responsabilidade, mas também uma coragem imensa."
Atriz formada pela Universidade Federal da Bahia, Marighella, de 46 anos, foi coordenadora de teatro da Fundação Cultural do Estado da Bahia e da Funarte. Quando foi chamada para ocupar o cargo, disse que sabia que se tratava mais de uma convocação do que um convite.
"Estamos sendo chamadas a agir num mundo em escombros e é nesse tempo que todas as dimensões de regeneração devem se colocar em ação."
Apesar do clima de festa que tomou conta da cultura na capital federal desde domingo, os indicados pela ministra Margareth Menezes não vão herdar autarquias em pleno funcionamento.
A equipe de transição do governo mapeou que dez dos 25 colegiados de políticas culturais foram extintos, e outros três estão paralisados. Houve ainda uma perda de 85% do orçamento da administração direta da pasta desde 2016.
Foi o que aconteceu na Funarte. Dos cerca de R$ 19 milhões destinados à autarquia em 2022, mais de R$ 10 milhões vinham de emendas parlamentares. "Uma inversão de prioridades que fez com que o poder legislativo determinasse, por meio de orçamento impositivo, a política para artes no país", diz ela.
O Ministério Público Federal também chegou a abrir uma investigação ainda na gestão de Bolsonaro sobre suposta censura de projetos no órgão. Há ainda relatos de assédio e adoecimento de servidores nesse período, segundo Marighella.
Ela ainda lembrou o episódio em que o então secretário da Cultura Roberto Alvim publicou, na rede social da secretaria, um vídeo com trecho de discurso de Joseph Goebbels, ministro da Propaganda de Hitler, para divulgar o Prêmio Nacional das Artes. Antes do episódio, ele comandou a Funarte.
"Jamais podemos esquecer que foi através da Funarte que o governo Bolsonaro deu vazão ao discurso explicitamente nazista proferido por um de seus ex-gestores." Ela pondera que, apesar das perdas, o setor também conquistou vitórias nos últimos anos, principalmente com a aprovação das leis Aldir Blanc e Paulo Gustavo.
Maria Marighella é um dos nove nomes do alto escalão da Cultura já divulgados pela ministra da pasta. Além dela, já estão confirmados Márcio Tavares na secretaria-executiva, Roberta Martins em comitês de cultura, Fabiano Piúba em formação, livro e leitura, Zulu Araújo em cidadania e diversidade cultural, Henilton Menezes em fomento e economia da cultura, Joelma Gonzaga no audiovisual, Marcos Souza em direitos autorais e intelectuais e Marco Lucchesi na Biblioteca Nacional.
Ela conta que convidou Leonardo Lessa, que foi assessor na Câmara na formulação de propostas na área da cultura e esteve no grupo de transição da área, para ser seu diretor-executivo. Eles trabalharam juntos na Funarte anteriormente.
Como Margareth Menezes relembrou na sua posse, Marighella também afirma que as gestões do Partido dos Trabalhadores pavimentaram as políticas públicas de cultura no país. Em seu discurso, a ministra afirmou que trilha o caminho que nomes como Gilberto Gil e Juca Ferreira abriram.
"Por isso é imperativo avançarmos na formulação e execução de políticas públicas que garantam este preceito e será nessa direção que retomaremos a construção e implementação da Política Nacional das Artes iniciada em 2015", afirma.
Já naquele ano, segundo ela, foi diagnosticado que a Funarte tinha baixa presença no território nacional, recursos insuficientes para operar e uma infraestrutura precária.
Ela avalia, no entanto, que o novo governo tem força o suficiente para restaurar a instituição. Em termos financeiros, isso já é realidade. O ministério terá um orçamento recorde neste ano de mais de R$ 10 bilhões. O primeiro ano do governo de Bolsonaro reservou R$ 2,1 bilhões para a pasta, número que caiu para R$ 1,67 bilhão em 2022.
Ela se conecta aos últimos anos de embate no setor cultural também pelo filme sobre a vida de seu avô, no qual também atuou.
O ex-presidente travou um embate público com "Marighella", que teve seu lançamento atrasado por disputas com a Agência Nacional do Cinema, a Ancine. Para a futura diretora, os obstáculos que o longa encontrou refletem as interdições que as artes tiveram nos últimos anos.
"Os ataques a ele vieram pela força de denúncia que a cultura é capaz. Bolsonaro mobilizou o poder do Estado e suas instituições para destruir políticas públicas e perseguir pessoas", diz.
"Assim como em 1985, em que a criação do Ministério da Cultura foi símbolo da redemocratização, o novo MinC de 2023 é marco da refundação de nossa democracia."
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