SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Já faz anos que os computadores e celulares deixaram de ser meros acessórios do cotidiano e se tornaram indispensáveis na comunicação. Esta relação não passa batida pelo cinema, que está buscando incorporar a linguagem estética das telinhas.

É o caso de "Desaparecida", que chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (2). O filme é o exemplo mais recente de uma onda de produções que trabalham com narrativas inteiramente situadas ?ou em sua maior parte? na tela de um computador. A ideia das obras é fazer da telona do cinema uma telinha de laptop ou smartphone, colocando a visão do público e dos personagens em par de igualdade.

A proposta já está bem estabelecida no mercado. Prova disso é que "Desaparecida", dirigido por Will Merrick e Nick Johnson, é uma sequência de "Buscando", um suspense independente de 2018 que fez sucesso entre a crítica.

Os filmes têm protagonistas diferentes, mas partem do mesmo desafio de contar histórias sobre a procura de pessoas desaparecidas.

Só que, ao invés de perseguições e investigações, o espectador assiste a interações que se dão apenas no mundo digital. São conversas que ocorrem em chats e videochamadas, além de longas cenas onde um personagem manuseia pastas de um computador atrás de respostas.

Responsável pelo filme, a produtora americana Bazelevs Company fez disso uma fórmula. "Desaparecida" é o quinto projeto da casa no gênero, e há mais por vir. A empresa negociou outros seis longas-metragens durante a última edição do Festival de Toronto.

As produções envolvem todo tipo de premissa, do clássico "Romeu e Julieta" contada nas telinhas até um terror distópico em que a Igreja Católica aprende e passa a ressuscitar os mortos.

O estúdio ainda criou um nome para o formato, o "screenlife films", ou filmes sobre a vida nas telas. É, nas palavras de Timur Bekmambetov, o criador da produtora, uma tentativa de encontrar tensão dramática no tempo que estamos gastando nas telas.

Se o gênero já parece consolidado, seu nome ainda compete com outras alternativas, como "desktop horror", ou terror de computador.

Os primeiros experimentos do cinema com essas narrativas se deram como derivações das histórias de "found footage", como "A Bruxa de Blair", feito a partir de filmagens supostamente reais encontradas pelos cineastas.

O primeiro exemplar, inclusive, é "The Collingswood Story", lançado em 2002, três anos depois do sucesso de "A Bruxa de Blair", numa época em que o computador pessoa dava os primeiros passos.

Para Rodrigo Carreiro, professor do curso de cinema e audiovisual da Universidade Federal de Pernambuco, foi importante para esses filmes que o público se acostumasse com sua estética, que é repleta de imperfeições.

"Isso aconteceu a partir das redes sociais, em especial o advento do YouTube em 2005, que levou as pessoas a naturalizar imagens pixeladas, mal iluminadas e tremidas", afirma o pesquisador, também autor do livro "O Found Footage de Horror". "Isso antes não era aceitável ao espectador."

Foi isso que pavimentou o sucesso de "Amizade Desfeita", primeira obra da Bazelevs no formato "screenlife", lançado em 2015. Clássica, a trama acompanha jovens que são atacados pelo espírito vingativo de uma antiga colega de classe. Mas a situação acontece em uma chamada de Skype, o que é amplifica a angústia dos eventos.

Para Carreiro, o professor, este filme é quem dá início à onda contemporânea do gênero, sobretudo por chamar atenção do público nos cinemas, onde fez US$ 62,9 milhões, ou R$ 326,65 milhões. Mais importante, porém, é que ele estimulou outros artistas, em um ciclo parecido com o de "A Bruxa de Blair".

Professora e pesquisadora da PUC-SP, Pollyana Ferrari acredita que a atração do público por essas narrativas só aumentou com a pandemia.

"As pessoas começaram a consumir muito vídeo, trocaram os celulares pensando em aspectos como a qualidade da câmera e da conexão", diz ela. "É natural que o cinema incorpore isso, pois é uma demanda reprimida."

Foi na pandemia que surgiu o britânico Rob Savage. Ele filmou e lançou no fim de 2020 "Cuidado Com Quem Chama", baseado em uma pegadinha que armou com os amigos logo no início da quarentena.

O média-metragem, com uma hora, divide com "Amizade Desfeita" a premissa da chamada de vídeo amaldiçoada, mas é uma sessão mediúnica que sai do controle.

A produção deu certo e viabilizou um projeto mais arriscado, "Dashcam". Nele, acompanhamos uma jovem, apoiadora fervorosa do ex-presidente americano Donald Trump, que desrespeita a quarentena até se ver perseguida por uma criatura aterrorizante.

O detalhe é que o filme é contado por uma transmissão ao vivo, feita pela personagem no Facebook.

A narrativa, assim, ganha vida dupla. Enquanto a perseguição é cheia de adrenalina, os comentários irônicos e desesperados da live são como uma atração a parte.

Mas há quem aplique essas narrativas para fins mais densos em relação ao exercício de estilo. É o caso de "We?re All Going to the World?s Fair", de Jane Schoenbrun, ainda sem lançamento previsto no Brasil.

O filme, que flerta com o horror, quer ser um drama de amadurecimento que envolve desafios com propostas de automutilação que atraem os jovens e aterrorizam seus pais.

Na história, a protagonista, uma garota filha de pai viúvo, cria relação de confiança com um desconhecido enquanto se aventura por um dos jogos, o "World?s Fair Challenge". Suas discussões, aos poucos, revelam a solidão de ambos.

Para reforçar o efeito, a direção de Schoenbrun mistura filmagens convencionais com chamadas de vídeo, estas predominantes. O resultado rendeu elogios no Festival de Sundance e indicações ao Gotham Awards, uma das principais premiações do circuito independente americano.

DESAPARECIDA

Onde Nos cinemas

Classificação 14 anos

Elenco Storm Reid, Joaquim de Almeida e Amy Landecker

Produção EUA, 2023

Direção Will Merrick e Nick Johnson


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