SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Para quem se atrasou e deixou para assistir aos indicados ao Oscar de melhor filme deste ano de última hora, esqueça. Seria necessário passar um dia inteiro sem tomar banho, comer, dormir ou ir ao banheiro para cumprir a missão de uma vez -e a cerimônia já acontece na noite deste domingo.
Mesmo quem ficou com apenas uma ou outra pendência pode ter dificuldade para encaixá-la às vésperas da premiação. Afinal, a duração média dos dez indicados à estatueta dourada é de duas horas e 24 minutos.
Isso fez com que boa parte do público tivesse a sensação de que o Oscar deste ano foi dominado por longos longas, o que não deixa de ser verdade. Uma nova regra que exige que a corrida de melhor filme tenha dez produções contribuiu para a percepção, mas desde 1991 não havia uma disputa com obras de duração média tão longa.
Entre as 20 edições do Oscar com maior duração média de indicados à categoria de melhor filme, três ocorreram desde 2020. Elas tiveram um salto temporal em relação aos anos 2010 e 2000, mesmo sem "Senhor dos Anéis" para empurrar a média para cima, como ocorreu em 2002, 2003 e 2004, quando a trilogia foi lançada.
Agora, não é preciso uma obra sozinha para impulsionar a duração média. Entre os indicados desta edição, "Os Banshees de Inisherin" e "Entre Mulheres" duram menos de duas horas, e "Avatar: O Caminho da Água" é o único a passar de três.
A maior parte dos indicados têm cerca de duas horas e meia de duração. São eles "Os Fabelmans", "Nada de Novo no Front", "Elvis", "Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo", "Tár", "Top Gun: Maverick" e "Triângulo da Tristeza".
Em outras categorias, também há filmes longos. O cheio de excessos -temporais ou não- "Babilônia", forte concorrente ao prêmio de trilha sonora, tem três horas e nove minutos. "Pantera Negra: Wakanda para Sempre", que tem Angela Bassett na corrida por melhor atriz coadjuvante, tem duas horas e 41 minutos. "Batman", por sua vez, tomou duas horas e 56 minutos dos espectadores.
"Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo", que deve dominar a premiação segundo projeções de especialistas e casas de apostas, tem duas horas e 19 minutos, uma duração que não se via desde o "Os Infiltrados", o favorito da edição de 2006.
Numa contradição interessante, no entanto, este é o Oscar mais pop dos últimos anos. O campeão de bilheteria do ano passado, "Top Gun: Maverick", está indicado, bem como o detentor da terceira maior bilheteria da história, "Avatar: O Caminho da Água". O próprio "Tudo em Todo o Lugar" se tornou um fenômeno mundial inesperado.
Assim, cai por terra a ideia de que apenas filmes cabeçudos podem se dar ao luxo de tomar muito tempo do espectador. A Marvel é prova disso. Se "Homem de Ferro" chegou aos cinemas com cerca de duas horas em 2008, "Vingadores: Ultimato" ultrapassou as três horas mais recentemente.
Fãs da rival DC lotaram as redes sociais e protestaram nas ruas pedindo que a Warner Bros. liberasse uma versão de "Liga da Justiça" mais autoral, com quatro horas. Se a animação "A Bela e a Fera" encantou o público com menos de uma hora e meia nos anos 1990, sua versão em live-action chegou a duas horas e nove minutos em 2017.
Dos filmes de prestígio aos blockbusters pipoca, Hollywood parece estar mais aberta a tramas longas. É o que defende Rogerio Ferraraz, professor da Anhembi Morumbi que põe na conta das adaptações de super-heróis parte da responsabilidade por tornar as longas durações mais palatáveis.
Antes disso, "Avatar", em 2009, já havia contribuído para a tendência, mas não sem que "Titanic" abrisse essa porta em 1997, ao se tornar a maior bilheteria da história com suas mais de três horas. Em conversa com jornalistas no mês passado, o próprio diretor, James Cameron, afirmou que um dos legados do romance em alto mar foi provar que filmes longos podiam fazer dinheiro.
Para além de precursores de sucesso, há motivos mais técnicos e complexos por trás do movimento. O cinema, afinal, sempre foi repleto de títulos de ampla duração, de "... E o Vento Levou", de 1939, a "Era uma Vez na América", de 1984. Em alguns períodos, no entanto, essa tendência se tornou mais latente, como agora.
Entre os anos 1960 e 1970, por exemplo, os grandes estúdios dominaram a produção cinematográfica e deram mais liberdade aos diretores, deixando de canto as produções independentes, que costumam ser menores. Nos anos 1990 e 2000, por outro lado, a necessidade de dar sobrevida ao VHS pressionou Hollywood a condensar suas histórias.
Com o streaming, a partir dos anos 2010, já não havia mais limites. Só que, ao mesmo tempo, as salas de cinema começaram a enfrentar uma crise, agravada pela pandemia, que diminuiu a disposição do público de pagar por um ingresso cada vez mais caro.
Afinal, pelo mesmo valor, uma assinatura de streaming dá direito a uma infinidade de horas de conteúdo. "Parece haver uma lógica do consumidor em pensar que o tempo gasto vai indicar o quanto aquela obra merece em termos monetários. A duração mais longa dá a ideia de grande produção, no sentido de valorizar a obra e a transformar num épico", diz o professor.
A era atual parece justamente refletir os anos 1960, quando houve um pico de duração média nos filmes do Oscar e quando a ida ao cinema ganhou ares de um evento de grande acontecimento. Aquela foi a década, afinal, dos grandiosos "Lawrence da Arábia", "A Noviça Rebelde", "Amor, Sublime Amor" e "Cleópatra", todos à beira das três horas de duração.
Ainda no streaming, os novos hábitos de maratonar formaram um público mais tolerante às várias horas diante das telas. Com o costume de assistir a vários episódios de série de uma vez, três ou quatro horas numa mesma história já não parecem tão desafiadores.
É como se o cérebro estivesse treinado para a maratona e desesperado por uma válvula de escape que tire a mente do trabalho e dos afazeres do dia a dia. Ao sentar numa sala de cinema por várias horas, o espectador faz um acordo consigo mesmo em prol da descompressão. É nisso que acredita Ana Maria Rossi, presidente da ISMA-BR, braço nacional da International Stress Management Association.
Algo parecido vem acontecendo no universo televisivo. O descolamento das séries de uma grade televisiva fixa deu elasticidade a elas. Com isso, episódios que extrapolam o formato clássico de até uma hora deixaram de ser raros.
"The Last of Us" é prova disso, com seus capítulos que variam de 45 minutos a uma hora e 20. Esta é quase a mesma duração do último capítulo de "Game of Thrones", da mesma emissora, a HBO. A diferença é que o final da trama sobre dragões foi um evento, tinha várias pontas soltas para amarrar e aproveitava da popularidade já conquistada. Não era uma aposta incerta.
Na Netflix, a quarta temporada de "Stranger Things" foi um fenômeno de audiência mesmo com episódios que cruzam as duas horas e 20 de duração. É mais do que muitos dos filmes em cartaz nos cinemas.
Se essa tendência parece clara lá fora, no entanto, no Brasil o cinema e a televisão ainda parecem confinados ao formato consagrado. Por aqui, é difícil ver filmes com mais de duas horas, enquanto as novelas ainda estão engessadas devido a pausas comerciais e às grades horárias das emissoras.
Exemplo notório que foge à regra é o recente "Mato Seco em Chamas". O filme ostenta duas horas e meia num mercado cheio de longas curtos por pressão de distribuidoras e exibidores. É assim que Cristina Amaral, montadora da obra, descreve o cenário brasileiro.
"Os filmes se enfraquecem narrativamente e artisticamente porque ficam sem espaço para criação", diz. Com Hollywood aderindo à verborragia, ela espera que isso mude. "Se um filme é bom e te envolve, você não vai sentir o tempo e a cadeira da sala. Precisamos trabalhar a nossa ansiedade, porque o cinema tem que provocar o pensamento, não ajudar a anestesiar."
É com as histórias populares que Adhemar de Oliveira, dono Espaço Itaú de Cinema, conta para viabilizar as sessões mais longas. Ele percebe que os filmes estão de fato mais extensos, o que gera dor de cabeça na hora de preencher a agenda das salas que administra. Mas se o filme "te pega", como diz, há vantagens.
"Se tem público, você faz só três sessões no dia, mas lotadas. Se você consegue programar o filme para cinco sessões diárias, mas ele só preenche 20% da sala, aí é ruim, porque gasta mais energia elétrica, por exemplo, e não tem retorno. E fica sem a sensação da sala lotada, que é uma coisa gostosa da experiência cinematográfica", afirma, citando o sucesso de "Avatar: O Caminho da Água".
Com a tendência do momento, Oliveira acredita que as mudanças serão necessárias nos cinemas, dos horários de exibição, que precisam se alinhar com o funcionamento de restaurantes e do transporte público, à distância dos banheiros em relação às salas.
Nem as melhores histórias, afinal, conseguem impedir uma pausa para o xixi.
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