RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - Haverá um tempo em que a história da construção da nova sede do MIS, o Museu da Imagem e do Som, na orla de Copacabana, no Rio de Janeiro, poderá ser contada de forma épica.
Quando concluída, a obra terá sobrevivido a dilúvios, uma Copa do Mundo, uma edição dos Jogos Olímpicos, uma pandemia, falência do Estado, intervenção na segurança pública e à passagem de quatro governadores ?entre eles, três acusados de corrupção, tendo dois ainda sido presos.
Iniciada em 2010, a previsão para o fim da obra era 2012. Agora, a nova promessa é para o fim deste ano, isto é, após mais de uma década de atraso.
No entanto, relatórios do governo, do Tribunal de Contas do Estado e de empresas envolvidas na construção mostram que a mais recente tentativa de retomada da obra também enfrenta percalços. As intervenções recomeçaram em ritmo lento e encontraram equipamentos enferrujados após quase seis anos de paralisação.
É o caso dos painéis de cobogó, uma das marcas do projeto do escritório Diller Scofidio, de Nova York, vencedor do concurso de arquitetura promovido para a nova sede do MIS.
De acordo com relatório da empresa portuguesa Seveme, responsável pela importação do material especial para compor o sistema de fachadas e esquadrias, algumas peças dos painéis foram arruinadas.
"É notória na maioria dos painéis um acentuado dano causado pelas águas contaminadas e também pela exposição não prevista às condições climáticas", afirma o documento produzido em 2021.
O contrato da Seveme, assinado em 2013, ainda não foi reativado, motivo pelo qual os equipamentos ainda não foram trocados.
A construção do MIS é um mosaico de contratos sob responsabilidade das secretarias de Infraestrutura e Cidades (Seic), Cultura e Fundação Roberto Marinho, parceira na concepção do projeto.
Procurada pela reportagem, a Fundação Roberto Marinho afirmou que questionamentos sobre a obra só poderiam ser respondidos pelo governo estadual. A instituição disse apenas, por meio de uma nota, que investiu R$ 71 milhões no projeto por meio de leis de incentivo fiscal.
"Esses recursos foram aplicados nas obras de fundações e estrutura do prédio e também nas ações de conteúdo e expografia, tais como a produção audiovisual dos filmes e objetos a serem exibidos no museu, a aquisição dos equipamentos e implementação da acessibilidade, comunicação e sinalização", diz a nota.
O governo estadual não respondeu aos questionamentos da reportagem sobre o estado dos equipamentos enferrujados e a gestão falha dos contratos para a retomada da obra. Em nota, afirmou apenas que "as obras são de grande complexidade" e que as esquadrias e fachadas passarão por serviço de limpeza.
Afirmou ainda que estão em andamento "intervenções nas instalações hidráulicas, elétricas e de refrigeração", além de "implantações de revestimentos, sistemas de iluminações, controles e distribuições". "Em paralelo, outras contratações complementares estão sendo feitas, por meio de licitação, com edital e orçamentação em curso, razão pela qual ainda não é possível definir os valores."
O início da obra remonta a janeiro de 2008, quando o então governador Sérgio Cabral assinou decreto de desapropriação da boate Help ?à época um ponto de prostituição em Copacabana no qual mulheres trabalhavam sem a exploração de cafetões.
As obras começaram em 2010, com previsão de conclusão para o fim de 2012. Não demorou para que o primeiro atraso adiasse em um ano a estimativa. A primeira empresa responsável pela obra faliu. A segunda entrou em litígio com o estado por divergência nos cálculos sobre reajuste contratuais. O tempo passou, a crise financeira chegou e a obra sofreu uma interrupção completa em fevereiro de 2016.
No fim de 2020, a gestão Cláudio Castro, do PL, iniciou as tratativas para reativar as obras. O estado não conseguiu renovar o financiamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento e decidiu usar recursos obtidos na concessão do saneamento básico para concluir o esqueleto.
O primeiro contrato da retomada foi assinado em 2021 para a conclusão dos acabamentos, instalações prediais e impermeabilização. O governo prometeu então concluir a obra em 2022, mas logo viu que não seria possível. A solução do passivo depende da compatibilização dos prazos dos diferentes acordos.
A MPE Engenharia foi cobrada há um ano pelo governo em razão da lenta retomada das obras, iniciada em dezembro de 2021. Em resposta, a empreiteira afirmou que encontrou o canteiro de obras repleto de infiltrações num dos subsolos e componentes museográficos estocados em outros pavimentos que impediam a continuidade do trabalho. Também não havia projetistas disponíveis para esclarecer dúvidas.
Todos esses serviços são de responsabilidade da Fundação Roberto Marinho, cujo contrato estava suspenso desde 2016 e só foi retomado em junho de 2022, isto é, sete meses após a contratação da MPE Engenharia. Em razão desses problemas, a empreiteira ganhou mais seis meses para concluir o serviço, até junho.
Contudo, algumas etapas da obra não foram retomadas ou nem sequer iniciadas. O contrato com a Seveme, responsável pelo sistema de fachadas e esquadrias, ainda não foi reativado. O estado também ainda não licitou a instalação de divisórias acústicas.
Os atrasos e a assinatura de sucessivos contratos fizeram com que o projeto, estimado em R$ 70 milhões em 2009 (R$ 124 milhões em valores atualizados), atingisse atualmente mais de R$ 190 milhões em compromissos já firmados, sem contar serviços ainda não contratados.
O TCE do Rio apontou irregularidades no pagamento da Compass Build Control, responsável pela fiscalização e monitoramento da retomada da obra. Apesar do ritmo lento, a empresa recebeu os valores como inicialmente previsto, o que pode impactar em novos custos com a extensão do prazo de conclusão.
O custo total da obra é incerto também porque vistorias realizadas pelas empresas envolvidas mostraram a necessidade de troca de materiais já instalados antes da paralisação.
Além dos painéis de cobogó, a Seveme apontou a existência de corrimãos enferrujados, vidros manchados em razão de infiltrações ou quebrados por má conservação.
A Fundação Roberto Marinho também indicou necessidade de troca de peças da estrutura de suporte da tela a ser usada no cinema a céu aberto do terraço do MIS. O equipamento de 4,5 toneladas foi entregue em janeiro de 2016 e parte dele sofreu ação corrosiva da maresia e da chuva por falhas no armazenamento e proteção.
O preço de recuperação do material, mais um custo não previsto no contrato, é calculado em R$ 126,5 mil, o equivalente a 20% do valor de aquisição.
A obra foi concebida no período em que o Rio se preparava para sediar grandes eventos e vivia uma enxurrada de investimentos. O projeto tinha como pretensão ser uma vitrine da cultura carioca e mostrar uma cidade mais cosmopolita, inundada por construções de arquitetos renomados, como Santiago Calatrava, do Museu do Amanhã.
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