SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Tratada como "culinarista", algo entre a empáfia ostentada pelo termo chef e o lugar comum da cozinheira, Palmira Nery da Silva Onofre, a Palmirinha Onofre, morreu neste domingo (7), aos 91 anos, em São Paulo, por complicações em decorrência do agravamento de problemas renais crônicos.
Ela estava internada no Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo, desde 11 de abril, informou a família em uma publicação no Instagram da apresentadora. Ela deixa três filhas, seis netos e seis bisnetos. Informações sobre o velório e o sepultamento serão divulgados pela família em breve, ainda segundo a publicação.
Paulista de Bauru, a personagem se fez descobrir pela TV quase ao acaso, aos 62 anos, e foi abraçada pelo público ao mostrar que sabia rir de si e dos erros de concordância de português que cometia à beira do fogão, assim como dos lapsos de memória diante das câmeras.
"As pessoas me conheciam quando eu trabalhava aqui porque eu falava muito errado, e ainda falo, né?", disse ela a Regina Volpato, em 2019, ao comparecer aos 39 anos do programa Mulheres, da TV Gazeta, onde começou a ser remunerada pelo ofício de ensinar a cozinhar pela TV, em 1999.
A fama, no entanto, começaria pela Record, no Note e Anote, de Ana Maria Braga, com quem contracenou entre 1993 e 1998. Não recebia salário, mas fazia o seu merchan", como contou a Marília Gabriela em entrevista ao SBT, em 2012. Em troca das performances de Palmira em seu programa, Ana Maria fazia propaganda dos trabalhos dela fora da TV, como os cursos que ministrava sobre o assunto e os contatos para encomendas de seu menu.
Palmira tratava Ana Maria como "Aninha", e a recíproca foi natural, de modo que a loira acabaria batizando sua culinarista pelo diminutivo que 20 anos mais tarde se tornaria uma franquia para licenciamento de produtos e lanchonete, onde se provam as delícias da "vovó Palmirinha", imagem que aproximou o público daquela figura doce.
Foi em um programa de Silvia Poppovic, na Bandeirantes, que Ana Maria viu Palmira pela primeira vez. Ela esteve na atração por se enquadrar em dois temas propostos pela pauta da ocasião: "Criei meus filhos sozinha" e "Meu marido me maltrata". "Eu vendia salgadinhos para a diretora da Silvia, e ela me falou: ?como você é muito falante e se encaixa nesses dois temas, você não quer participar do programa? Eu fui, e levei uma cesta de pães pra Silvia, mas não era pra ela exibir, era só pra ela comer mesmo. Mas ela deixou a cesta bem a mostra, sabe?", relatou Palmirinha a Jô Soares em 2010, na Globo.
Gostava de repetir que seu grande prazer era ensinar a cozinhar para que as pessoas pudessem "ganhar o seu dinheirinho" e se sustentar daquilo, como havia ocorrido com ela, que se viu faturando com a venda de sonhos de valsa nas ruas para pagar o empréstimo a uma conhecida que lhe permitiu comprar um blusão exigido pelo colégio das três filhas ?até que duas delas estudassem no mesmo período, as três usavam a mesma peça, o que um dia já não foi mais possível.
Foi engraxate, trabalhou em fábrica para encaixe de peças, faxinava escritórios na Praça da Sé até meia-noite, trabalhou para a Nestlé fazendo degustações em supermercado, para a Brastemp traçando receitas de microondas e para a Vasp, preparando o cardápio dos passageiros.
Sofreu para resgatar o passado sofrido em um livro de memórias que disse só ter feito a pedido das filhas, onde relata ter sido entregue pelo pai a uma francesa quando tinha entre 6 e 7 anos para morar com ela em São Paulo, como dama de companhia.
E não gostava quando lhe perguntavam se a francesa não a explorava, já que ela, ainda criança, era encarregada de recolher, de porta em porta, as comissões que a estrangeira faturava como dona de uma agência de empregados domésticos.
"Foi com ela que eu aprendi tudo o que eu sei", dizia Palmirinha, na sua humildade, citando, entre os aprendizados, até "saber falar no telefone".
Conta que a mãe, uma italiana de temperamento violento, batia muito nela, e que o pai a carregava junto com ele só para que a menina se livrasse da vara de marmelo. Quando ele morreu, a mãe se mexeu de Bauru a São Paulo para buscá-la na casa da francesa e resgatar o dinheiro que a mulher lhe depositava na poupança, mas Palmira, ainda menor, não poderia sacar o recurso, o que a francesa também se recusou a fazer. Nunca botou as mãos no dinheiro.
Voltou a Bauru, trabalhou nas lojas Americanas e um dia encontrou um homem à sua espera, em sua cama, a quem a mãe havia vendido uma noite com a filha. Foi salva pela tia, que dividia parede com ela.
Casou-se aos 19, e a desgraça do matrimônio começaria logo após a festa, quando, ao chegar em casa, disse ter encontrado três amantes do marido no portão. A Marília Gabriela, em 2012, a culinarista contou que aguentou o casamento porque temia ser julgada pela família, mas conseguiu se livrar do peso quando a segunda filha se casou. Aos 60 e poucos anos, enfrentou ainda um câncer "grave", disse a Gabi.
Embora tenha surgido na TV em 1993, só em 2010 se revelou se potencial, graças à sua saída voluntária da TV Gazeta. "Eu estava muito cansada", justificou na ocasião, àquela altura, aos 79 anos.
No comando de um programa diário, o TV Culinária, ela cuidava da compra dos ingredientes das receitas que ensinava, contando apenas com o auxílio de uma das filhas e do fiel assistente Guinho, o boneco que a ajudava a lembrar o nome de elementos básicos usados por ela em cena, como uma simples faca.
Palmirinha avisou à Gazeta que deixaria o programa dois meses antes, como pedia seu contrato, "mas eles não acreditaram que eu ia sair porque aquilo era o meu sonho, só que eu não aguentava mais". Em várias ocasiões, queixou-se da falta de estrutura da produção. "O pior foi trabalhar muito e não ter um pingo de respeito". A mágoa bateu mesmo quando, no último programa, ao tentar se despedir "das amiguinha", como dizia, teve seu microfone cortado e saiu de lá aos prantos.
Em 2012, ao protagonizar uma série de programas para o canal Bem Simples, do grupo FOX, recebeu toda a estrutura que reclamava faltar na Gazeta e não cansava de celebrar tal diferença. Dali vieram livros de receitas, comerciais e um reconhecimento que nunca pensou ter.
Em 2010, quando deixou a Gazeta, também já frequentava as listas de Top 5 do extinto CQC, da Band, com cenas que se tornaram memes e viralizavam na internet. Assim que deixou a Gazeta, ganhou lugar raramente aberto a um quarto integrante na bancada do programa para apresentar a atração ao lado de Marcelo Tas, Rafinha Bastos e Marco Luque. Fez daí uma nova legião de fãs, abrangendo então uma faixa etária menor que o seu público da Gazeta.
Fez as pazes com a emissora da Fundação Cásper Líbero sete anos depois, ao comparecer ao Mulheres, onde chorou e fez questão de reconhecer os cameramen e contrarregras por seus nomes.
Sobre a leveza de falar errado e se divertir com as chacotas alheias, o segredo era transformar qualquer possibilidade de ressentimento em empatia: "É bom porque elas [telespectadoras] acham que só elas que erra. A gente erra também". Sábia, essa Palmirinha.
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