(FOLHAPRESS) - O argumento é um ponto forte de "A Primeira Morte de Joana". Nele, uma garota que acaba de chegar à adolescência (Joana, justamente) enfrenta o primeiro drama de uma morte em família. Ela se dava bem com a tia Rosa e lamenta o fato, mas o essencial não está aí.

Num momento em que Joana começa se interessar por coisas como beijar e namorar, a tia se tornará um mistério, pois nunca teve, todos dizem, um só namorado. Nunca beijou ninguém, muito menos casou.

Por um lado, isso se torna assunto de conversa com sua amiguinha Carol. Por outro, o filme nos leva a conhecer uma família em que as meias-palavras e os não ditos são moeda corrente. Uma família de mulheres, aliás: a mãe e a avó. Com esses pequenos mistérios Joana terá de lidar, mas o que a interessa de verdade é a história da tia.

A subtrama é ambiental -elas moram no Sul, em um lugar onde se instalam os grandes cataventos para a produção de energia eólica. É um lugar de ventos fortes, sem dúvida. E de natureza muito presente: está no vento, mas também na água, nos bosques. Esses lugares que as duas meninas frequentam quando se veem livres das opressões da família, da escola e da religião.

Será de esperar, desde então, e dadas as relações íntimas entre as mocinhas, e sendo o filme brasileiro, que ele se encaminhe para mais uma defesa e ilustração da homossexualidade. Essa é a convenção do filme médio brasileiro.

Bem, pode-se dizer que "Joana" dribla bem o problema. É sutil ao mencionar a ambiguidade sexual da delicada Joana. Quando ela, irritada com a brincadeira de um menino, lhe dá um soco no estômago, a professora toma as dores do garoto. Em seguida será dito que dar soco no estômago dos outros "não é coisa de menina".

A ação se passa mais para o começo do século 21, mas naquele interior sulino parece ter parado há muito. Talvez por isso o roteiro pareça tão mais fraco nos interiores: cada cena parece buscar o ambiente e as palavras autênticas.

Essa necessidade de afirmar a autenticidade, que passa em grande medida pela fala, enfraquece a imagem e, de cara, joga as cenas num convencionalismo paradoxalmente pouco convincente.

Os exteriores, ao contrário, são o lugar privilegiado da trama e, aparentemente, onde o talento de Cristiane Oliveira, diretora do filme, floresce. Seja nos exteriores da casa de madeira, na água, no vento, no estranho oratório no meio da floresta, nos grandes cataventos, ali o filme se afirma.

Há mais um local: a estrada, com sua faixa central amarela. A estrada que leva aos cataventos. Limite que a mãe de Joana não permite que a filha ultrapasse. Veremos que a coragem de enfrentar o perigo da estrada levará a jovem mais longe.

À relação lésbica com a amiguinha? Pode até ser. Mas "Joana" tem o enorme bom senso de evitar a habitual histeria de nossos filmes em torno do tema e tratá-lo com discernimento e delicadeza. Acredito não arruinar o prazer de ninguém que veja o filme se disser que Oliveira conclui por não concluir nada em definitivo a respeito das escolhas sexuais das duas amigas -podem no futuro se afirmar LGBTQIA+ ou não.

Têm a vida pela frente para perceberem qual é a orientação de cada uma sem que pastores ou pais, professoras pais de santo venham se meter em suas vidas. É uma lufada de ar para as garotas, de que os cataventos parecem ser uma boa metáfora.

A PRIMEIRA MORTE DE JOANA

Avaliação Bom

Quando Em cartaz nos cinemas

Elenco Letícia Kacperski, Isabela Bressane e Janaina Kramer

Produção Brasil, França, 2018

Direção Cristiane Oliveira


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