Com texto adaptado para o público infatojuvenil, a pela "Clarear Pra Juventude", na qual quatro estudantes convivem em uma república. Um deles é cego, outro surdo, um é torcedor fanático de um pequeno time de futebol e o outro é de nacionalidade argentina. O desafio de lidar com a comunicação nesse ambiente, com todas as suas questões e ajustes, é o mote do texto, que é trabalhado em 40 minutos, completamente no escuro. As três apresentações realizadas pela Companhia de Teatro Cego entre a quarta-feira (14) e esta quinta-feira (15), foram fechadas para 900 estudantes de 27 escolas públicas do município.
"Tem todas as confusões de língua, da pessoa que não enxerga que tromba com a que não ouve. A brincadeira é com esses problemas que surgem e são resolvidos por meio da amizade, da sinergia e o respeito entre essas pessoas", conta um dos idealizadores e diretor da Companhia, Paulo Palado. Essa é uma das quatro histórias encenadas pelo grupo.
Paulo comenta que a ideia de levar a mensagem para esse público envolve vários aspectos. O primeiro é o acesso. "Sabemos que estamos trabalhando com jovens que têm menos oportunidades de ir ao teatro. É uma tentativa de formar um público. Acreditamos que a escola é um caminho muito bom para fazer esse contato da criança e do adolescente com o teatro. Independente de ser um teatro cego, ou voltado para a inclusão, para que esse contato possa se tornar uma necessidade e um costume."
O caráter formador é outro objetivo da iniciativa. Crianças e adolescentes são replicadores dessas experiências nos ambientes que convivem. "Eles trazem a experiência para dentro de casa e assim levam também o desejo de ter o teatro como um a fonte de informação cultural e até histórica sobre coisas da vida em geral." Ainda nesse sentido, é possível destacar que eles estão passando pela formação intelectual e moral. "É muito importante que eles tenham contato com esse tipo de questionamento nessa idade", acrescenta o diretor. A iniciativa inclui o transporte de ônibus dos estudantes das escolas até o Teatro Paschoal Carlos Magno, onde a peça foi encenada. Ao final, todas as crianças e adolescentes receberam lanches.
O cerne da iniciativa, no entanto, aponta para a integração, que segundo Paulo, pode ser entendido como um passo que vai além da inclusão. "Quando você tem um prédio onde vai ocorrer um evento qualquer, você tem uma escada que vai do térreo ao último andar. Quem não é cadeirante, vai subir a escada. Mas o cadeirante você precisa ter um elevador. Dizemos que isso é inclusão, que o elevador é uma forma de você incluir essa pessoa. Mas, se ao invés da escada você puder ter uma rampa, você pode fazer com que todo mundo suba pelo mesmo lugar. Isso vai um pouco além da inclusão, estamos falando de integração. Inclusão é muito bom, mas quando podemos incluir e integrar ao mesmo tempo, é melhor ainda", explica.
E o aprendizado não se esgota na vivência do espetáculo. Após a sessão, ocorre um bate-papo com a equipe, na qual são trocadas experiências e os estudantes podem questionar e participar. Na saída, os espectadores recebem um gibi com uma história que envolve os mesmos personagens um ano depois do momento retratado na peça. Os professores recebem uma cartilha com temas que devem ser trabalhados nas escolas, envolvendo o conteúdo da apresentação.
"O espetáculo se chamava: "Clarear para a juventude: Somos todos iguais", querendo dizer que temos os mesmos direitos, os mesmos deveres. Só que pouco antes da gente estrear, nas nossas conversas, percebemos que o slogan desse espetáculo não deveria ser somos todos iguais e sim: "somos todos diferentes", porque essa é a realidade. Temos direitos iguais, mas é na integração que fazemos com que esses direitos e esses deveres aconteçam A gente precisa algo do outro para viver essa igualdade de direito e obrigações. Ao assistir esse espetáculo, a gente deseja passar essa informação e essa sensação para o espectador", detalha Paulo Palado.
O diretor também explica que a Companhia se preocupa em ressaltar que não faz os espetáculos apenas com atores cegos, porque isso poderia gerar a impressão equivocada de que esses profissionais seriam a atração. "Não queremos isso. Queremos que a atração seja a integração desses atores com atores videntes. Essa integração começa nesse trabalho. Quando você pega um ator vidente, que está acostumado a trabalhar em cima do palco."
Ele comenta que com essa configuração, os atores videntes precisam buscar outras formas de expressão. "O ator vidente tem como o elemento do seu trabalho a luz do palco, o figurino que ele usa, as expressões faciais, a maquiagem, coisas tão visuais. Joga ele para a situação de fazer uma peça onde o visual não conta nada e ele tem que trabalhar outras formas de expressão, outras conexões com códigos de expressão, você está fazendo esse ator mergulhar em um universo que não é o dele. Temos atores com deficiência visual e videntes. Para que, logo no início, tenhamos a integração. Com essa ação tentamos fazer com que o espectador compreenda que está dentro de um espaço de integração."
Com isso, a companhia mostra que se o teatro, que é algo tão visual, pode ser feito em conjunto, com pessoas videntes e pessoas com deficiência visual, com compreensão plena do público. Dessa maneira, uma experiência de integração também gera entretenimento, aprendizado, como qualquer peça, que pode ser pensada para outros espaços e âmbitos.
"A gente tira o sentido das pessoas, talvez o mais sedutor, que é a visão. Se perguntar para 100 pessoas: ‘entre os cinco sentidos, qual é o que você tem mais medo de perder?’ Provavelmente, mais de 90% delas vão responder que é a visão. Porque é aquilo nos acostumamos a ter mais conhecimento, noção e intersecção do nosso redor. . Quando tira o sentido, além dos outros sentidos, que são sim capazes de mostrar o mundo, você aumenta muito a sua intuição. Porque julga muito as coisas por meio do que você enxerga. Quando você não tem esse sentido, você precisa dar mais vazão para a sua intuição. Entra a questão do acréscimo, nós buscamos acrescer esse sentido extra."
Ele ainda completa: "A visão, às vezes, ela nos atrapalha, porque ela passa na frente e ela quer te dar uma informação, que ela quer apoiar em muitos outros sentidos, mas você se contenta com aquela que a visão te dá".
A Produtora C3 trabalha com o formato teatral do Teatro Cego desde 2012. Durante os 40 minutos de apresentação a ideia é que se possa vivenciar a experiência de uma pessoa que não enxerga. "Óbvio que ser cego é algo que está além de entrar em uma peça de teatro. Mas ela dá uma experiência do que pode ser isso. Isso é interessante", complementa Paulo. O projeto foi trazido para Juiz de Fora por meio do patrocínio da empresa NTS por meio da Lei Rouanet de incentivo à Cultura.
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