SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O dramaturgo Zé Celso, de 86 anos, internado após um incêndio em seu apartamento nesta terça-feira (4), trava há mais de 40 anos uma disputa com Silvio Santos, que pretende construir três torres de até cem metros no terreno que circunda o Teatro Oficina, na região central de São Paulo.

Localizado entre as ruas Jaceguai, Abolição, Japurá e Santo Amaro, o terreno pertence a Silvio Santos, mas, por ter sido ocupado e tombado, não pode ser alterado. Pelos planos do Grupo Silvio Santos, ele abrigaria mil apartamentos, com mil vagas de garagem e andares de subsolo.

Diretor do Oficina, Zé Celso se opõe às obras e já conseguiu diversas vitórias contra o poderoso grupo empresarial do apresentador de televisão. Apesar da desavença, não faltaram tentativas de aproximação entre os dois.

Em uma das mais recentes e promissoras, João Doria, em seu primeiro ano à frente da Prefeitura de São Paulo pelo PSDB, mediou um encontro no escritório de Silvio Santos.

"Era bom para todos e para São Paulo", diz Doria. "Havia clima para uma solução negociada. Mas Silvio se incomodou muito com uma pequena equipe que Zé Celso levou com ele para gravar toda a reunião. Isso não estava combinado", relembra.

Doria, que registra sua torcida pela recuperação de Zé Celso, diz que a gravação prejudicou a conversa, realizada em outubro de 2017. "Esse fato atrapalhou todo o clima preparado para que o diálogo pudesse ser produtivo. Como de fato não foi. Uma pena. Todos perderam,"

Durante a conversa, conforme captado pelo vídeo ao qual a coluna Mônica Bergamo teve acesso à época, Silvio Santos manteve o tempo inteiro um tom de brincadeira.

Em certo ponto, ele se disse disposto a encontrar uma solução para fazer algo com o lote que comprou no entorno do Teatro Oficina. "Embora eu seja um homem rico, não é um dinheiro para jogar fora ou dar auxílio a quem quer que seja", disse.

Em seguida, acrescentou, brincando: "Meu secretário deu uma boa ideia: a gente coloca lá a 'drogalândia', como é que é, a cracolândia, e o drogado que mais se destacar no dia ganha um prêmio".

As obras de Silvio Santos poderiam atingir não só o rio que corre abaixo do local como também o lençol freático que está a quatro metros do solo.

Em dezembro de 2021, uma decisão assinada pela juíza Paula Micheletto Cometti levou esses fatores em conta ao barrar o projeto imobiliário.

Ela considerou que as torres poderiam causar "danos ambientais e danos ao patrimônio histórico, cultural e arquitetônico, diante da existência de áreas tombadas como o bairro do Bexiga, o Castelinho da Brigadeiro, o Teatro Oficina, o Teatro Brasileiro de Comédia, a Casa da Dona Yayá, Escola de Primeiras Letras e Arcos da Rua Jandaia".

O Departamento do Patrimônio Histórico concluiu ainda que o projeto desconsidera a paisagem do bairro.

As torres, se construídas, tapariam a vista que se tem das janelas do Oficina, um projeto arquitetônico assinado por Lina Bo Bardi, premiado e tombado desde 2010. As obras em si, argumenta-se, poderiam danificar a estrutura física do teatro.

No encontro de 2017, Silvio Santos perguntou a Zé Celso o que ele pretende fazer com o terreno. A resposta veio cantada e inspirada na vinheta do baú da felicidade. "A-anhangá-anhangabaú da feliz cidade", disse o dramaturgo, em referência à proposta de criar no local um espaço público arborizado com um teatro ao ar livre.

A reunião terminou com a expectativa de que novas conversas se seguiriam àquela, mas, um dia depois, Zé Celso acusou Silvio Santos de lhe oferecer R$ 5 milhões para desistir da disputa. O dono do SBT não se manifestou sobre a acusação.


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