SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Mal estreou "Fogo-Fátuo" --e como estreou mal, esmagado pelos blockbusters da vez-- João Pedro Rodrigues está de volta aos nossos cinemas com "Onde Fica Esta Rua? ou Sem Antes Nem Depois", codirigido, como alguns de seus outros filmes, pelo velho parceiro João Rui Guerra da Mata.
A ideia é fascinante: registrar, na Lisboa gentrificada e quase descaracterizada por completo de hoje, os locais onde Paulo Rocha filmou seu longa de estreia, "Os Verdes Anos", com Isabel Ruth e Rui Gomes como um casal improvável na Lisboa em processo de modernização da época.
Não se trata de um filme qualquer. Em 1963, quando o cinema português estava fadado a uma quase inexistência por tantas interrupções e percalços, o produtor António da Cunha Telles resolveu apostar suas economias em filmes de jovens diretores.
Paulo Rocha foi um deles, e "Os Verdes Anos" se tornou a pedra fundamental do que é chamado de cinema novo português, a manifestação de sua segunda e mais duradoura modernidade, após os filmes desafiadores feitos na virada dos anos 1920 para os 1930.
O filme de Rocha, contudo, é também um pretexto para Rodrigues e Guerra da Mata comentarem o quanto mudou na capital portuguesa nesses quase 60 anos que se passaram e após Lisboa ter se tornado um dos destinos preferidos de turistas do mundo inteiro.
Os diretores não fazem um documentário convencional em homenagem ao filme antigo. Aliás, a própria definição de documentário é muito imprecisa para o tipo de filme que vemos aqui.
Está mais para um ensaio investigativo sobre a relação dos diretores com "Os Verdes Anos", o som no cinema, as transformações de Lisboa e a população portuguesa durante a pandemia.
"Onde Fica Esta Rua?" é um espelho modernizado do filme de Rocha. A duração é a mesma, a posição da câmera também, cada imagem do novo filme, salvo exceções, procura reproduzir a imagem correspondente do outro.
Onde víamos Rui Gomes e Isabel Ruth, vemos os mesmos espaços vazios que ocupavam, mas do jeito que estão hoje, modernizados, por vezes irreconhecíveis.
Pela opção ousada de trabalhar com muitos vazios e sons de coisas que não vemos, como se a câmera respeitasse o isolamento social da pandemia, o filme se torna uma experiência bem mais difícil do que "Fogo-Fátuo", embora muito inventiva e emocionante para o espectador habituado com um cinema que procura uma outra maneira de olhar.
Em um momento dos mais engraçados, um homem com máscara e luvas tenta entrar no mesmo edifício em que Rui Gomes teve dificuldade no filme de 1963. Só que agora não é só um desencontro pela portaria eletrônica, mas um cuidado excessivo para não tocar a maçaneta da porta, que poderia estar contaminada com o vírus da Covid-19.
Quem conhece o cinema português vai se emocionar um bocado quando Isabel Ruth começar a cantar, hoje, em preto e branco e na mesma locação que filmou em 1963.
Quem não conhece, pode ter uma ideia da poesia e da musicalidade que impregnam a cultura portuguesa, seu cinema de palavras e imagens fortes, as cores e vibrações de um país com que devíamos ter maior proximidade.
As imagens mostram a beleza de Lisboa, não mais no preto e branco melancólico do filme de Rocha, mas com as cores do verão na cidade que é só luz. O rio Tejo com seu deslumbrante azul, o Castelo de São Jorge ao longe, o elevador de Santa Justa, são lugares pelos quais os personagens de "Os Verdes Anos" passaram, imortalizando-os.
Não se trata de uma sucessão de cartões postais. O diálogo com o filme antigo leva este para o terreno da investigação e da poesia, ao som da música que embalava o drama no passado, agora rearranjada de modo bem criativo.
"Onde Fica Esta Rua?" tem ainda a curiosidade de ter sido filmado entre outubro de 2019 e julho de 2021, com a pandemia em pleno vigor em boa parte do tempo. São raras as pessoas que aparecem sem máscara, o que para nós, brasileiros, é uma total estranheza, mesmo no auge do terror.
ONDE FICA ESTA RUA? OU SEM ANTES NEM DEPOIS
Avaliação: Ótimo
Quando: Em cartaz nos cinemas
Classificação: Não indicada
Elenco: Isabel Ruth
Produção: Portugal, 2022
Direção: João Pedro Rodrigues e João Rui Guerra da Mata
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