VITÓRIA, ES (FOLHAPRESS) - O Brasil é conhecido por sua riqueza cultural, mas, ainda assim, as salas de cinema refletem narrativas vindas, sobretudo, do exterior e do Sudeste. É essa a avaliação de cineastas sobre a realidade do cinema comercial brasileiro, setor que avança a passos lentos em direção à diversidade.
"É importante desconcentrar os recursos, porque isso é uma reparação histórica. O dinheiro do audiovisual sempre esteve concentrado no Sudeste", disse o diretor e roteirista Sérgio de Carvalho durante o 1° Encontro Nacional de Gestores da Cultura.
O evento reúne dirigentes públicos de todos os estados do país para discutir, entre segunda e terça-feira, as políticas da área cultural. A iniciativa é realizada pelo Fórum Nacional de Secretários e Dirigentes Estaduais de Cultura e pelo Fórum Nacional de Secretários e Gestores de Cultura das Capitais e Municípios Associados.
Carvalho se notabilizou pelo filme "Noites Alienígenas", que ganhou o Kikito de melhor filme do júri e o de melhor filme da crítica no Festival de Gramado. O longa leva à tela um panorama da tomada das periferias que circundam a Amazônia pelo narcotráfico, com facções que cooptam jovens para suas tropas e bancam o vício, que chega até os povos originários.
O cineasta diz ser importante ressignificar a ideia de descentralizar o cinema brasileiro. Isso porque, diz ele, esse conceito parte do pressuposto de que não existe produção artística em lugares afastados das grandes capitais.
"É uma ideia colonizadora querer levar coisas para a Amazônia, por exemplo. A gente acaba ignorando a produção que já existe nesses territórios. Na realidade, é preciso ficar atento para o que está acontecendo lá."
Como exemplo, ele cita projetos audiovisuais produzidos por comunidades indígenas, como o "Vídeo nas Aldeias". Essa iniciativa foi criada em 1986 para fortalecer o cinema feito pelos povos originários. "A produção mais importante e expressiva de cinema no Acre é fruto desse trabalho, que formou vários cineastas indígenas de lá."
Carvalho diz que, apesar da diversidade do audiovisual brasileiro, o que costuma ter destaque nas salas são filmes com apelo comercial, ou seja, aqueles que podem gerar mais lucro. Para ele, essa lógica acaba sendo reproduzida pela Ancine, a Agência Nacional do Cinema.
"Eu penso que ela está com uma visão mercadológica e não consegue ver o potencial da diversidade de produção do Brasil", diz Carvalho, acrescentando que um país sem cinema é como uma casa sem espelho.
"A Ancine hoje só reflete um espelho único do Brasil." A reportagem entrou em contato com a Ancine, mas a agência não retornou até o fechamento desta reportagem.
A formação é outra dificuldade para profissionais que vivem fora do Sul e do Sudeste. Zienhe Castro, realizadora do Festival Amazônia Doc., disse durante o encontro com os gestores que precisou sair do Pará para conseguir fazer faculdade de cinema. O estado não contava com curso na área.
"Eu fui embora buscar essa formação e comecei a ir em festivais, porque sei que determinadas obras só conseguiria encontrar nesses espaços. Elas não são exibidas em salas comerciais", diz.
Por esse motivo, a cineasta considera importante valorizar os festivais de cinema, uma vez que eles escoam uma produção que não tem espaço no circuito comercial.
"Essa diversidade de festivais é importante para a gente entender o que está acontecendo no cinema nacional e ouvir o que está sendo dito pelos vários brasis que existem dentro do território."
A TV Brasil está passando por uma mudança em sua grade justamente para refletir a diversidade cultural do país.
Antonia Pellegrino, diretora de conteúdo e programação da EBC, diz que 80% dos recursos da empresa para a aquisição de produtos foram usados em produções brasileiras.
"A gente tomou essa decisão estratégica e política de investir na produção nacional olhando para esses filmes que fazem o circuito de festivais, mas que acabam não tendo espaço nas emissoras comerciais."
Pellegrino diz que as gestões anteriores priorizavam a compra de conteúdos estrangeiros, que para ela não refletem a realidade do país. "Temos agora a oportunidade de nos reconectarmos com o objetivo da comunicação pública, que é formar cidadania e ter a regionalidade espelhada na tela."
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