CACHOEIRA, BA (FOLHAPRESS) - Rota da Liberdade é o nome de um roteiro que guia grupos de visitantes pelos quilombos da região do Recôncavo Baiano, na Bahia. Apesar de ele ter sido criado em 2005, a demanda nacional costumava ser mais baixa no início.
"Só quem queria vir eram os estrangeiros, quem dava mais valor. O brasileiro não tinha interesse em conhecer", diz Tâmara Azevedo, diretora executiva da agência de turismo Bahia Turismo e Arte, uma das parceiras do projeto.
Isso, porém, vem mudando com presença de grupos escolares e visitantes interessados em valorizar a cultura das comunidades negras da região.
O núcleo responsável pelo circuito é formado por cinco comunidades: Dendê, Kalembá, Engenho da Ponte, Santiago do Iguape e Kaonge - onde fica a sede do projeto. São três roteiros: a trilha griô, o passeio náutico e o roteiro dia a dia, acompanhado pela Folha.
Segundo a guia Jucilene Viana Jovelino, 43, o primeiro passo é visitar o cultivo de ostra, para conhecer a história dessa produção. Presente no Rota desde a fundação do programa, ela conta que o projeto pode receber grupos de cerca de 150 pessoas por passeio.
Os roteiros acontecem entre às 9h e 15h30, mas a programação sofre adaptações de acordo com cada grupo.
Os trajetos podem ser feitos a pé ou de carro a depender das condições da estrada ?depois da chuva, a lama do terreno dificulta a passagem de automóveis, então é preciso fazer o deslocamento a pé.Na primeira parada, visitantes podem observar como é o processo de captura das ostras e, depois, podem prová-las.
O cultivo acontece no encontro do rio Paraguaçu com o mar, uma perna da baía de- Todos-os-Santos, em um sistema que usa um coletor feito de garrafa pet. Ali, a ostra pode ser comida crua, servida com azeite ou limão.
Na hora do almoço, a refeição também é preparada pela comunidade ?em geral, pratos como moqueca de ostra ou de peixe com banana, com vatapá, arroz e feijão-fradinho.
Os turistas têm ainda contato com o processo de preparo de produtos como o dendê, a farinha e o xarope medicinal.
No caso do dendê, os cachos são colhidos no pé pela manhã e depois, o fruto é pilado, processo em que é amassado para soltar seu óleo. Depois, é batido e vai para a água, em que se separa a espuma que dá origem ao azeite. A espuma é, então, aquecida no fogo e recebe elementos como aroeira, folha do quioiô e alfavaca.
Outro produto tradicional cujo processo de preparo pode ser acompanhado é o da farinha de mandioca ?que demora cerca de um dia para ficar pronta . Nele, a planta primeiro é descascada, ralada e tem sua goma (fécula) extraída para ser aproveitada para fazer tapioca. O produto que sobra é, em seguida, prensado, peneirado e levado ao fogo.
Além dos ingredientes usados na gastronomia, um dos destaques do passeio é a roda de conversa com uma das matriarcas, Juvani Nery Viana, 72, que compartilha com os visitantes a própria história e a da formação do quilombo. Intitulada mestra griô (mestre de saberes) em 2003 pelo então ministro da Cultura, Gilberto Gil, ela é mãe de muitas das mulheres à frente do Rota da Liberdade.
Ao final, uma roda de samba reúne os locais e os visitantes e encerra as atividades do dia.Yan Allen visitou o local com a intenção de voltar com seus alunos. "Muitas coisas do que ensino em aula sobre história do Brasil e do período colonial passa por quilombos e por comunidades tradicionais", diz.
Buscando conhecer melhor o próprio estado, a jornalista aposentada Clara Caribé, 58, levou o sobrinho de 13 anos para a acompanhar o passeio."Temos que conhecer nossa própria história. A gente fica lendo tudo nos livros, mas o mais interessante poder observar. É uma verdadeira lição de história", diz ela.
A ideia do projeto surgiu de lideranças quilombolas que viram uma oportunidade para promover a autonomia socioeconômica. Ele foi desenvolvido por 20 jovens do Ponto de Cultura Terreiro Cultural, programa do Ministério da Cultura, que recebiam uma bolsa de R$ 150 para desenvolver pesquisas sobre as comunidades onde moravam.
Ao final do programa, perceberam que o turismo de base comunitária seria uma saída para a geração de renda.Os trabalhos e a gestão do programa são majoritariamente feitos por mulheres ?ao longo dos anos, as marisqueiras foram assumindo o controle e receberam reconhecimento pela liderança.
O Rota movimenta cerca de R$ 80 mil a 120 mil por ano, incluindo os roteiros, almoço e venda de produtos, empregando por volta de 20 famílias. Boa parte da renda dos quilombos provém do Rota da Liberdade. "A gente trabalha com a economia solidária, então tudo que a gente ganha tem que ser compartilhado com todo mundo que está ali trabalhando", afirma Jucilene.
No quilombo, são vendidos os produtos alimentícios como o mel, o dendê e os xaropes e até blusas do Rota da Liberdade e livros com a história e os registros do quilombo.
O projeto Quilombos do Brasil é uma parceria com a Fundação Ford
Entre na comunidade de notícias clicando aqui no Portal Acessa.com e saiba de tudo que acontece na Cidade, Região, Brasil e Mundo!