Resgate da memória e literatura por Vanderlei Tomaz

Um dos projetos do ex-vereador e pesquisador, que tomou forma este ano, foi o 'Ponto Pra Quem Lê' , que pretende democratizar o acesso ao livro

Angeliza Lopes
Repórter
29/04/2017

Apaixonado pelo resgate da memória mineira e juiz-forana, o ex-vereador e pesquisador Vanderlei Dornelas Tomaz, de 52 anos, nunca deixou a própria biografia com poucas linhas. Em 29 de julho de 1964, na residência da rua Dias de Gouvêa, 51, no antigo distrito de Juiz de Fora, chamado Benfica de Minas, atual bairro Araújo, sua história começou pelas mãos de duas parteiras, Dona Penha – a vizinha, e Dona Joana - enfermeira da antiga da Fábrica de Estojos e Espoletas de Artilharia do Exército (FEEA), atual IMBEL. Ao iniciar a alfabetização, se rendeu as palavras e fez delas grande ponte para experiências literárias no início dos anos 80, quando participou do movimento literário Abre Alas, responsável pelo lançamento da Revista D’Lira e que revelou importantes nomes das letras da cidade.

Na ocasião, mesmo com pouco recurso e com apoio de amigos e da Fundação Alfredo Ferreira Lage (Funalfa), Vanderlei consegui publicar, com 18 anos, em 1983, seu primeiro livro de poesias: Lira Suburbana I. Para sua surpresa, recebeu uma carta de Carlos Drummond de Andrade comentando sua obra. Ele autorizou sua publicação, que entrou na contracapa do livro. Logo depois, vieram os outros dois exemplares: Lira Suburbana Ilustrada e Nos Ombros de Minas. “Neste período, participei deste grupo junto com Iacyr Anderson Freitas, que considero um dos melhores poetas do Brasil, na atualidade. Além do Edimilson de Almeida Pereira, Fernando Fábio Fiorese e Luiz Ruffato, que foi para São Paulo e ficou famoso, com obras traduzidas em várias línguas”, lembra.

Quase 10 anos depois de integrar ao grupo de futuros nomes da literatura contemporânea, Tomaz decidiu partir para a carreira política e tentou sua primeira candidatura como vereador, em 1992. Na época, tão jovem, enfrentou mais de 500 candidatos e teve boa votação nas urnas, principalmente, por moradores do bairro Benfica.

Imerso na cultura literária regional, recordou das dificuldades de publicar seu primeiro 'livrinho', problema enfrentado também por seus amigos escritores. “Essas memórias me motivaram a apresentar um dos meus primeiros projetos, que deu origem a Lei Murilo Mendes de Incentivo à Cultura, primeira lei de incentivo à cultura do interior do Brasil, e a primeira brasileira a funcionar exclusivamente com recursos de fundo municipal”, destaca, lembrando que neste período as normas mais conhecidas eram a Lei Mendonça, em São Paulo, a Rubens Braga, de Vitória e a extinta lei Sarney, todas traziam a renúncia fiscal como mote principal e objeto norteador.

A iniciativa do ex vereador, torna possível o lançamento de um projeto cultural por semana, em Juiz de Fora, que totaliza mais de 50 obras na literatura, teatro, música e audiovisual com recursos públicos. “Fico feliz de ser um instrumento bem utilizado, torna público as obras agraciadas na cidade e no país. Um deles é o Marcelo Manhães, que produz literatura infantil que não deve a ninguém, como 'O Jequitibá', que é adotado por escolas do Rio e São Paulo”. Ele esclarece que a lei, fundamental para deslanchar novos nomes, garante sua efetividade por ter seu mecanismo de funcionamento aperfeiçoado todos os anos, através da publicação de decretos regulamentadores. “A lei não mudou, mas seus mecanismos de atuação são sempre aprimorados, conforme observações de grupos envolvidos na área da cultura na cidade”.

Mas, mesmo com execução e resultados positivos inquestionáveis, Tomaz levanta uma crítica importante. “Hoje o maior desafio da cidade é tornar os autores de Juiz de Fora consumidos por sua população. O município não fica devendo nada a ninguém, em relação a poesia. A cidade do Murilo Mendes, Pedro Nava, Rubens Fonseca, Lindolfo Gomes, Belmiro Braga, tem uma nova geração que faz justiça a tradição, mas precisa ser melhor degustada por quem mora, estuda e lê no município, através das escolas e bibliotecas”, destaca.

Projeto Ponto Pra Quem Lê

Um dos projetos de Vanderlei Tomaz, que tomou forma este ano, foi o 'Ponto Pra Quem Lê'. Já se deparou com um livro perdido em cima de algum banco da praça, próximo ao caixa eletrônico de uma agência bancária, balcão de loja, no ponto ou no banco do ônibus? Ele está ali de propósito, para ser achado por novos leitores! Esse é o propósito da ação, que começou com um hábito de seu proponente. “Foi a forma que eu escolhi de democratizar o acesso ao livro, sem aqueles transtornos burocráticos que a biblioteca te impõe. Parto da confiança que a obra não pertence a quem o pega, mas enquanto a quem o lê. Depois dessa leitura, você compartilha com outras pessoas!”, explica.

Na capa do livro, o novo participante do jogo vê o selo convidativo 'Pra Você' e ao abri-lo, pode observar as instruções e um chamamento para participar do grupo no Facebook 'Ponto Pra Quem Lê', onde poderá compartilhar a experiência e interagir com outros integrantes. “Outros eixos que compõem o jogo é a pessoa se manifestar no grupo sobre autores e obras de preferência, a disponibilização das obras já lidas para outras pessoas e a criação, no futuro, de pontos de leitura, onde poderá ler e deixar a obra em estantes”, detalha.

A brincadeira de promoção a leitura tem despertado boas reações. Vanderlei conta que, por diversas vezes, deixou o livro em um local público e ficou observando por um tempo, de longe, como as pessoas se comportariam. “Deixei um livro do Jô Soares no banco do Parque Halfeld, fiquei de longe observando. Duas garotas chegaram, pegaram o livro, uma riu para outra sem entender o que estava acontecendo, até que abriram e percebi que estavam lendo a instrução. Acabou que uma delas levou o livro embora”, conta o idealizador. Ele afirma que mais pessoas têm aderido a ideia, comentam no grupo das redes sociais, que já tem mais de mil participantes, e doam novas obras. Até o momento, já foram distribuídos em torno de mil livros e maiores procuras são obras do Augusto Cury, Fábio de Melo, Rubem Alves e romances espíritas.

Biblioteca Particular

Com 12 anos, Vanderlei começou a guardar seus primeiros livros e fotografias. Hoje, ele possui uma biblioteca particular de mais de 10 mil livros e três mil fotografias antigas, localizada em Benfica, e aberta ao público. Das obras preservadas, seu zelo maior é pelo acervo 'mineiriano', com quase cinco mil edições. São livros raros de autores de Minas Gerais e autores da cidade. “O acervo é muito grande e a 'mineiriana' é a que eu preservo, neste momento, até porque é objeto de muita pesquisa de alunos da Universidade, de quem está publicando apurações mais elaboradas sobre de determinado tema”.

Com fama na cidade de correr atrás de livro velho, Tomaz chegou a resgatar há alguns anos, no antigo chalé demolido, localizado na avenida Rio Branco, os primeiros livros da Revista do Arquivo Público Mineiro, mais antiga revista de história de Minas Gerais, desde 1986, e um mapa original do projeto de retificação do Rio Paraibuna de 1914. “As pessoas me ligam e, desta vez, um amigo me contou sobre uma biblioteca no sótão do chalé. No dia que fui lá, estava muito gripado, e me deparei com ambiente úmido, sala fechada com vazamento de água. Tinha parte encharcada e onde estava seco tinha muita poeira. Acabei encontrando relíquias que seriam jogadas fora”. O estudioso guarda acervo de livros autografados pelo Murilo Mendes, Pedro Nava, Carlos Drumommd Andrade, Jorge Amado, obras raras, primeiras edições de autores locais.

“O grande problema que enfrento é falta de catalogação, é um trabalho voluntário, sozinho, tenho necessidade de gente que me ajude, até para dar uma ordem neste material. Hoje sou um acumulador, as coisas vão tomando formas que me chama atenção para o perigo que representa. Sei o que eu tenho, da importância que possui, mas não sei o destino que vai ter no futuro”, revela, destacando que seu acervo de assuntos mineiros pode ser considerado o mais importante da Zona da Mata.

Compartilhando grande acervo

Com grande tesouro para a memória de Juiz de Fora em suas mãos, o estudioso não possui pretensão de guardá-lo a sete chaves, pelo contrário, tenta torná-lo público de todas as formas possíveis. Atualmente, todos os domingos ele publica textos com conteúdos sobre histórias da cidade extraídas das pesquisas no jornal Diário Regional, em sua coluna 'Nossa Juiz de Fora'. Na página do Facebook do deputado estadual, Noraldino Júnior, publica artigos com temas 'Cidades Mineiras'. Também alimenta duas colunas em jornais comunitários dos bairros Benfica e Santa Terezinha, onde escreve histórias daquelas regiões.

A intenção de Tomaz é lançar livros que reúnem os artigos das colunas 'Nossa Juiz de Fora' e 'Cidades Mineiras', quando completar 50 artigos, cada. Além dessas novas obras, ele pretende publicar livro com poesias inéditas chamado Flor de Arame, e uma obra de contos documentários 'Contos que Não Lhe Contaram', onde reescreve alguns relatos da história de Juiz de Fora, mesclando ficção e realidade.

Meio Ambiente

Seu amor por plantar árvores tornou possível a criação de um público com várias árvores frutíferas nos 400 metros de um terreno que margeiam na linha férrea, rua Maria Eugênia, no bairro Araújo. Ele e amigos vizinhos se empenharam em transformar o espaço, usados para despejos de entulho e lixo, no pomar, onde podem ser colhidos acerola, pitanga, pêssego, limão, carambola, abacate, goiaba, manga, cajá-manga, mexerica, laranja, ameixa, e outras espécies frutíferas. “Já plantei mais de 400 árvores. Hoje, me orgulho de ver ali um belo pomar e a população aprova e preserva o que foi feito”.

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