Sábado, 7 de dezembro de 2019, atualizada às 11h20

Artista reproduz Santa Casa de Misericórdia com peças de LEGO

Jorge Júnior
Editor

O artista plástico espanhol, Pablo Picasso defendia que “não há, na arte, nem passado nem futuro. A arte que não estiver no presente jamais será arte”. Essa frase define a ligação do administrador Adolfo Freitas (40 anos) com seu brinquedo preferido de quando era criança e que se tornou o hobby  do presente.”No início era apenas uma simples brincadeira. Passou por um lapso de tempo sem eu construir nada durante a adolescência - já que nessa época eu era ferromodelista e me interessava mais por trens e também por esportes - e só no início da fase adulta que retornei minhas atenções para o brinquedo e o enxerguei como o hobby, com todo seu potencial lúdico e artístico”, conta o administrador.

Seu mais recente trabalho foi a reprodução da  Santa Casa de Misericórdia de Juiz de Fora. Confira a entrevista
 
ACESSA.com – Qual a sua inspiração para realizar esse trabalho?

Adolfo Freitas - Inicialmente, eu voltava as minhas atenções dentro do hobby para temas como castelo e miniaturas de cidades. Hoje minha visão se expandiu e enxergo o que faço de uma forma muito mais holística, tentando aproximar com outras coisas que eu gosto, como cultura e artes. Descobri que reproduzir construções históricas utilizando os famosos blocos de montar é chamariz para a discussão que envolve a proteção e a preservação do patrimônio.

Quando escolhemos alguma edificação histórica para ser reproduzida com LEGO trazemos à tona o debate sobre o passado e suas lições, deixando a história viva na sociedade e incentivando a reflexão sobre o presente e as novas formas de se enxergar o futuro. É neste ponto que o LEGO passa a ser um instrumento de forte impacto argumentativo. Colecionadores do mundo inteiro já puderam nos apresentar verdadeiras maravilhas, que nos levaram a fazer uma viagem pelo tempo e lembrar que a tarefa da preservação da memória é coletiva. O hobby oferece a quem constrói e a quem aprecia uma oportunidade única de reforçar os valores e enriquecer laços culturais que vão além das fronteiras dos países.

Outra característica importante que o LEGO possui é o já consolidado lado lúdico do brinquedo e nesse ponto também podemos estender sua compreensão. Adultos e, principalmente, crianças, ao se depararem com uma construção histórica feita com LEGO, despertam seu instinto natural de curiosidade sobre a obra, levando a pesquisa fotográfica e bibliográfica sobre a reprodução. Nesse aspecto, há um efeito multiplicador. Uma vez iniciada as pesquisas, a construção histórica servirá de ponto inicial de contato com a cidade, país e o povo daquela região que serviu de motivação e inspiração para o autor da obra. A partir desse momento, sentimentos e laços afetivos mútuos entre obra e admirador podem ser potencializados e virar até mesmo motivação adicional para futuras viagens ao lugar, afinal, nada melhor do que um cidadão local para nos guiar e mostrar, aos seus olhos, aquilo que devemos perceber com a alma e guardar no coração.

O que eu acho interessante destacar é que o interesse de se pesquisar sobre as reproduções de construções históricas feitas com LEGO seja mais forte quando as obras são baseadas nas civilizações passadas. É bom lembrar que quem constrói precisa, primeiramente, estudar o que vai apresentar e quem aprecia precisa entender o que está vendo.

Se levarmos as discussões mais a fundo, para o lado das construções históricas que não existem mais ou estão em ruínas, o LEGO pode ter um papel grandioso. Reavivar emoções através do hobby e utilizar os talentos do construtor para apresentar ao público algo que às vezes foi esquecido, em alguns casos tristemente esquecido ou destruído, é tarefa nobre e de impacto múltiplo. Uma reprodução feita com LEGO desperta sentimentos para muitas pessoas e pode servir de caminho para movimentos de preservação e conservação do patrimônio histórico.

Portanto, são muitos os caminhos que levam a identidade de um povo. Talvez a história que existe por trás do seu patrimônio histórico reflita de forma mais clara às memórias do passado e dos fatos ocorridos. Somente preservando o passado podemos construir um equilíbrio com o futuro.

ACESSA.com – Como você compra essas peças?

Adolfo Freitas - Essa é uma pergunta que me fazem sempre. A resposta é simples: internet! Existem muitos sites especializados, em que você pode comprar somente as peças, o que sai bem mais barato do que a loja física. Hoje em dia é possível comprar uma infinidade de peças, em tamanhos, cores e formas, então, qualquer coisa que existe pode ser reproduzida. Basta deixar fluir a criatividade.

ACESSA.com – Quantas peças e quanto tempo você gastou com o projeto da Santa Casa?

Adolfo Freitas -  Foram 310h de montagem distribuídas em quase dois anos de planejamento, mais de 32 mil peças utilizadas em uma obra com as dimensões de 1,67cm x 0,98cm x 0,51cm, somando cerca de 35kg. Procurei seguir a escala minifigure e reproduzir o máximo de detalhes do edifício da época, com as soluções de montagem que encontrei e desenvolvi.

Tendo esse conceito como foco, transformei uma obra em duas, com dois pontos de vista completamente diferentes. De frente, podemos observar o prédio clássico do hospital, inteiro e imponente. Por trás, um corte na construção mostra o seu interior fragmentado em ambientes diferentes e que retratam cenas de antigamente, “com vida”. Podemos perceber no centro uma reunião da Irmandade, grupo comum que rege todas as Santas Casas, na sala da provedoria com uma amostra do mobiliário típico da época, assim como nos corredores de acesso ao centro cirúrgico, enfermarias e farmácia.

ACESSA.com – Qual a sua motivação para para realizar esse trabalho?

Adolfo Freitas -  Continua a ser o despertar da consciência coletiva para a importância da preservação do patrimônio histórico e seu legado cultural. Infelizmente o edifício reproduzido não existe mais, porém, nem por isso podemos deixar de valorizar sua história e memória. Contudo, para este caso, uma motivação especial facilitou o trabalho: a celebração dos 165 anos de fundação da Santa Casa de Misericórdia de Juiz de Fora e os 170 anos da cidade de Juiz de Fora-MG, minha querida terra Natal.

O próximo passo, tão trabalhoso quanto construir o prédio, será organizar uma exposição dentro do hospital que mostre não só peças de LEGO, mas sim seu potencial lúdico de inspirar as pessoas a conhecer sua própria história.


ACESSA.com –  Além desse, quais foram os outros projetos que você criou?

Adolfo Freitas - O hobby tem aprimorado minhas técnicas a cada nova construção, portanto, a mais difícil sempre acho que é a última. A reprodução do antigo prédio da Santa Casa foi minha maior e mais detalhada obra até agora. Há alguns anos houve também a reprodução da Pirâmide de Gizé com sua Esfinge, que me consumiu dois anos de planejamento de peças e construção para se chegar ao resultado. O retorno que eu tive com a exposição da obra, tendo inclusive ficado exposta em um shopping da zona sul de São Paulo, justificou todo meu esforço para compartilhar a beleza dessa civilização tão icônica que o mundo já abrigou.

As crianças ficaram enlouquecidas com a escultura! Já construí, também, parte de um dos castelos mais famosos do mundo, o Neuschwanstein, no sul da Alemanha, que serviu de inspiração para a criação do Castelo da Cinderela, logomarca de Walt Disney em Orlando. Outra obra bem importante, foi a reprodução da Estação Ferroviária de São João del-Rei, minha homenagem recente aos 300 anos de fundação da cidade, que tantas vezes visitei ao longo da infância. Foi de lá que me apaixonei pela Maria Fumaça e me encantei por trens e ferromodelismo, ou seja, abriu caminho para se ter um hobby.

ACESSA.com – Como você avalia o reconhecimento desse trabalho?

Adolfo Freitas - Hoje em dia, as redes sociais são capazes de difundir assuntos e fotos numa velocidade e abrangência que nos assusta, mas não acho que elas sejam capazes de substituir a experiência pessoal de prestigiar uma exposição de arte in loco. O impacto visual que uma escultura causa é enorme, e no caso do LEGO, maior ainda, porque os detalhes chegam aos mínimos espaços e na menor das peças.

Creio que familiares, amigos e colegas de trabalho valorizem, incentivem e reconheçam meu trabalho e de muitos outros artistas. Eu participo de exposições anuais sobre LEGO em São Paulo – organizada pelo LUG Brasil, grupo de fãs do hobby e algumas vezes sou convidado pelo mesmo grupo e seus parceiros para participar de algumas exposições em shoppings da capital paulista, porém, isso ainda é longe do ideal que as esculturas merecem. Portanto, considero que trabalhar com arte no Brasil de uma forma geral e ter acesso a espaços que ofereçam segurança e visibilidade para exposição de obras com LEGO ainda seja um dificultador.

ACESSA.com - O que você gostaria de reproduzir com o LEGO?

Adolfo Freitas - Eu sou apaixonado por civilizações antigas, então talvez as construções históricas que já não existem mais ou que estejam em ruínas sejam sempre meu foco. Embora tenham outros temas que eu gostaria de trabalhar melhor, como robótica, exploração espacial e astronomia, minha outra paixão. Além disso, creio que se eu tivesse peças, muitas peças, mas muitas mesmo, eu construiria o Colosso de Rodes.

ACESSA.com - E qual será sua próxima criação?

Adolfo Freitas – Eu sempre digo que tenho um próximo projeto em mente e que isso me ajuda a me desprender do processo de ter que, infelizmente, desmontar tudo e criar coisas novas. Afinal, preciso das peças! Estou em contato com a família Bracher, do famoso pintor juiz-forano Carlos Bracher, reconhecido nacionalmente, para reproduzir de uma forma bem interessante e com uma proposta bem ousada o Castelinho dos Bracher, outra construção icônica de Juiz de Fora. Quero fazer algo marcante que chame a atenção da sociedade local para a importância da restauração do edifício e que possa servir de recordação para a família e todos nós moradores de uma cidade que teve um passado singular. Quem sabe não surge uma pintura do artista em paralelo a esse processo e uma exposição bem bacana no futuro?

ACESSA.com  - O LEGO é a sua grande paixão?

Adolfo Freitas – Viajar é a minha maior paixão. O hobby entre como consequência da experiência da viagem. Exemplo disso foi a que fiz ao Peru, um país riquíssimo em história, belezas naturais lindas e morada dos incríveis Incas. Voltei de lá mais apaixonado por essa civilização do que já era, inspiradíssimo e com tudo pronto na cabeça para construir algo desse tema. Só ainda não fiz porque tem projetos mais oportunos para serem feitos antes.

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