Ali mesmo, sem pudor nem piedade por Novinha, a tropa está formada e pronta para tocar o terror, seguindo e perpetuando uma lei que só existia entre eles.

_ Ela “tá” pedindo mais, afirma o cabeça do bonde. Ela “tá me querendo” e tive que curtir e compartilhar o corpo dela com meus camaradinhas!

Na noite em que viram aquela carne nova no pedaço, os moleques voltavam de um arrastão mal sucedido e não podiam perder o posto de chefia do lugar. Foram longe demais e só não atearam fogo num mendigo porque dava muito trabalho.

A gangue foi “pro baile” com o desejo de demarcar território e elegeram a presa que será atacada e devorada viva. Entram e saem da festa como se fossem celebridades locais, descendo as ladeiras banhados do perfume de marca combinando com o naipe pelas marcas que sobressaem em suas roupas; fora o brilho dos cordões e bigodes folheados a ouro.

Novinha é uma adolescente que acaba de completar 15 anos e seu sonho  não era ganhar uma festa de aniversário, mas ir ao baile na comunidade ao lado.  Negra de pele retinta, dentes e sorrisos quase perfeitos, 1,77 de altura, com tudo no lugar, pronta para ter a sua primeira noite de amor com um crush do aplicativo de paquera.

Com alguns trocados, chega cedo e nem precisa enfrentar fila, já que era VIP e seu nome na lista. Nada pode dar errado! Maquiagem ok! Perfume ok! Beleza ok! Drink’s ok!

A balada estava no auge e Novinha decide participar de um concurso como a Beyoncé da favela!  Fotos para o Instagram e muitos gatinhos para azarar, sonhava durante a apresentação. Para ela, a cereja do bolo era se seu pretendente aparece ali e a levasse para um lugar deserto, de preferência para a praia e lá amanhecer como uma rainha.

A garota ganhou um combo de bebidas como prêmio de melhor dançarina e, a partir daí, ela não se lembra de quase nada, a não ser de estar cercada por 12 sombras, sendo uma delas o garoto que ela estava afim. Quase anestesiada, foi puxada pelo braço e cintura pelos membros da gangue que num ato só, formaram uma fila para que um a um, participassem de um jogo muito simples: todos iriam penetrar a Novinha e quem ejaculasse dentro dela sairia da brincadeira.

Quem via a cena pensava que ela estava curtindo aquele banquete em que praticamente era devorada viva e, talvez por ser tão comum esse ritual explícito, a fulana foi usada como um produto descartável.

Meses depois, Novinha estava diferente. Sua fisionomia parecia disforme, como se a proporção do corpo estivesse comprometida. O que se via era uma pessoa muito esguia, com uma barriga saliente.

Na fila do posto de saúde, ela já estava completando seu pré-natal e todas as perguntas que o obstetra fazia, vertia-se em as respostas sempre vazias: mesmo que suas “migas” insistissem para fizesse aborto, ela só desejava a própria morte ou matar os pais daquele pequeno ser.

Se acaso um dia se deparar com alguma Novinha, tente lembrar-se dessa história. Muitos vão colocar a culpa nela, pois ela não tinha nada que sair com pouca roupa e ela provocou, pois “moça direita” não sai de casa direto para o abate.

Outros recordarão que Novinha cresceu sem pai, pois foi fruto de um estupro coletivo também e outrora esse ciclo vicioso só termine quando as gentes daquele subúrbio tiverem uma educação que converse diretamente com as famílias segregadas e que nunca falte o respeito, amor próprio e discernimento para o bem e para o mal.

E o bonde? O bonde partiu pra bem longe e quem quer que seja o pai da criança pode nem estar vivo e mesmo se soubesse iria dizer que simplesmente foi tudo uma brincadeira!

*Título e texto criado por meio de relatos de adolescentes grávidas, em parceria com meu primo Vitor Soares, interno de medicina na cidade de Campos dos Goytacazes – RJ.