Paula Medeiros Paula Medeiros 31/12/2010


Falta de originalidade e sensacionalismo são a base de Incontrolável

Atenção, este texto contém informações detalhadas do filme

A aposta em clichês foi a escolha do diretor Tony Scott em Incontrolável. O filme todo é marcado por situações que, convenhamos, já se esgotaram no cinema. Tudo bem, quando enxergamos o cinema como indústria e nada mais que isso. Mas, mesmo nesses casos, é decepcionante assistir a um roteiro tão pouco original. É difícil acreditar que algumas pessoas possam se surpreender, mesmo ele sendo classificado dentro do gênero de ação/suspense.

Incontrolável narra a história dos trens 777 e 1206. O maquinista do 777, Dewey (Ethan Suplee), abandona a cabine de controle por alguns minutos e isso basta para que o trem saia em disparada, sem nenhuma tripulação, e com uma carga de produtos altamente tóxicos. Paralelamente a isso, Will Colson (Chris Pine), maquinista recém-formado, e Frank Barnes (Denzel Washington) comandam o trem 1206, que vai de encontro ao trem desgovernado. Diante do problema, Connie Hooper (Rosário Dawson), controladora de operações ferroviárias, tenta contornar a situação, mas é proibida de tomar diversas decisões pelo chefe, Galvin (Kevin Dunn).

Já num primeiro momento surge uma legenda, dizendo que o filme é baseado em fatos reais. Infelizmente hoje em dia não podemos acreditar nesse tipo de informação, já que inúmeros filmes totalmente inverossímeis apostam nesse recurso de credibilidade. E vai além: baseado em fatos reais é uma frase de sentido amplo, já que qualquer detalhe pode ser a origem dessa afirmação. Isso é apenas uma mera consideração, de pouco influência para a análise do filme em geral, mas é bom registrá-la quando surge oportunidade para tal.

Voltando ao filme em si, o primeiro clichê que podemos registrar é americanização das situações: tudo muito grandioso, dramático, intenso. Não importa quantos elementos são necessários. Nesse caso, são comuns hospitais, idosos ou crianças — como é o caso aqui — na rota de colisão. Quanto mais frágil possa ser o alvo, melhor. Quanto mais dramático o clima possa ficar, mais esses recursos serão usados, independente de uma razão lógica ou coerente com o roteiro. E quanto mais explosões o orçamento permitir, mais coisas voando pelo ar veremos.

Outro clichê básico desses "filmes fadados a hit de sessão da tarde de domingo" são as situações de "quase desgraça". São cenas recorrentes durante o filme e usadas inclusive no clímax, como aqueles momentos em que faltam apenas cinco segundos para uma bomba explodir e alguém precisa decidir qual fio cortar, ou quando alguém precisa executar alguma ação debaixo d’água e fica preso em algum cano. O fim desse tipo de situação é sempre previsível.

Mas uma das maiores marcas do enredo, que deve ser ressaltada, é a forma como as informações sobre o trem desgovernado são divulgadas. Aqui fica clara a referência à mídia atual, que transforma situações de alto risco em espetáculos televisionados. O filme pode ser enxergado sob esse ponto de vista como fazendo uma menção ao sensacionalismo vigente e de como isso é vendável na realidade. Se trabalhado com mais afinco, poderia esse ser o elemento que garantiria a Incontrolável um posicionamento mais interessante. Uma pena que não foi.

Continuando a lista de clichês, temos os "tapa buracos" do roteiro ou tentativas de potencializar o "drama", que nesse caso são os personagens coadjuvantes. Situações como filhos que não falam com os pais há tempos, brigas familiares e amores mal-resolvidos são os mais escolhidos. Esses pequenos conflitos nada têm a ver com o desenrolar do enredo, mas sempre são utilizados como uma forma de conferir mais emoção à trama. Geralmente, elas se manifestam através de um telefonema na hora decisiva ou no formato de historinhas em flashback, contadas pelo protagonista a um desconhecido que compartilha da mesma situação caótica que ele — outro clichê.

Prosseguindo, temos ainda aquela antipatia clássica entre os que serão os heróis do filme. Os sujeitos simplesmente não se toleram, mas por uma força maior, sempre acabam juntos naquela que será a situação X do filme. Começam se alfinetando, quase se esbofeteando, mas no final um vira parceiro do outro e trabalham juntos para o bem coletivo, vencendo todas as diferenças antes existentes.

Podemos fazer aqui, grosso modo, um argumento que se encaixa em Incontrolável e em muitos outros filmes:

Os responsáveis pelo problema sempre acham que ele é menor do que de fato ele é, num primeiro momento. Aqui, quase sempre, é introduzida uma daquelas situações em que aparece alguém frágil, que pode se dar muito mal com toda a situação, mas que no último momento é salvo. Depois do susto, os especialistas finalmente constatam a gravidade real da situação. A partir daí, conselheiros reúnem-se, sempre longe do problema, e elaboram inúmeras estratégias, que nunca poderão dar certo, mas que só são constatadas por aqueles que estão dentro do problema e que não têm o menor conhecimento técnico da situação. Esses casos geralmente vêm acompanhados de um superior arrogante que não entende de nada e que será desafiado pelo protagonista. No meio disso tudo, sobra espaço para as historinhas "dramatizantes" e para as discordâncias entre os protagonistas. Depois disso tudo, só sobra espaço para um mesmo final: heroico, sem maiores prejuízos a qualquer indivíduo.

É difícil ser tão taxativo. Mas em alguns casos é bom refletir sobre essa produção enlatada, massificada, batida e repetitiva. Enquanto filmes como esse continuarem enchendo as salas e fazendo sucesso, fica difícil esperar um cinema mais elaborado. É importante existirem filmes com a proposta de somente serem assistidos por pura diversão, para o simples entretenimento. Mas não precisamos de outro Velocidade Máxima (1994) ou outro Trem desgovernado (1999). Se quiserem usar o mesmo tema, ao menos utilizem algum recurso técnico diferente ou tentem um roteiro mais original.

Ficha técnica

Incontrolável / Unstoppable
EUA, 2010, 99 minutos
Ação/Suspense
Direção: Tony Scott
Roteiro: Mark Bomback
Elenco: Denzel Washington, Chris Pine, Rosario Dawson, Ethan Suplee, Kevin Dunn,Jessy Schram.


Paula Medeiros
é estudante de Comunicação Social com participação em Projetos Cinematográficos.