Doutor palhaço: conheça um pouco mais Amaury Mendes e os Médicos do Barulho

O Doutor Fuzil contou à ACESSA.com sua trajetória como fundador da ONG Médicos do Barulho

Lucas Soares
Repórter
19/10/2013
Amaury Mendes

Um trabalho de mais de 27 anos. Essa é a outra vida do juiz-forano Amaury Mendes, também conhecido na cidade como Palhaço Fuzil. Amaury é o criador dos Médicos do Barulho, uma ONG que traz alegria e cor para dentro de hospitais há 17 anos.

Aos 49 anos, é solteiro, vascaíno, pai de dois filhos. Fã de filmes de ação e investigação. Apaixonado pela série americana CSI. Gosta de bossa nova, mas, dependendo do momento, pode ouvir até um rock n' roll. Valoriza muito quem gosta de ler, embora não pratique muito o hábito. Seus ídolos são os palhaços Arrelia, Chaplin e Carequinha, inspiradores de seu trabalho.

O episódio da queda das torres gêmeas, em 11 de setembro de 2001, marcou sua trajetória. No momento em que os aviões batiam no World Trade Center, Amaury estava sendo demitido.  Mais importante do que isso, com certeza, foi como descobriu seu real talento, há 27 anos.

Animação de festas

O jovem Amaury, então com 22 anos, andava indeciso. Fez alguns cursos profissionalizantes em sua juventude, tentando descobrir o que faria da vida. Tímido, entrou no curso de teatro do Pró Música para se soltar e acabou, na verdade, se encontrando. "Eu vi que ali era o meu trabalho. É difícil explicar. Até descobrir o que queria, tive que tentar várias opções. Eu fazia teatro, pois era muito tímido. O professor pediu para fazer divulgação de uma peça e eu me vesti de palhaço. Foi a primeira vez me senti à vontade. Depois, fui chamado para fazer animação de festa em um clube, onde me deram o nome de Fuzil, junto com o pessoal do teatro. Começaram a me chamar direto, já sem o professor. A primeira vez que eu fui sozinho, foi horrível. Deu tudo errado. Mas eu não desisti, tentei de novo e continuei. Comecei a fazer animação de festas e foi dando certo. Você tem que tentar", conta.

Palhaço Fuzil Palhaço Fuzil

As tentativas deram certo. O palhaço Fuzil ficou conhecido na cidade, era um dos poucos animadores de festas infantis que existiam, até porque não tinham outras pessoas que faziam esse tipo de trabalho. Voltar a ser criança, estar se relacionando com esse público, permitiu que ele se conhecesse, transformando Fuzil e Amaury em uma única pessoa. "Quando eu me torno Fuzil em uma festa, eu passo a não ter limites. Eu brinco com todos, faço piadas. O Fuzil ultrapassa as dimensões que o Amaury não consegue ir. O personagem ultrapassa as minhas próprias fronteiras. Somos um só. Eu consigo viajar mais, me solto, volto a ser criança. Tem que ter uma visão de criança para ser palhaço. Criar seu amigo invisível por exemplo. Um adulto, muitas vezes, é chato, sério, exigente e cheio de preocupações. Quando eu me torno Fuzil, eu esqueço disso tudo", revela.

O palhaço Fuzil ia bem, com 10 anos de sucesso. Mas ainda faltava alguma coisa...

Médicos do Barulho

Mesmo fazendo parte de um grupo restrito, viver apenas com animação de festa não era possível. Amaury também trabalhava na Universidade Federal de Juiz de Fora e tinha contatos com professores. Um deles, certa vez, lhe apresentou os Doutores da Alegria, de São Paulo, que tem a ideia de levar mais animação para hospitais, e sugeriu que algo semelhante fosse feito em Juiz de Fora. Amaury foi à capital paulista, onde conheceu o fundador do grupo, Wellington Nogueira, e viu como era desenvolvido o trabalho. A ideia era apaixonante. "Me apaixonei logo de cara. Eu sempre fui muito rápido com as coisas: ou eu gosto ou não gosto. Já avisei que eu iria começar em Juiz de Fora um grupo similar. De uma certa forma, eu tive que me virar sozinho aqui. Corri atrás de apoio, comecei com a cara e a coragem. O Wellington me falou uma coisa que nunca vou esquecer: fácil era começar, difícil era continuar", lembra.

Mas o começo foi difícil. Apenas o Doutor Fuzil e o Doutor Saratudo visitavam a Santa Casa de Misericórdia e o Hospital Universitário (HU). "No dia da primeira visita eu fiquei me perguntando o que eu iria fazer. No início foi tudo uma descoberta, a gente foi descobrindo o que estávamos fazendo. Mas são em situações assim que damos valor à nossa vida, quando vemos pessoas em situações tristes, dentro de hospitais. A ideia é poder levar pra esses espaços o que não têm normalmente. A festividade, a alegria devem ir também para esses lugares mais frios. O hospital fica colorido, alegre, animado. Assim a gente consegue alterar a rotina dessas pessoas", comemora.

A ideia foi, aos poucos, dando certo. Um, dois, três, quatro... dezessete anos. Hoje, mais são mais de 30 voluntários, e nem todos são palhaços. Médicos, advogados, nutricionistas, estudantes... A lista de pessoas querendo ajudar os Médicos do Barulho é extensa. "Eu acho que tem mais gente de coração bom do que ruim no mundo. Se tivesse mais gente ruim, não conseguiríamos nem andar na rua. Na nossa campanha de brinquedo, conseguimos muita coisa com o Dia das Crianças. Hoje temos muitos voluntários, temos pessoas que não são palhaços, de diversas profissões, como estudantes de medicina, engenharia, direito, nutrição e pessoas formadas nestas profissões também. Gente que quer ajudar. A maioria não é palhaço. A criança pode ter medo de palhaço. Essas pessoas são monitores, brincam com os mais jovens e divertem os adultos. É isso que faz a diferença", comenta o Doutor Fuzil.

Hoje, o trabalho voluntário liderado por Amaury atende quatro hospitais de Juiz de Fora: Santa Casa, HU Santa Catarina, a Ascomcer e o Hospital Pronto Socorro (HPS), com dias definidos para casa visita. Embora tenha a vontade de trabalhar em mais locais, Fuzil sabe das dificuldades e vantagens de ser voluntário. "Tem momentos que não conseguimos as doações que precisamos. A manutenção do site ou despesas imprevistas, saem do bolso dos voluntários. O nosso maior patrocínio é Deus. São tantos trabalhos, tantas bençãos que não falta nada pra gente. Sempre temos dinheiro em nossa vida. Quando não conseguimos os valores mínimos, podemos tirar do nosso bolso. Nossas portas estão todas abertas. Sabemos disso. O retorno que temos é muito grande. Passamos a valorizar coisas simples do dia a dia, como andar, sentir gosto, cheiro... Uma vez estávamos fazendo uma dinâmica com um grupo e perguntei à um paciente o que ele queria ganhar e ele me respondeu: “faz um rim pra mim”. Às vezes as pessoas tem revolta pelo que aconteceu com eles", revela.

E quem pensa que isso vai desanimar Amaury, se engana. Ele sabe que tudo que é feito é por um bem maior. "A gente consegue alterar a rotina destas pessoas. Não substituímos os médicos, mas conseguimos alterar o ambiente hospitalar, fazê-las esquecer os problemas por alguns minutos. Elas se soltam. Os pacientes passam a se alimentar melhor, diminuem o uso de medicamentos. Pessoas felizes reagem melhor aos problemas do que uma negativa", diz.

A única lamentação é o fato da ONG Médicos do Barulho ainda não possuir sede própria, um dos maiores sonhos do Fuzil. Mas Amaury sabe que seu legado vai continuar. "Ainda vamos ter uma sede própria, para desenvolvermos outros projetos e que beneficiasse outras pessoas, principalmente depois que eu morresse. Não quero centralizar nada, tem que ter pessoas pra desenvolver o trabalho e dar sequência à ideia", concluí.

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