SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O sindicato dos servidores do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) encaminhou na segunda-feira (29) à Procuradoria Regional da República um pedido de investigação a possíveis práticas abusivas cometidas pelo presidente do órgão, Erick Alencar Figueiredo, e pelo ministro da Cidadania, Ronaldo Bento.

A denúncia refere-se a um estudo assinado por Figueiredo, no qual ele contesta pesquisas recentes que apontam o aumento no número de brasileiros em situação de insegurança alimentar ou com fome. O trabalho foi apresentado pelo presidente do instituto durante uma entrevista a jornalistas com o ministro Ronaldo Bento, no Planalto, no dia 17.

Para a Afipea (sindicato nacional e associação de servidores do órgão), a nota assinada pelo presidente do Ipea "desrespeita frontalmente os protocolos internos normatizados para a publicação de estudos e pesquisas conduzidos pelos servidores da casa."

O Ipea informou que não vai se manifestar e o Ministério da Cidadania não respondeu.

Como o jornal Folha de S.Paulo mostrou, os estudos conduzidos por pesquisadores do Ipea costumam ser colocados em discussão internamente antes da divulgação, em uma etapa de validação do conteúdo, procedimento que não teria ocorrido com o estudo de Figueiredo.

"Frise-se que a divulgação e publicização de pesquisas no Ipea está condicionada, em regra, à discussão, avaliação e aprovação prévia pelos pares, e a sua finalidade precípua é a preservação da qualidade e do rigor dos trabalhos divulgados", diz a entidade de servidores na denúncia encaminhada na segunda.

A associação também afirma no documento que entrevista coletiva de divulgação dos dados viola uma cartilha interna do Ipea, na qual constam recomendações de conduta para o período eleitoral.

"A utilização da instituição para a produção subliminar de propaganda governamental em período de defeso eleitoral configura explícito abuso de poder político, devendo ser coibida pelas autoridades eleitorais competentes", afirma a entidade.

Um dos argumentos do presidente do Ipea é que o aumento da fome deveria ter resultado em um "choque expressivo" no aumento de internações por doenças decorrentes da fome e da desnutrição, além de um número maior de nascimentos de crianças com baixo peso.

Em outro trecho do texto de 20 páginas, o presidente do órgão diz que, "se os dados divulgados estiverem mesmo corretos e a insegurança alimentar tiver crescido, ela parece não impactar os indicadores de saúde da população brasileira relacionados diretamente à má nutrição."

Ele atribui essa hipotética falta de impacto aos programas sociais existentes. "Nesse aspecto, merece destaque o avanço que o Programa Auxílio Brasil tem representado, expandindo o número de famílias beneficiárias em todas as regiões do país e aumentando o poder de compra do benefício em termos de cestas básicas", afirma.

As conclusões foram contestadas por pesquisadores, que consideram equivocadas as premissas do estudo. Um dos dados usados por Figueiredo foi o número de internações decorrentes da má alimentação. Esse indicador é falho, segundo estudiosos, pois nem sempre a desnutrição é o primeiro diagnóstico na admissão em hospitais, e porque ignora o efeito cumulativo da falta de alimentação sobre a saúde.

Dados desse estudo do Ipea vêm sendo usados por Jair Bolsonaro (PL) em sua campanha à reeleição. O presidente já disse por pelo menos duas vezes que não existe fome "pra valer" no Brasil.

O estudo de Figueiredo foi criticado pela coordenação-executiva da Rede Penssan, autora de um dos indicadores refutados pelo presidente do Ipea, o 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, feito pela Rede Penssan (Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional).

Executado pelo Instituto Vox Populi, o levantamento da Penssan mostra que 33 milhões de pessoas passam fome no Brasil atualmente, mais do que há 30 anos.

Figueiredo foi também coautor de um estudo divulgado em novembro de 2020 prevendo que a chance de uma segunda onda de Covid seria baixíssima, o que acabou sendo desmentido pelo crescimento do contágio por coronavírus. Na época do estudo, o país registrava cerca de 140 novos casos por dia, por milhão de habitantes; seis meses depois, no auge da segunda onda, passava de 250 novos casos diários.


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