SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O babalorixá e pesquisador Sidnei Nogueira diz que o corpo jurídico do Idafro (Instituto de Defesa dos Direitos das Religiões Afro-Brasileiras) acompanha de perto os desdobramentos de uma fala da primeira-dama Michelle Bolsonaro contrária a religiões de matriz africana. Uma representação junto ao Ministério Público Federal não é descartada pela entidade.
O líder religioso classifica o comportamento da esposa do presidente Jair Bolsonaro (PL) como irresponsável -e manifesta preocupação com a possibilidade de outras pessoas se sentirem motivadas a proferirem ataques da mesma natureza.
"É uma personalidade com prestígio, com legitimidade, com a voz expandida. Não é qualquer pessoa. É uma pessoa associada ao Poder Executivo", afirma Sidnei Nogueira. "É disso que se trata: uma atitude irresponsável", diz ele.
"[Os ataques vêm] sempre nesse lugar de perseguição, de muita raiva, de muito ódio. De pessoas que, em tese, deveriam promover a cultura da paz e contra o ódio", diz ainda.
Na segunda-feira (8), Michelle Bolsonaro compartilhou uma publicação que afirmava que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) "entregou sua alma para vencer essa eleição". O texto era acompanhado por um vídeo que exibia encontros do petista com lideranças de religiões de matriz africana.
"Isso pode, né! Eu falar de Deus, não!", escreveu Michelle ao compartilhar uma postagem da vereadora Sonaira Fernandes (Republicanos).
"Não lutamos contra a carne nem o sangue, mas contra os principados e potestades das trevas", dizia a parlamentar da cidade de São Paulo, que foi endossada por Michelle. "O cristão tem que ter a coragem de falar de política hoje, para não ser proibido de falar de Jesus amanhã", seguia.
O babalorixá Sidnei Nogueira lamenta que a primeira-dama tenha decidido promover a sua religiosidade por meio do antagonismo entre crenças. E diz que o Brasil sempre foi um país que conviveu com diversas religiosidades, que todas elas são aceitáveis e, em alguma medida, parte da identidade do país.
"Fico muito assustado. Nós sempre vimos esse lugar de primeira-dama ser utilizado para uma cultura de paz. Não estou falando de uma pessoa específica, mas de um lugar político", afirma Nogueira.
"A história mostra que essas mulheres importantes na política do Brasil promovem a cultura da paz, defendem a infância, a adolescência, a educação. E aí nós temos alguém subvertendo a semântica do lugar. Alguém que subverte por interesse próprio, individuais e pessoais", segue ele.
O líder religioso ainda diz não compreender as motivações para que a primeira-dama Michelle Bolsonaro promova um embate entre religiões diante das dificuldades enfrentadas pelo país atualmente.
"O Brasil tem passado por problemas seríssimos. Fome, Covid, mais de 600 mil mortes, família enlutadas, perseguição aos povos quilombolas e aos povos originários da floresta, hiperinflação... Os números são incontestáveis", diz ele.
Como antecipado pela coluna, na terça-feira (9) a Frente Inter-religiosa Dom Paulo Evaristo Arns por Justiça e Paz pediu que a primeira-dama se retratasse por falas recentes de caráter religioso.
Segundo a articulação, sua declarações ferem o Estado democrático de Direito, violam a legislação eleitoral e promovem a cultura do ódio por meio da "demonização do diferente".
Em um culto em Belo Horizonte no domingo (7), Michelle afirmou que e antes o Palácio do Planalto era "consagrado a demônios", mas hoje é "consagrado ao Senhor". Na ocasião, ela estava ao lado do presidente Jair Bolsonaro.
"O resultado dessas declarações não pode ser outro senão fomentar a desagregação da sociedade através do medo e colocar em risco a luta internacional de mais de um século por diálogo e cooperação inter-religiosa e ecumênica", afirmou a nota de repúdio da Frente Inter-religiosa.
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