BELO HORIZONTE, MG (FOLHAPRESS) - No livro "Ordem Mundial", Henry Kissinger, o decano da diplomacia americana, faz uma análise das origens da harmonia e da desordem internacional.
Ele afirma que jamais existiu uma ordem mundial que fosse verdadeiramente global. E que, durante grande parte da história da humanidade, cada civilização se via como o centro do mundo.
Kissinger, que hoje tem 99 anos, foi assessor de Segurança Nacional e secretário de Estado dos presidentes Richard Nixon (1969-1974) e Gerald Ford (1974-1977). Ele conta que a ideia do livro surgiu de uma conversa durante um jantar com um amigo. Ambos concluíram que a crise da definição de ordem mundial era, em última análise, o problema internacional da atualidade.
Ao longo dos nove capítulos, o decano desenha um panorama histórico de como o conceito evoluiu antes de abordar o atual desafio de construir uma ordem internacional em um mundo de perspectivas históricas divergentes, conflitos violentos e avanços tecnológicos.
A ordem que conhecemos hoje, defende a obra, foi concebida na Europa Ocidental há quase quatro séculos numa conferência de paz realizada na região alemã de Vestfália, sem o envolvimento ou sequer conhecimento da maioria dos outros continentes.
Tal ordem se baseava num sistema de Estados independentes que renunciavam à interferência nos assuntos internos uns dos outros e limitavam as respectivas ambições por meio de um equilíbrio geral de poder. Esse ordenamento surgiu da necessidade de paz depois que os europeus viram um quarto de sua população dizimada durante a Guerra dos 30 Anos (1618-1648).
O conceito vestfaliano deixou de existir em 1914 com a eclosão da Primeira Guerra Mundial. O conflito durou até 1918 e, nos anos seguintes, houve uma tentativa de retorno ao equilíbrio de poder por meio da Liga das Nações, o que não foi capaz de impedir a Segunda Guerra Mundial. Só após 1945, outra vez se estabeleceu um equilíbrio de poder, com a criação da ONU (Organização das Nações Unidas).
Kissinger ressalta que as diferenças entre os enfoques ocidentais e não ocidentais sobre a ordem mundial se intensificaram ao longo da história.
Em algumas civilizações contemporâneas, os princípios são definidos por convicções religiosas, psicológicas ou filosóficas.
Ele alerta que a ordem mundial proclamada como universal pelos países ocidentais se encontra hoje novamente em um momento crítico. Para ele, conceitos como democracia, direitos humanos e internacional recebem interpretações tão divergentes que as partes em guerra regularmente "os invocam uns contra os outros como seus gritos de batalha".
O autor pontua que nenhum país desempenhou papel tão decisivo na formação da ordem mundial contemporânea como os EUA, nem manifestou tamanha ambivalência a respeito de sua participação no processo. O país exerceu influência fundamental em importantes episódios da história, ao mesmo tempo que negava qualquer motivação associada ao interesse nacional.
O autor destaca ainda que enquanto a economia se globaliza, a política segue aprisionada pelas fronteiras nacionais e que esta seria a causa das crises vividas na América Latina (anos 80); Ásia (1997); Rússia (1998); EUA (2001 e 2007); Europa (desde 2010).
Para o autor, um dos mais polêmicos ganhadores do Prêmio Nobel da Paz, em 1973, pela negociação de acordos de cessar-fogo na Guerra do Vietnã (1959-1975), cada era tem seu tema central recorrente. No período medieval, era a religião; no Iluminismo, era a razão, no século 19 e 20, foi o nacionalismo.
Hoje, a ciência e a tecnologia são os conceitos que servem de guia para a nossa era, já que proporcionaram avanços sem precedentes para o bem-estar humano. No entanto, ele destaca que elas produziram, por outro lado, armas capazes de destruir a humanidade.
Na visão de Kissinger, o que há de novo é o ritmo da mudança proporcionado pelo poder dos computadores e a expansão da tecnologia da informação para todas as esferas da existência.
Antes da era da informática, o poderio das nações poderia ser medido por meio de uma combinação de efetivos humanos, equipamentos, geografia, economia e moral. As hostilidades eram desencadeadas, de certa forma, por acontecimentos definidos.
Agora, um computador pode produzir um fato de consequências globais. Um agente solitário pode conseguir através do ciberespaço desativar ou potencialmente destruir infraestruturas vitais.
Na visão do autor, será necessária a existência de uma estrutura em que se organize o ambiente informático global.
"Caso não sejam articuladas algumas regras de conduta internacional, uma crise acabará por surgir a partir da própria dinâmica interna do sistema", diz o autor.
Em uma obra com mais perguntas que propostas para o futuro, Kissinger considera que a reconstrução do sistema internacional é o maior desafio atual dos estadistas.
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ORDEM MUNDIAL
Henry Kissinger (Objetiva, 432 págs., R$ 79,70)
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