BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Sem espaço para abrigar as principais promessas eleitorais dos candidatos à Presidência da República, a proposta de Orçamento de 2023 carrega desafios fiscais e políticos que vão além da trinca Auxílio Brasil, reajuste para servidores e correção da tabela do Imposto de Renda.
Os três temas predominam no debate econômico e eleitoral diante da pobreza e da inflação elevada --que achata os salários tanto do funcionalismo como dos trabalhadores da iniciativa privada.
Só para assegurar a continuidade do aumento de R$ 400 para R$ 600 no piso do Auxílio Brasil, são necessários mais R$ 52,5 bilhões. Alguns candidatos prometem um valor ainda maior. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fala em pagar um adicional de R$ 150 a cada criança de até seis anos. Já o ex-ministro Ciro Gomes (PDT) promete um benefício mínimo de R$ 1.000.
A reserva de R$ 11,6 bilhões para ampliar salários de servidores do Executivo garante um reajuste de ao menos 4,85%, percentual distante das reivindicações das carreiras, que buscam algo entre 20% e 30% para repor perdas passadas.
A correção da tabela do IR, por sua vez, não tem impacto na despesa, mas pode drenar ao menos R$ 17 bilhões em receitas, a depender da magnitude da mudança.
No entanto, esses não são os únicos desafios a serem enfrentados pelo presidente eleito e pelo Congresso, que terá menos de três meses para reformular e votar a peça orçamentária.
O relator-geral, senador Marcelo Castro (MDB-PI), afirma que em setembro muitos parlamentares ainda estarão focados em suas campanhas, mas os debates podem avançar a partir de outubro. "Dá tempo. O que precisa é fazer as coisas de maneira razoável e transparente", diz.
Se por um lado a desaceleração da inflação até o fim do ano deve proporcionar alívio no bolso das famílias, por outro ela deve diminuir a correção do teto de gastos, regra que limita o avanço das despesas à inflação.
Embora tanto o presidente Jair Bolsonaro (PL) quanto Lula, seu principal adversário na corrida eleitoral, acenem com mudanças futuras no teto, o limite ainda está em vigor e tem sido o ponto de partida do debate sobre o espaço adicional necessário para acomodar as despesas em 2023.
No cenário atual, especialistas calculam que a desaceleração da inflação até o fim do ano pode significar um corte adicional de até R$ 15 bilhões nas despesas discricionárias do Poder Executivo, que bancam o funcionamento dos órgãos e os investimentos. Elas já estão em patamar historicamente baixo (R$ 83,1 bilhões), e uma nova redução poderia levar a um apagão no governo.
O Orçamento foi enviado ao Congresso tendo como premissa um IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) de 7,2%. Só que a expectativa de mercado já vem sendo menor -6,7%, segundo o boletim Focus divulgado no fim de agosto.
Com esses parâmetros, o gasto discricionário teria um achatamento de R$ 8 bilhões, segundo as contas do economista Marcos Mendes, pesquisador associado do Insper.
Na semana passada, a Petrobras anunciou um novo corte na gasolina, comemorado pelo governo, mas que deflagrou uma nova rodada de ajustes nas projeções de inflação -indicando uma correção ainda maior do teto de gastos.
A ASA Investments revisou sua estimativa para o IPCA no ano para 6%. Ainda que a inflação menor também atenue o crescimento dos gastos com benefícios previdenciários e assistenciais, a alteração provoca um corte líquido de R$ 15 bilhões nas discricionárias, calcula o economista Jeferson Bittencourt, ex-secretário do Tesouro Nacional.
A compressão das despesas de custeio e investimentos a níveis insustentáveis tende a ampliar a pressão por uma recomposição desses gastos na tramitação do Orçamento. Na prática, isso deve elevar a fatura do "waiver", uma licença para gastar além do teto, tida como necessária para o próximo presidente conseguir atravessar o ano de 2023 enquanto se discute um ajuste estrutural nas regras fiscais.
Em uma primeira análise do Orçamento, Mendes estima que o aumento no teto de gastos para o ano que vem será de no mínimo R$ 87 bilhões (o equivalente a 0,9% do PIB). O cálculo foi feito considerando o corte menor nas discricionárias e uma fatura extra de R$ 51 bilhões com o Auxílio Brasil.
O pesquisador do Insper também incluiu na conta R$ 3 bilhões da Lei Aldir Blanc, de repasses ao setor cultural, e R$ 6 bilhões em gastos do FNDCT (Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), na expectativa de que o adiamento e a limitação dessas despesas sejam revertidos.
O economista ainda prevê um gasto adicional de R$ 10 bilhões com a aceleração nas concessões de benefícios do INSS, mediante redução da fila, e outros R$ 10 bilhões para recompor despesas obrigatórias que o governo só conseguiu atender porque recorreu a emendas parlamentares -cuja indicação depende da vontade dos congressistas e pode ser diferente da sugerida.
A conta pode ser ainda maior. No Boletim Macro da FGV (Fundação Getulio Vargas), os economistas Manoel Pires, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, e Bráulio Borges, economista sênior na LCA, estimam que a ampliação das despesas deve ultrapassar os R$ 120 bilhões (1,2% do PIB).
O tamanho da licença para gastos extras em 2023 é, para o mercado financeiro, uma das grandes incógnitas do Orçamento. "A magnitude da despesa do Auxílio Brasil é muito grande, e apesar disso o 'waiver' não pode ser um trem da alegria para atender a todos os anseios por mais despesas, sob pena de minar a credibilidade da trajetória fiscal já no início do governo", diz Bittencourt.
O economista também alerta para o risco político de uma fatura excessivamente elevada. O governo enviou a proposta de Orçamento com um rombo de R$ 89,2 bilhões na chamada regra de ouro, que impede a emissão de dívida para bancar despesas correntes (como salários e benefícios).
Desde que o Brasil passou a ter problemas para cumprir a norma, o Congresso ganhou um poderoso instrumento de barganha, pois a única possibilidade de superar o problema é a aprovação de uma autorização especial pelo Legislativo. Sem esse aval, o governo fica sem dinheiro para pagar aposentados e servidores, uma situação catastrófica do ponto de vista econômico e político.
"Ter um tema em que o Congresso tem um poder de barganha tão grande é uma fragilidade. E o efeito colateral de um 'waiver' muito grande é que o novo governo pode começar o ano nas mãos do Congresso", diz Bittencourt.
ESPECIALISTAS QUESTIONAM OTIMISMO
As premissas do governo sobre a conjuntura econômica usadas no projeto de Orçamento para 2023 também têm sido questionadas.
A economista Vilma Pinto, diretora da IFI (Instituição Fiscal Independente), vinculada ao Senado, destaca o otimismo do governo em relação ao vigor da economia no próximo ano, observado no descolamento entre as projeções do Ministério da Economia e do mercado financeiro para o PIB de 2023.
A pasta trabalha com um crescimento de 2,5% para o ano que vem, enquanto o consenso dos economistas da iniciativa privada prevê expansão de 0,37%. A IFI, por sua vez, projeta alta de 0,6%.
"Tenho uma certa dificuldade para entender esse cenário de crescimento de 2,5% sem levar em consideração o efeito de uma prorrogação do benefício [Auxílio Brasil], que aumenta a renda das famílias e o consumo, podendo gerar mais PIB no curto prazo", diz.
A especialista destaca que a previsão de crescimento "muito otimista" se reflete na projeção de receitas para o próximo ano e que isso, de certa forma, pode compensar a manutenção de benefícios fiscais que seriam válidos até o fim deste ano -o principal deles a desoneração de tributos sobre combustíveis, ao custo de R$ 52,9 bilhões.
"Uma maior projeção de receita pode estar compensando o conservadorismo do governo quando leva em consideração a manutenção dos benefícios fiscais para o ano seguinte", afirma Pinto.
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