BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) - O argentino Federico Loyola, 32, tenta comprar um carro zero-quilômetro desde março. "Falo com concessionárias, importadores, fui até outras províncias, não há. Quando aparece é um ou outro, não consigo escolher a cor ou o modelo. Quando me decido por um carro de fabricação nacional, te dão uma data estimada para a entrega, mas que nunca é a correta, porque faltam autopeças [que são importadas] no país para terminá-lo. Já me conformei que neste ano não vai dar para trocar de carro", afirma à Folha de S.Paulo.
Com a escassez de dólares, as restrições para a importação definidas pelo governo para tentar conter a saída de capitais e os altos preços causados pela inflação, os argentinos estão ficando sem acesso a vários bens importados ou que sejam fabricados com insumos de outros países. Há também os que acabam se rendendo a um mercado paralelo, que sempre se fortalece nesses períodos.
A constante desvalorização da moeda e uma inflação excessiva, projetada em 90% para este ano, fizeram o preço dos importados dispararem.
A reportagem da Folha tentou comprar um computador novo em uma loja autorizada da Apple. O vendedor, incrédulo, perguntou: "Mas a senhora não conhece ninguém que vá viajar e possa comprar no exterior, não pode comprar em outro país?".
Os clientes costumam ir até a loja apenas para olhar os modelos, expostos na vitrine, para então decidir qual comprar no exterior, explicou. "Aqui não vale a pena mesmo", insistiu.
Havia apenas duas unidades no estoque do modelo procurado pela reportagem. Uma delas era de pelo menos quatro gerações anteriores e custava o triplo do que se comprasse a versão atualizada no Brasil ou no Chile.
"Mas, então, o que as pessoas compram aqui?". O comerciante, inabalável, respondeu: "fones de ouvido, acessórios, e vêm perguntar se nós conhecemos alguém que faça um 'esquema' [trazer de modo clandestino]".
Se há pirataria de dinheiro, como não haver de gadgets e computadores? Havia um número de WhatsApp para quem seria preciso só mandar uma mensagem e marcar um dia para dar um valor em dólares -igual ao que se pagaria nos EUA hoje, e o produto seria entregue um mês depois.
Há casos de importados que ainda estão disponíveis no país, mas seu preço não pode ser garantido por mais de 24 horas. Na mesma ocasião, a reportagem decidiu apenas trocar a bateria do computador. "Isso sim, temos, custa 80 mil pesos hoje". O preço só seria garantido naquele dia mesmo. "Amanhã já muda o valor porque depende do dólar paralelo". O mesmo ocorre com produtos de beleza, malas, ou qualquer item que envolva um material importado.
As restrições de compra não se limitam a itens que podem ser considerados luxuosos, como uísque escocês, salmão ou computadores caros.
O produtor e vendedor de alfajores Daniel Morales, de Salta, pediu desculpas em suas redes sociais após ter ficado um tempo sem distribuir seus tradicionais alfajores porque faltavam os papéis de embrulho e o material para enviá-los a outros locais. "Falta até papel e tinta para as etiquetas. Fizemos tudo à mão, improvisamos a embalagem, e agora estamos mandando nosso alfajor para todo o país, mas fico triste, porque perdeu um pouco de sua identidade." Morales incluiu em cada pacote uma carta pedindo desculpas pela queda na qualidade do produto.
Até o café sente o baque do momento econômico argentino. "Quer algo mais porteño do que ir a uma confiteria e pedir um café? Até isso está em risco, pois não temos como garantir café depois de setembro, quando termina nosso estoque", disse Gerardo Biaggi, gerente da casa do Café Martínez no bairro de Belgrano.
E os que pensam que o vinho argentino ficará mais barato depois de tantas desvalorizações poderão até contar com um alívio no preço, mas deverão se preparar para uma apresentação "artesanal", pois podem faltar caixas de papelão importadas para embalá-lo e até o plástico bolha. "É comum me perguntarem se eu mando pros EUA o vinho comprado aqui. Mas eu explico para o cliente estrangeiro os macetes para que ele leve na sua própria mala sem chamar a atenção, pois sai menos que o triplo do preço que se eu for colocar no correio", diz Álvaro Pruat, de uma exportadora de vinhos argentinos.
A distância entre o valor da moeda norte-americana na cotação oficial (145 pesos) e da cotação paralela, conhecida como "blue" (295 pesos), faz com que preços sejam remarcados constantemente.
As importações para a Argentina são feitas no câmbio oficial, por meio de cotas de moeda atribuídas pelo Banco Central às empresas, com base nas compras faturadas em anos anteriores.
Com esse mecanismo em vigor e o aumento dos preços internacionais dos produtos, os importadores têm que reduzir seus volumes de compra.
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