SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Processos antigos e em papel, ações com muitos participantes, credores que já morreram e uma sucessão de questões jurídicas e técnicas podem transformar o pagamento de um precatório estadual ou municipal em uma via-crúcis.

A demora criou uma espécie de fila interna no TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo), que atualmente chega a dois anos, segundo advogados, exceto nos casos em que há prioridade (idosos e pessoas com doenças graves, por exemplo).

Cerca de R$ 4 bilhões estariam parados em meio a trâmites burocráticos, estimam os advogados.

Pelo menos R$ 1,8 bilhão já liberado pela Depre (Diretoria de Execuções de Precatórios e Cálculos) para a Upefaz (Unidade de Processamento das Execuções Contra a Fazenda Pública), que processa os precatórios do município de São Paulo, estão parados aguardando providências das partes, segundo o TJ-SP, para que possam ser levantados, termo dado à fase final do pagamento.

Essa espera levou entidades ligadas à advocacia a divulgarem uma nota pedindo melhores condições na execução dos pagamentos. No documento, afirmam que milhares são prejudicados pela imprevisibilidade dos prazos.

Assinam a nota AASP (Associação dos Advogados de São Paulo), Cesa (Centro de Estudos das Sociedades de Advogados), IASP (Instituto dos Advogados de São Paulo), MDA (Movimento de Defesa da Advocacia) e OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo).

O problema, que já se arrastava há alguns anos, piorou durante a pandemia. Enquanto o TJ-SP ficou em trabalho remoto, os procedimentos finais de verificação ficaram parados, diz Felippo Scolari, presidente da Comissão de Precatórios da OAB-SP.

O TJ-SP diz que as checagens são fundamentais para garantir que os pagamentos cheguem aos destinatários corretos. Isso é feito na vara de origem do processo, após o repasse pela Depre, ou, nos casos em que o credor é a Prefeitura de São Paulo, na Upefaz.

"Muitos pagamentos atrasados são de processos antigos, nos quais era expedido apenas um precatório com muitos credores. Como são antigos, acontece muita coisa. Uma parte que falece, alguém que cede uma parte, pode ter uma penhora. Tudo isso é relativamente simples, mas fica um gerenciamento muito complicado", diz o juiz Fernão Borba Franco, coordenador-adjunto da Depre.

A espera até o levantamento do dinheiro varia de acordo com o nível de complicação. "É um trabalho grande e demorado, muitos processos ainda estavam em papel e envolvem muitos volumes", afirma Franco. O TJ espera finalizar a digitação de seus processos até o fim deste ano.

Na avaliação de Franco, porém, a espera pela liberação dos precatórios não piorou. "Esse ano teve um volume muito grande de levantamentos e depósitos e isso pode ter dado a impressão de atraso."

Os precatórios executados pelo TJ-SP são dívidas de órgãos públicos, como governo de São Paulo, prefeituras, fundações e universidades, com cidadãos que venceram ações judiciais. São, em geral, pagamentos determinados em processos por reajustes salariais, incorporações de bônus, ajustes em aposentadorias ou indenizações por desapropriações, por exemplo.

Para quem é credor do estado, do município ou de alguma entidade, essa fila interna é um segundo calvário, depois de já ter esperado anos pela habilitação. Atualmente, o governo de São Paulo está pagando precatórios de 2008; na prefeitura da capital paulista, eles são de 2006. Os entes dedicam, anualmente, 1,5% da receita corrente líquida a esses pagamentos.

Na nota divulgada pelas entidades, os advogados cobram a adoção de procedimentos que deem mais previsibilidade aos pagamentos e reduzam os prazos de recebimento. Enquanto o credor espera, o dinheiro é corrigido até a data final do pagamento.

Franco, da Depre, diz que o TJ-SP está trabalhando para melhorar o processamento desses precatórios. A prioridade, segundo ele, é resolver antes os pagamentos atrasados e encurtar a espera entre o depósito e o levantamento.

Ao mesmo tempo, começa a trabalhar na integração dos sistemas de execução e pagamento, o que permitirá manter os valores atualizados e tratar individualmente cada credor. Com isso, a Diretoria de Precatórios espera "isolar" casos mais complicados.

Na prática, em um processo com muitos credores, o tribunal poderá liberar os valores daqueles com a habilitação confirmada e segurar apenas os casos sobre os quais há dúvidas. Estão previstos também convênios com cartórios para que a confirmação de óbitos possa ser feita dentro do próprio sistema.

Quando estiver plenamente funcionando, o novo sistema deverá permitir, na maior parte dos casos, segundo Franco, que a liberação dos valores seja praticamente imediata -ou "em questão de dias".

O Judiciário começou a implantar esse modelo de pagamento direto com os credores que fecharam acordos com a Fazenda do Estado ainda no ano passado. Em agosto, fez os primeiros pagamentos de acordos com as prefeituras da capital e com municípios do interior. Nesses acordos, os credores abrem mão de 40% do valor atualizado para antecipar o pagamento.

Esse sistema de pagamento direto deve ser expandido gradualmente, até que chegue a todas as 949 entidades devedoras de São Paulo. A expectativa é que esteja 100% pronto até o fim de 2023.

Para a OAB-SP, é necessário que o cronograma seja acelerado. Scolari, da Comissão de Precatórios, diz que a demora nos pagamentos aumenta o risco de os credores caírem em golpes ou optarem pela venda de suas dívidas por valores muito inferiores em comparação ao que têm direito.

"Temos duas situações. A primeira demora, que é a do Poder Público, que sempre posterga esses pagamentos. Depois que ele paga, cabe ao TJ localizar os credores e tratar as pendências", diz Scolari.

Desde janeiro deste ano, a Depre liberou R$ 8 bilhões para o pagamento de 27.415 precatórios. Já a Upefaz expediu 20.264 mandados de levantamento, que viabilizaram o saque de R$ 2,7 bilhões em processos da capital, segundo o TJ-SP.

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EMENDAS CONSTITUCIONAIS SOBRE PRECATÓRIOS

- A primeira moratória no estado e município foi em 1988, que parcelou a dívida em oito anos

- EC 30, em 2000, jogou o pagamento dos precatórios não alimentares para dez anos

- EC 62, em 2009, conhecida como "emenda do calote", criou um regime especial de pagamentos, obrigou estados e municípios a reservar percentual da receita corrente líquida para essas dívidas e deu 15 anos para o pagamento (até 2024)

- EC 94/2016 definiu que poderiam ser pagos até 2020 os precatórios pendentes até 25 de março de 2015 e os que venceriam até 31 de dezembro de 2020

- EC 99/2017 prorrogou até 2024 e criou possibilidade de pessoas da lista de prioridade anteciparem parte do crédito

- EC 109/2021 jogou o pagamento dos precatórios dos estados e municípios para 2029


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