BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - A proposta do Ministério da Economia para reformular o teto de gastos pretende autorizar o crescimento real das despesas (acima da inflação) de forma permanente e atrelada ao crescimento do PIB (Produto Interno Bruto). A magnitude do aumento, porém, vai depender do nível de endividamento público.

A regra também prevê que, em momentos de recessão econômica, o tamanho da queda do PIB serviria de referência para autorizar um gasto extrateto temporário para amenizar os efeitos negativos sobre a economia.

O desenho preliminar, até então inédito, foi detalhado nesta sexta-feira (16) pelo chefe da Assessoria Especial de Estudos Econômicos da pasta, Rogério Boueri, em debate promovido pela UnB (Universidade de Brasília). A reportagem acompanhou a apresentação.

Os parâmetros usados na proposta indicam que o governo teria uma expansão imediata em seu espaço para gastar em 2023 ?como pretendem o presidente Jair Bolsonaro (PL) e o ministro Paulo Guedes (Economia).

Segundo técnicos ouvidos pela reportagem, essa é uma proposta diferente da que vem sendo elaborada pelo Tesouro Nacional, órgão também ligado ao Ministério da Economia. O desenho do Tesouro, porém, não resultaria em espaço extra imediato para gastos em 2023.

Dessa forma, os estudos da Assessoria Especial estariam mais alinhados aos objetivos de Guedes e da ala política do governo. Bolsonaro tem sofrido forte pressão após enviar uma proposta de Orçamento para 2023 deixando de prever uma série de despesas, como a verba necessária para pagar o Auxílio Brasil mínimo de R$ 600 prometido em sua campanha, dada a restrição do desenho atual do teto ?corrigido apenas pela inflação do ano anterior.

Também tiveram forte repercussão negativa os cortes drásticos em recursos de programas como Farmácia Popular, Mais Médicos e para bancar o funcionamento dos centros de assistência que operacionalizam os cadastros sociais.

Guedes e Bolsonaro têm prometido recompor essas despesas. As campanhas adversárias, por sua vez, têm usado os cortes como fator de desgaste contra o presidente e mencionam a necessidade de uma flexibilização das regras fiscais em 2023 para evitar problemas sociais.

A proposta apresentada nesta sexta ainda pode sofrer modificações, uma vez que sua viabilidade está sendo "testada" pelos integrantes do Ministério da Economia.

Segundo a apresentação de Boueri, caso a dívida bruta esteja abaixo de 60% do PIB, a ampliação do teto seria inflação mais a variação do PIB do ano anterior, descontado 1 ponto percentual. Por exemplo, se o crescimento da economia fosse de 3% no ano, o teto teria uma expansão real de 2% no exercício seguinte.

Numa situação de dívida bruta entre 60% e 80% do PIB, a regra seria mais rígida: o limite de despesas seria corrigido pela inflação, acrescido de um valor equivalente à variação do PIB do ano anterior menos 2 pontos percentuais. Na prática, portanto, a expansão real do teto só ocorreria com crescimento da economia superior a 2%.

Em julho, a dívida bruta representou 77,6% do PIB, o que indica que a segunda regra seria aplicada ao Orçamento no ano que vem. Como o próprio governo projeta um avanço de 2,7% na atividade neste ano (acima do gatilho de 2% estipulado), o novo teto, se aprovado, permitiria uma expansão equivalente a 0,7% do PIB em 2023.

Caso a dívida ultrapasse 80% do PIB, o gatilho que permite crescimento de despesas acima da inflação seria suspenso, e o limite de gastos seria corrigido apenas pela variação de preços (como funciona o teto hoje).

Em um quadro de recessão, o governo poderá ampliar as despesas de forma temporária, fora do teto, independentemente do nível de endividamento.

A ideia é que a licença para gastar seja equivalente ao tamanho da recessão: se a queda no PIB for de 1%, por exemplo, a válvula extrateto também será de 1% do PIB. Segundo Boueri, uma sequência de dois trimestres negativos (configurando a chamada recessão técnica) já seria suficiente para autorizar a abertura de um crédito extraordinário.

O governo também poderia acionar uma espécie de cláusula de escape caso consiga avançar em privatizações, concessões ou reformas. A nova regra autoriza um gasto extra no valor equivalente a 50% do dinheiro arrecadado com a desestatização ou da economia obtida com as medidas.

Esse aumento do teto seria temporário e parcelado, num prazo que poderia ser de cinco anos, por exemplo. Desse montante, metade seria destinado a transferências de renda, e o restante para investimentos. Os outros 50% abateriam dívida pública.

Qualquer espaço resultante da expansão do teto acima da inflação, de forma temporária ou permanente, só poderia ser destinado a gastos discricionários, ou seja, investimentos, custeio da máquina pública ou "dividendos sociais" (uma espécie de bônus temporário para famílias de baixa renda). O uso para criação de despesas permanentes, como aumentos salariais ou criação de novos benefícios continuados, seria vedado.

As mudanças permitiriam ao governo desafogar áreas hoje bastante comprimidas, ao mesmo tempo em que asseguraria uma flexibilização gradual do Orçamento, à medida que os gastos discricionários (que bancam custeio e investimentos) respondessem por uma fatia maior. Na proposta atual para 2023, as despesas obrigatórias respondem por 93,7%.

"A proposta aumenta a fatia de gastos desvinculados, para dar tempo de fazer as reformas necessárias", afirmou Boueri.

A proposta, segundo o assessor, é uma tentativa de ampliar as possibilidades de flexibilização do teto, mas com "regras claras" e de forma organizada. "O que estamos pensando são cláusulas de escape para gastos extrateto que não sejam tão discricionárias", disse o assessor especial, em referência às pressões políticas que se avolumam de tempos em tempos para uma expansão de gastos, tirando a previsibilidade e a credibilidade da política fiscal.

Desde 2021, já foram promulgadas quatro alterações constitucionais para criar espaço no Orçamento para medidas com apelo popular, como a ampliação do Auxílio Brasil e a criação de benefícios temporários para taxistas e caminhoneiros. A mais recente foi aprovada às vésperas da campanha eleitoral. O saldo dessas medidas beira os R$ 200 bilhões em despesas adicionais nos dois anos.

Boueri disse ainda que o desenho está sendo elaborado a partir de um diagnóstico de que a regra atual não possui um mecanismo contracíclico (que atenue os efeitos de uma recessão econômica, por exemplo). Essa visão foi questionada pelo economista Marcos Mendes, pesquisador do Insper, colunista da Folha e um dos criadores do teto de gastos.

Presente no evento da UnB, Mendes afirmou que a possibilidade de editar créditos extraordinários em situações imprevistas ou de calamidade, permitindo gastos fora do teto, já funciona como um componente anticíclico.

Outro problema citado por Boueri foi a queda da relação dos gastos como proporção do PIB, que ocorre em ritmo mais veloz do que a capacidade do governo de aprovar medidas de ajuste no Congresso Nacional. "Reformamos, mas não na velocidade requerida para enquadrar os gastos sem subterfúgios", afirmou.

"Se dependesse de mim, a gente seguraria o teto atual. A sugestão aqui é simplesmente porque dificilmente ele vai se manter, e dependendo do que a gente faça, ele vai implodir, vai vir um 'waiver' [autorização temporária para gasto] e pronto" disse o assessor. Na avaliação dele, a proposta preserva elementos do teto de gastos original, que já não tem mais "condições políticas" de ser mantido.

Ao comentar a apresentação, Mendes manifestou preocupação com o risco de o desenho resultar numa expansão simples do teto de gastos, sem revisão de despesas que já existem e são consideradas ineficientes. "Não digo que [o desenho] não se sustenta, mas podemos estar indo para um novo problema fiscal grave", disse.

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A PROPOSTA DE NOVO TETO DE GASTOS

Desenho da nova regra fiscal em elaboração pelo Ministério da Economia permite expansão temporária e permanente de gastos, segundo regras específicas para cada caso.

Crescimento anual permanente

- Se dívida bruta estiver abaixo de 60% do PIB: correção do teto por inflação + variação do PIB menos 1 ponto porcentual. Exemplo: nesse nível de dívida, com crescimento de 3%, teto teria expansão de 2% acima da inflação.

- Se dívida bruta estiver entre 60% e 80% do PIB: correção do teto por inflação + variação do PIB menos 2 pontos porcentuais. Na prática, teto só teria expansão real se crescimento fosse de ao menos 2%.

- Se dívida bruta estiver acima de 80% do PIB: correção do teto apenas pela inflação.

Crescimento temporário

- Em períodos de recessão: governo pode ampliar despesas de forma temporária, fora do teto, independentemente do nível de endividamento. Ideia é que tamanho do gasto extra autorizado seja equivalente à queda do PIB. Por exemplo, se o recuo for de 1%, a válvula extrateto também será de 1% do PIB. Uma sequência de dois trimestres negativos (configurando a chamada recessão técnica) já seria suficiente para autorizar a abertura de um crédito extraordinário. Neste caso, o crédito seria equivalente à média das quedas trimestrais.

- Em caso de privatizações, concessões ou aprovação de reformas: 50% do ganho com as medidas poderia ser revertido para o aumento, temporário e parcelado ao longo de cinco anos, de gastos com investimentos e transferências de renda. Outros 50% abateriam dívida pública.

Demais detalhes da proposta

- A expansão adicional do teto, com base do PIB, será feita após apuração do PIB anual pelo IBGE, entre o fim de fevereiro e o início de março do ano seguinte ao de apuração. Dessa forma, o governo encaminharia em março uma proposta de modificação no Orçamento para incorporar o espaço extra.

- A folga decorrente da expansão do teto acima da inflação, temporária ou permanente, só pode ser usada para gastos discricionários. É vedado o uso para bancar despesas permanentes, como reajustes salariais ou criação de novos benefícios duradouros.


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