SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Basta começar a digitar "BMW South Korea" no buscador do Google para aparecer o complemento "heated seats" (bancos aquecidos, em inglês). O motivo é o plano inusitado feito pela montadora na Coreia do Sul: quem quiser assentos que fiquem quentinhos pode contratar um programa de assinatura para esse opcional.
No entanto, não é necessário ir à concessionária para instalar o equipamento. O sistema já está instalado no carro, mas é necessário fazer o desbloqueio remoto de sua função. O acionamento é feito por meio da ConnectedDrive Store, loja virtual da marca. Custa aproximadamente R$ 100 por mês.
Embora restrita a um mercado específico, a ideia tem gerado discussões acerca dos limites éticos da monetização de serviços e sobre o quanto os carros estão sujeitos a interferências externas.
"Cobrar para utilizar como serviço o que já foi pago como produto, no caso dos opcionais, pode trazer grande insatisfação aos consumidores. Também vejo que atitudes como essa podem abrir um novo mercado, que será o de desbloqueio pirata dessas funcionalidades", diz Guilherme Petersen, CEO da Ticto, plataforma de negócios digitais.
Petersen afirma que um modelo que tende a funcionar bem é o de assinatura de serviços, como de locação do automóvel ou de fidelidade aos programas de manutenção, "que não deixam de ser uma forma de receita recorrente para as montadoras".
Segundo a diretoria de comunicação da BMW, não há nenhum plano de cobrar pela ativação do sistema de aquecimento dos bancos de seus carros no Brasil.
"Oferecemos a máxima flexibilidade e tranquilidade aos nossos clientes na hora de escolher e utilizar os equipamentos opcionais nos seus BMW, quer sejam novos ou usados", diz o comunicado enviado pela montadora.
Para Pablo Lima, responsável pela área de Marketing da ISG (holding de tecnologia e inovação), as montadoras vivem um momento de adequação do modelo de negócio tradicional a uma nova forma de se relacionar com o consumidor.
"Toda inovação passa por questionamentos e dilemas éticos, é a sociedade se adaptando a novos contextos", diz Lima. "Por outro lado, com a oferta de serviços por assinatura, novas preocupações surgirão, como a privacidade e a integridade dos dados pessoais."
Wally Niz, Diretor da Navita, empresa de tecnologia cujo um dos focos é a redução de custos com TI, explica que a liberação de funcionalidades de acordo com a necessidade do cliente é comum no mundo dos softwares.
"Isso é conhecido no marketing como 'upsell', em que se vende o produto básico e depois a empresa vai liberando novas funcionalidades. Isso agora está indo para o mundo físico, e parece bem interessante. Porém é algo que pode gerar alguns conflitos."
Gustavo Carriconde, CEO da aceleradora de startups Gutenberg Ventures, lembra que pagamentos de mensalidade por itens opcionais em automóveis não são uma novidade, mas agora estão ocupando uma posição central no negócio. Há, contudo, pontos questionáveis.
"Ter de pagar por aquilo que sempre foi gratuito pode provocar a sensação de estar sendo enganado. E seria ético, por exemplo, cobrar por um sistema de frenagem que pode salvar as vidas de pedestres distraídos?", afirma Carriconde.
"Quem compra um carro é proprietário de tudo o que está nele, e uma utilização ética da [ativação de equipamentos] poderia ser no caso de um segundo ou terceiro proprietário poder adquirir algo que o primeiro não quis comprar."
O CEO da Gutenberg Ventures diz ainda que a chegada de novas fabricantes, como a Tesla, tem levado à perda de participação de marcas mais antigas, o que força a busca por soluções que melhorem a rentabilidade. Mas nem a empresa de Elon Musk escapa dos questionamentos gerados pela conectividade.
Há um ano, a montadora americana de carros elétricos fez um acordo com proprietários do sedã Model S. Os consumidores alegaram ter perdido autonomia após uma atualização do software do carro.
A Tesla admitiu o problema e pagou o equivalente a R$ 3.300 a cada um dos 1.700 clientes que se sentiram lesados. Seus carros estão permanentemente conectados à internet, sendo possível fazer atualizações automáticas de seus sistemas.
O acesso à distância já trouxe problemas a motoristas no Brasil. Em janeiro, o Hyundai Creta da empresária Louise Moura Cruz parou de funcionar na rodovia PE-016, em Recife. O carro pertence à locadora Movida, que teria desligado o motor remotamente com o veículo em movimento.
O motivo seria o atraso das mensalidades do plano de assinatura do automóvel. A empresária explicou que o problema ocorreu devido à falha no processamento dos pagamentos. Ela afirmou ter recebido mensagens de cobrança de faturas que já haviam sido quitadas.
Em nota divulgada na época do problema, a Movida disse que, imediatamente, enviou o caso à prestadora de serviços responsável pelo monitoramento.
"O sistema de bloqueio não é acionado, em nenhuma hipótese, com o carro em movimento. A empresa se mantém à disposição para regularização dos débitos pela cliente, conforme informado em todos os contatos que lhe foram realizados anteriormente."
Louise continuou sendo cliente da Movida e afirmou à reportagem que o problema não voltou a ocorrer.
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