RIO DE JANEIRO, RJ, E BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Em ano eleitoral, o chamado centrão cresceu sobre o setor energético, ocupando cargos-chave em agências reguladoras e nas estatais que sobraram nessa área, como Petrobras e Itaipu.
Esse grupo político também tem reforçado a interferência na formulação de leis que afetam segmentos como combustíveis.
Historicamente, o centrão reúne um grupo de partidos com pouca ou nenhuma posição ideológica, mas muito ativo na negociação para ocupar cargos no governo. Neste momento, o centrão tem na Câmara cerca de 180 deputados, considerando os três principais partidos, PL, Republicanos e PP, que atuam como base de apoio do governo Jair Bolsonaro (PL).
Justamente por isso, o campo onde o centrão demonstra mais protagonismo na área de energia é o Congresso. Seus parlamentares, de modo geral, passaram a atender lobbies de empresas do setor de energia, que recorrem ao Congresso depois de terem os pleitos recusados nas áreas técnicas das agências e do MME (Ministério de Minas e Energia).
Os representantes do centrão costumam estar envolvidos na maior parte dessas mobilizações políticas em favor de grupos empresariais que, não raro, geram novas despesas para a conta de luz de todos os brasileiros.
O caso mais recente ocorreu há pouco mais de duas semanas e ainda está em discussão. No curto espaço de 15 horas, a Câmara alterou a MP (medida provisória) 1.118, criando um novo subsídio, e concluiu a votação de seu texto, que seguiu para o Senado.
O foco da MP é o mercado de combustíveis. No entanto, o relator, deputado Danilo Fortes (União-CE) inseriu emendas que alteram regras do setor de energia elétrica. Houve acordo com o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), para uma rápida tramitação.
A alteração na Câmara atendeu pedido de empresas de energia renovável, especialmente eólica, e foi na contramão da regra defendida pelo MME e pela Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica). A mudança no Legislativo transferiu um custo da transmissão, que os órgãos de energia entendem ser da empresa de geração, para o consumidor.
A interferência pela via política, se ratificada pelos senadores, vai transferir R$ 8 bilhões para a conta de luz, segundo estimativa da Abrace (Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres). Os maiores aumentos serão maiores nos estados de deputados com atuação para a rápida aprovação do texto.
Alagoas, estado de Arthur Lira, terá o maior aumento, de 5,67%. A conta de luz do Ceará, base do deputado Danilo Fortes, que introduziu as emendas, vai ter alta de 4,11%. No caso do Senado, Minas Gerais, do presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), vai sofrer aumento de 4,27%.
Galeria Bolsonaro e o centrão Com oferta de cargos, presidente abandona discurso e se aproxima de bloco no Congresso https://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/1670423339632545-bolsonaro-e-o-centrao *** No segmento de energia, historicamente, o MDB foi a sigla mais influente. Desde a redemocratização, no final dos anos 1980, os caciques do partido indicaram nomes para o MME e organizações públicas da área, principalmente no sistema Eletrobras, privatizado neste ano.
A gestão de Bolsonaro está transferindo o eixo de poder para o centrão. As mudanças em Itaipu são exemplos.
Pelo lado brasileiro, estão no conselho de administração da empresa binacional dois nomes associados ao bloco político. Neste ano, entrou a ex-governadora do Paraná Maria Aparecida Borghetti, esposa de Ricardo Barros (PP-PR), expoente do centrão e líder do governo na Câmara. Borghetti entrou na vaga de Carlos Marun, nome do MDB que havia sido nomeado pelo pelo ex-presidente Michel Temer (MDB).
Bolsonaro reconduziu o ex-deputado José Carlos Aleluia Costa, que já tinha cadeira no conselho. Aleluia estava no DEM e não se reelegeu. No entanto, ele é um nome histórico do centrão. Chegou a ser líder do PFL na Câmara, partido que participou da criação do centrão ainda durante a Assembleia Nacional Constituinte, na década de 1980.
Na Petrobras, pela primeira vez desde o governo Dilma Rousseff (PT), um ocupante do Palácio do Planalto foi eleito para representar o governo no conselho de administração, apesar de pareceres contrários do comitê interno que analisa os currículos para a estatal e do próprio colegiado.
Número dois de Ciro Nogueira (PP-PI) no Ministério da Casa Civil, Jônathas Assunção foi eleito em assembleia no fim de agosto por insistência do governo, que contestou a avaliação dos órgãos de governança da empresa sobre possível conflito de interesses com sua posição no Planalto.
Desde a gestão Michel Temer, a Petrobras vinha elegendo conselhos mais técnicos e independentes do governo, mas este ano, aproveitando-se de insatisfação com a escalada dos preços dos combustíveis, Bolsonaro decidiu montar um colegiado mais alinhado, formado majoritariamente por ocupantes de cargos públicos.
Na pressão por reduzir resistências nos órgãos de governança internos, o presidente da Câmara dos Deputados chegou a propor mudanças na Lei das Estatais, aprovada por Temer para tentar blindar essas empresas da ingerência política.
A influência do bloco político avançou também sobre as agências reguladoras do setor.
Na ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis), o ex-ministro Onyx Lorenzoni (PL-RS) conseguiu emplacar o diretor Fernando Moura, que o acompanhou no Ministério da Cidadania e na Secretaria Geral da Presidência da República e, antes da agência ocupava posto no Ministério do Meio Ambiente.
Sem experiência no setor de petróleo, Moura foi citado na sabatina no Senado como colaborador na elaboração de decretos relacionados ao setor de biocombustíveis, o que lhe garantiu "elevado conceito no campo do cargo para o qual está indicado", segundo o relator de sua nomeação, o senador Carlos Vianna (PL-MG).
As indicações para a Aneel também são exemplos dos novos tempos. Representantes do centrão escolheram 3 dos 5 diretores, inclusive o diretor-geral, Sandoval de Araújo Feitosa Neto.
Feitosa, técnico com carreira na Aneel, foi o escolhido pelo ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, para comandar o colegiado na gestão em curso. Se havia alguma dúvida sobre o apoio, Feitosa deixou bem claro.
Em seu discurso, na cerimônia de posse, ele agradeceu nominalmente ao ministro e conterrâneo, que prestigiou o evento. Ambos são do Piauí. A manifestação, porém, causou desconforto aos integrantes mais antigos do setor de energia por ser inusual tal tipo de manifestação pública nos eventos da agência.
Outro expoente do centrão que participou da escolha dos diretores foi o senador Marcos Rogério (PL-RO). Ele defendeu que o posto de comando na agência ficasse com Efrarin Pereira da Cruz que, assim como ele, é de Rondônia. Como teve de ceder em favor do ministro, pode indicar dois nomes para a agência.
Suas escolhas foram Ricardo Tili, que também é de Rondônia, e seu assessor no gabinete, Fernando Mosna da Silva. Mosna é procurador da AGU (Advocacia-Geral da União) desde 2012 e atuou em Rondônia.
O MDB tem apenas um indicado, o diretor Hélvio Guerra, que foi reconduzido com apoio do senador Eduardo Braga (MDB-AM).
INDICADOS DEVEM TER QUALIFICAÇÃO TÉCNICA
Procuradas, Aneel e ANP disseram que o processo de indicações de diretores segue um rito oficial. O ministro de Minas e Energia envia o nome do indicado para a Presidência da República que, por sua vez, submete o nome do indicado a uma sabatina no Senado Federal.
O indicado só pode ser empossado na agência após a aprovação dos senadores. As duas agências afirmaram que a qualificação dos indicados para as funções foi atestada durante este processo.
A Aneel destacou que pesa em favor dos indicados a sua qualidade técnica. Reforçou, por exemplo, que Sandoval Feitosa é servidor de carreira da agência há 17 anos e trabalhou na fiscalização por oito anos, foi assessor da diretoria, superintendente de duas áreas na Aneel, uma de regulação e outra de fiscalização, para então ter seu nome indicado para diretor.
O diretor Hélvio Guerra foi superintendente de concessões e de fiscalização da geração da agência e presidente da Comissão Especial de Licitações da Aneel. Guerra foi ainda superintendente da agência de março de 2001 a março de 2019 e atuou no Ministério de Minas e Energia como secretário adjunto na Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Energético.
Em mensagem enviada à reportagem, a assessoria do senador Marcos Rogério afirmou que Mosna foi uma indicação do próprio presidente Jair Bolsonaro, e que o ex-assessor do senador é um especialista com carreira no setor de energia. "Foi convidado pelo Planalto com base na sua experiência no assunto", diz o texto.
Procurada pela reportagem, Itaipu disse que não vai se manifestar. A Petrobras não respondeu ao pedido de entrevista até a publicação deste texto.
A Folha tentou contato com Onyx Lorenzoni por telefone e e-mails da Câmara dos Deputados e da campanha ao governo do Rio Grande do Sul, mas não obteve resposta.
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