BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Mesmo com quase 30 anos de atuação na área, o procurador-geral do Trabalho, José de Lima Ramos Pereira, afirma que ficou surpreso com a escalada de casos de assédio eleitoral, e com o que considera a "naturalização" do ilícito: a forma destemida com que empregadores têm ameaçado funcionários ou prometido benefícios em troca de votos.
"Eu tenho quase 30 anos de instituição. O que tornou maior a nossa preocupação foi a forma disseminada, como se fosse algo do cotidiano você fazer ameaças ao seu empregado. Como se você estivesse fazendo algo certo. É como se as pessoas entendessem que é algo normal", afirmou nesta sexta-feira (14) à Folha.
"Geralmente, quando alguém comete assédio moral, por exemplo, faz escondido, não deixa provas. Agora, não. É como se fosse um elemento da relação trabalhista você forçar alguém a votar em um candidato porque você o emprega. Não pode ser normal", disse.
"O que me espanta é a normalização, a banalização do ilícito. Não estão nem preocupados se vão ver, se não vão ver. Ou acreditam que não tem instituição funcionando, ou acreditam que isso é um ato normal."
A duas semanas do segundo turno das eleições, o número de denúncias na campanha deste ano já é maior que o registrado em 2018 --e não para de subir. Até esta sexta-feira (14), o MPT (Ministério Público do Trabalho) havia recebido 364 denúncias em quase todo o país. Na véspera, eram 242. Há quatro anos, o órgão registrou 212 denúncias envolvendo 98 empregadores.
"Nós temos aqui casos de empregadores que fizeram ameaças aos empregados. 'Se você não votar em determinado candidato, você perde o emprego.' Há relatos de comunicados feitos por empresas ameaçando reduzir postos de trabalho caso determinado candidato seja eleito. Tem outro caso de uma influencer dizendo que se sua empregada votar vai ser demitida", afirma.
"Pessoas prometendo pagar 15º salário, pagar R$ 200 se [o funcionário] votar em determinado candidato. Essas formas todas caracterizam o que nós chamamos de assédio eleitoral. Ocorrendo dentro da relação de trabalho, seja coagindo, ameaçando, humilhando, constrangendo ou favorecendo [a pessoa] para que o voto não seja livre, com certeza é um ilícito trabalhista que precisa ser combatido veementemente."
Para o Procurador-Geral do Trabalho, é difícil apontar o que fez com que os casos aumentassem tanto, seja na comparação com o primeiro turno ou com as eleições anteriores. Ele afirma que ainda é cedo para falar em ação orquestrada por parte de empregadores e avalia que a "radicalização" da política parece ter contaminado as relações de trabalho.
"Os fatos que estão sendo narrados em todo o Brasil, em todas as regiões do país, demonstram que ou a população está mais consciente e está denunciando, ou a mídia está fazendo o papel dela de ajudar a informar que isso não pode ocorrer, ou realmente há uma forma de atuação mais organizada", afirma.
"Eu acredito que essa banalização foi em função de, talvez, todo o conflito existente nos últimos anos. A polarização da política, a radicalização. Tudo isso levou as pessoas a ficarem com os nervos à flor da pele. A gente viu afastamentos em famílias, as pessoas romperem laços. Um desses laços é a relação de trabalho, que tem que ficar imune ao processo eleitoral."
O aumento de casos levou o MPT a criar um gabinete de crise e a soltar uma nota técnica para orientar a atuação dos procuradores em todo o país.
A explosão de relatos também acendeu o alerta na campanha do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e entre sindicalistas. A avaliação no entorno do petista é de que o assédio eleitoral não está restrito a grandes empresas e tem afetado inclusive trabalhadores sem vínculo formal, como diaristas e cabeleireiras.
Dos dez casos que tiveram desfecho na Justiça Trabalhista até esta sexta, apenas um prejudicava o presidente Jair Bolsonaro (PL). O caso ocorreu em um sindicato na Bahia e foi encerrado com a assinatura de um acordo em 28 de setembro.
Segundo o MPT, um dos diretores da entidade, que é vereador e foi candidato a deputado estadual, foi flagrado em um vídeo ameaçando quem fosse votar em Bolsonaro. Na gravação, feita por um dos trabalhadores, o dirigente da entidade afirma que "se tiver bolsonarista aqui, vai se ver comigo".
Outra preocupação do Ministério Público do Trabalho --compartilhada pela campanha petista-- é com as chamadas situações de "embaraço": quando o empregador dificulta ou impede o empregado de deixar o trabalho para votar. O caso não se enquadra em assédio eleitoral, mas também pode ser punido na esfera trabalhista.
"Toda empresa é obrigada a liberar os trabalhadores no dia da eleição para que eles exerçam o direito ao voto, inclusive sem compensação de horas. Se o trabalhador tem 8 horas de trabalho, você tem que liberá-lo em algum momento deste período", explica.
"Você não pode impedir ou embaraçar o exercício do voto porque isso também será analisado pelas instâncias competentes. É um ilícito. Pode ser trabalhista e até mesmo eleitoral. Então é melhor você garantir que o seu trabalhador vote porque é um direito garantido na Constituição Federal", complementa.
Na quinta (13), o presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), ministro Alexandre de Moraes, anunciou que fará uma reunião com o Procurador-Geral do Trabalho e o Vice-Procurador-Geral Eleitoral. O encontro deve ocorrer na próxima terça-feira (18).
O presidente do TSE afirmou que comandantes das Polícias Militares narraram que, em alguns estados, há empregadores querendo reter o documento dos empregados para que eles não possam comparecer para votar.
Citação Não é nem uma percepção, é um fato. Houve um aumento de notícias ao Ministério Público do Trabalho, de diversas formas, após o primeiro turno. O número total tende a ultrapassar muito o de 2018, que também não foi pequeno. José de Lima Ramos Pereira procurador-geral do Trabalho **** "Lamentamos no século 21 retornarmos a uma prática criminosa. Empregador coagindo, ameaçando, prometendo benefícios para que seus funcionários votem ou deixem de votar em determinada pessoa", disse o ministro ao anunciar a reunião conjunta.
Uma das expectativas é que possa haver algum mecanismo para facilitar o compartilhamento de informações. Na semana passada, o TSE decidiu apoiar a campanha que o MPT tem feito nas redes sociais.
"O MPT e o TSE se unem nessa campanha institucional contra o #AssédioEleitoral e reforçam o direito ao voto livre e secreto, garantido a todas as trabalhadoras e trabalhadores do Brasil", afirmam as duas instituições em publicação na última terça (11).
"Na hora que você tem um problema nacional, e é um problema nacional, você precisa que as instituições se articulem, se unam e façam esforços para que a atuação seja acertada. Evidentemente, isso vai ensejar a troca de informações. No MPT, todas as denúncias estão sendo encaminhadas ao Ministério Público Eleitoral", afirma Pereira.
"É um fato. Não é nem uma percepção, é um fato. Houve um aumento de notícias ao Ministério Público do Trabalho, de diversas formas, após o primeiro turno. O número total tende a ultrapassar muito o de 2018, que também não foi pequeno", avalia.
"O que me espanta é a normalização, a banalização do ilícito. Não estão nem preocupados se vão ver, se não vão ver. Ou acreditam que não tem instituição funcionando, ou acreditam que isso é um ato normal."
José de Lima Ramos Pereira procurador-geral do Trabalho
"Lamentamos no século 21 retornarmos a uma prática criminosa. Empregador coagindo, ameaçando, prometendo benefícios para que seus funcionários votem ou deixem de votar em determinada pessoa."
Alexandre de Moraes presidente do TSE
ONDE DENUNCIAR:
Site do MPT: mp.br/pgt/ouvidoria Pelo aplicativo MPT Ouvidoria, para dispositivos Android Pelo aplicativo Pardal, que também se comunica com o MP Eleitoral, para IOS e Android No sindicato de cada categoria No Ministério Público Federal, neste link Nas procuradorias regionais; veja aqui os contatos no estados
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