SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O valor pago em juros do empréstimo consignado do Auxílio Brasil pode custar até 87% mais do que outras modalidades de crédito com desconto na renda de assalariados dos setores público e privado ou de aposentados e pensionistas do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), segundo simulação realizada pela Anefac (associação dos executivos de finanças).
Apesar do custo e a despeito de a medida ter sido criada pelo governo de Jair Bolsonaro (PL) em período eleitoral, especialistas do setor financeiro dizem que a modalidade proporciona o único crédito possível a pessoas que não têm acesso a financiamento para despesas emergenciais.
A Anefac calculou quanto o devedor pagaria por um empréstimo de R$ 2.582,88 a ser quitado em 24 parcelas nas quatro modalidades de crédito consignado citadas. O valor e o prazo são os máximos permitidos pela regra do empréstimo do Auxílio Brasil.
Para o Auxílio Brasil, a taxa mensal considerada foi a de 3,45% oferecida pela Caixa Econômica Federal.
Quanto aos juros das outras modalidades, os índices aplicados foram de 1,94% (INSS), 1,96% (servidor público) e 2,64% (empregado do setor privado). Essas são as médias calculadas com base em cerca de 40 instituições que informaram ao Banco Central os valores que praticavam na primeira quinzena deste mês.
A taxa máxima para o consignado do INSS é de 2,14% ao mês.
Na comparação mais desvantajosa para o empréstimo do Auxílio Brasil, que é em relação ao consignado do INSS, o beneficiário do auxílio tem uma taxa anual de juros de 50,23%, enquanto o aposentado ou pensionista paga 25,93%.
Transformando essa diferença em reais, o total debitado do auxílio em dois anos será de R$ 3.840, dos quais R$ 1.257 serão para o pagamento de juros. Esse valor representa um aumento de 87% em relação aos R$ 672 dos juros do consignado do INSS.
Os valores do custo do consignado do Auxílio Brasil foram calculados sobre parâmetros oferecidos pela Caixa em suas páginas na internet. Procurado, o banco não confirmou os cálculos.
O custo superior ao de outros tipos de consignado não significa que o empréstimo do Auxílio Brasil é ruim para os beneficiários. Segundo especialistas, esse empréstimo tem uma função social importante quando utilizado em situações emergenciais.
"Uma pessoa pode pegar esse empréstimo para quitar um financiamento mais caro ou para comprar uma geladeira, caso a dele esteja danificada. Em alguns casos, faz sentido", diz Andrew Storfer, diretor de economia da Anefac.
"Ninguém nega o problema do superendividamento das famílias no Brasil, mas é absolutamente legítima a oferta e a busca por crédito por pessoas que estão negativadas e sem acesso a outras possibilidades de financiamento", afirma Luis Eduardo da Costa Carvalho, presidente da Acrefi (associação das empresas de crédito e investimento).
Carvalho ainda ressalta que o risco para a instituição que empresta o recurso não é superior ao de outras modalidades de consignado, pois o órgão pagador do benefício é o governo federal.
O risco de calote relativamente baixo, porém, não resultou em um crédito mais barato, além de não ter despertado o interesse do setor financeiro em oferecer o crédito autorizado pelo governo. Banco do Brasil, Bradesco, Itaú e Santander confirmaram à Folha que não ofertam o empréstimo do Auxílio Brasil.
Storfer e Carvalho explicam que a principal dificuldade em operar esse tipo de crédito neste momento é que o dinheiro está caro devido à elevação mundial das taxas de juros para o combate à inflação.
Oferecer um crédito que potencialmente será requisitado por milhões de pessoas requer ter muito dinheiro em caixa. Para encher seus cofres, bancos disputam investidores e, em tempos de títulos do governo pagando juros altos, as instituições precisam entregar retornos elevados para atrair clientes.
Nesse contexto, o crédito consignado, que tem taxa modesta para os parâmetros do mercado brasileiro, pode trazer pouca vantagem em relação ao custo de captação do dinheiro. Além disso, é preciso gastar com a estrutura para fazer o negócio. Tecnologia, segurança contra fraudes e funcionários custam caro para o setor.
Uma forma de os bancos aumentarem seus lucros é aproveitar a entrada de um novo cliente, que pode ter chegado à instituição para tomar um empréstimo consignado, para vender a ele outros produtos financeiros, mais vantajosos para a instituição.
A construção desse relacionamento entre empresa e cliente, porém, é menos promissora quando quem toma o crédito o faz para ter acesso a alimentos e outras necessidades básicas, diz Storfer. "Para quem empresta não é tão atraente."
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