BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Economistas ligados ao PT estudam limitar a expansão de gastos no início de um eventual governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) usando uma implementação gradual, e não imediata, de medidas que demandam mais recursos do Tesouro Nacional.

A estratégia reduziria a pressão sobre o Orçamento de 2023, diminuiria o tamanho da licença extra para despesas a negociar com o Congresso e aliviaria temores do mercado financeiro com o risco de descontrole das contas públicas.

Na recomposição do salário mínimo, os integrantes do partido estudam dar aumento superior à inflação -como promete Lula, em substituição à política de Bolsonaro-, mas implementar o ganho em 1º de maio, Dia do Trabalhador (em vez de 1º de janeiro). Com isso, o Tesouro teria quatro meses sem a expansão fiscal correspondente.

Cada R$ 1 de aumento do mínimo eleva o gasto total do governo em R$ 389,8 milhões no ano. Só o reajuste pela inflação, como previsto na atual proposta orçamentária para 2023, gera impacto de R$ 35,1 bilhões.

Sobre reajustes para servidores, integrantes do partido desejam iniciar o diálogo com as categorias em 2023, mas sinalizam que aumentos mais robustos seriam aplicados apenas a partir de 2024 -reduzindo significativamente a pressão sobre o Orçamento de 2023.

Em início de mandato, Lula poderia negociar aumentos maiores, mas parcelados ao longo dos anos. A estratégia contribuiria para aplacar os ânimos do funcionalismo e suavizar o impacto sobre as contas públicas.

A proposta orçamentária que o governo Jair Bolsonaro (PL) enviou ao Congresso prevê reajuste de até 4,5% aos servidores, índice próximo à inflação projetada para 2023 (sem recompor perdas de anos anteriores). A verba reservada para isso é de R$ 11,6 bilhões para os servidores do Executivo.

Nos cálculos do atual governo, cada ponto percentual de reajuste linear aos servidores federais significa um aumento aproximado de R$ 3 bilhões nas despesas da União.

A equipe de Lula também busca meios de evitar corte no pagamento de R$ 600 às famílias do Auxílio Brasil no começo de 2023, caso não consiga aprovar as mudanças necessárias no Orçamento.

A proposta orçamentária de 2023 reserva hoje R$ 105,7 bilhões para bancar o Auxílio Brasil a 21,6 milhões de famílias, o suficiente apenas para um benefício médio de R$ 405,21.

Alguns membros da equipe creem ser possível usar a verba disponível para seguir pagando R$ 600 no início do ano, enquanto se busca a aprovação das mudanças definitivas no Orçamento no Congresso.

A atual dotação de recursos seria suficiente para pagar os R$ 600 a esses vulneráveis até o fim de agosto de 2023 -até lá, acredita-se que uma solução definitiva para o programa já terá sido implementada.

Técnicos ouvidos pela reportagem dizem que a possibilidade, em tese, é viável do ponto de vista legal. O governo eleito precisaria editar, no início do ano, uma MP (Medida Provisória) com vigência imediata implementando a parcela adicional do benefício. Se não houver fonte de receita permanente para financiá-la, a saída seria dar-lhe duração temporária (o que dispensaria a exigência da compensação orçamentária).

Mas a estratégia tem duração limitada. Em março, o novo governo será obrigado a publicar o primeiro relatório de avaliação do Orçamento. Se o espaço extra não tiver sido aprovado, será preciso cortar despesas para não descumprir o teto de gastos ainda em vigor.

Emissários do PT já fizeram contato com o relator-geral do Orçamento, senador Marcelo Castro (MDB-PI), para sinalizar que precisarão de um canal de diálogo para resolver o impasse da peça orçamentária.

Integrantes do PT dizem que o valor total de despesas extras ante o previsto na atual proposta de Orçamento deve ficar acima dos R$ 100 bilhões defendidos por parte do mercado financeiro. As projeções ficam acima de R$ 200 bilhões e há estimativas indo a R$ 300 bilhões -um valor considerado proibitivo, mas já no radar.

Há entendimento de que a recuperação das políticas públicas é urgente e meritória, mas também será preciso estar atento ao impacto sobre inflação, juros e, principalmente, câmbio -que precisaria ceder. Hoje, o dólar está na casa de R$ 5,15 e seria importante que ficasse abaixo de R$ 4,90, defendem integrantes do partido.

Nesse cenário, a proposta da recomposição gradual considera que o buraco na administração bolsonarista é tão grande que não há como cobrir a conta inteira em um único ano. Em 2023, a gestão Lula poderia sinalizar recuperação das políticas públicas ao longo do tempo e iniciar uma relação de confiança com interlocutores que pedem aumentos.

Quem defende essa alternativa diz que o gradualismo serviria para tirar a pressão sobre o primeiro ano de mandato e facilitaria o trabalho operacional nos diferentes ministérios.

Mas ainda que os técnicos apontem valores e opções de remanejamento, as escolhas finais dependerão da formação da equipe, especialmente da definição dos ministros. Anúncio de medidas deve ficar para depois do segundo turno.

Lula entende também que há uma pavimentação política a ser feita para viabilizar a agenda econômica do futuro governo. Após o segundo turno, quer reunir os governadores eleitos e os prefeitos de capitais para ouvir as prioridades Segundo um auxiliar próximo, a intenção é firmar uma espécie de pacto para que essas prioridades, incluindo obras públicas, possam ser executadas.

Para amenizar os receios do mercado, fontes da campanha dizem que o valor da licença extra para despesas precisa ser apresentado com a regra fiscal que funcionará no lugar do atual teto de gastos, substituição em discussão no próprio Ministério da Economia.

A equipe já analisa alternativas, mas a formação das novas alianças partidárias para o segundo turno --com PDT e MDB, por exemplo-- pode trazer contribuições. A definição demandará aval do futuro ministro da Fazenda a ser escolhido pela sigla, caso eleita.

Segundo relatos, há boa adesão ao modelo defendido pelo ex-ministro da Fazenda e do Planejamento Nelson Barbosa --que sugere um mecanismo em que o presidente eleito definirá, em seu primeiro ano de mandato, qual deve ser o nível de gastos para os próximos anos. Mas ainda não há consenso em torno do tema.

Dentro do grupo, uma das premissas adotadas é que a nova regra fiscal precisa comportar a necessidade de gastos do país, e não o contrário. Outro objetivo é que o novo arcabouço seja crível, sem necessidade de tantas alterações como nos últimos anos.


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