RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - A economia brasileira caminha para uma desaceleração na reta final deste ano, após o período marcado pelas eleições, indicam analistas.
Segundo eles, a projeção de perda de fôlego está associada principalmente aos efeitos defasados dos juros altos, que dificultam o consumo de bens e serviços mais dependentes da concessão de crédito.
O endividamento das famílias e a redução do estímulo da reabertura da economia também são apontados como fatores que podem segurar a atividade.
"Esperamos que os efeitos da política monetária se tornem cada vez mais claros", diz o economista Luca Mercadante, da Rio Bravo Investimentos, sobre o impacto da alta de juros.
Essa desaceleração já deve aparecer em alguma medida no terceiro trimestre. O resultado do PIB (Produto Interno Bruto) desse período será divulgado no dia 1º de dezembro pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
A expectativa de analistas é de nova variação positiva do indicador, mas abaixo do avanço de 1,2% registrado no segundo trimestre.
Mercadante projeta elevação de 0,6% entre julho e setembro, seguida por estagnação no quarto trimestre (0%). "O juro alto tem um papel muito importante nisso", afirma.
Em uma tentativa de conter a inflação, o BC (Banco Central) teve de elevar a taxa básica de juros, a Selic, que estacionou em 13,75% ao ano.
Analistas não enxergam uma redução no curto prazo. Por ora, a aposta é que possíveis cortes ocorram somente a partir de meados de 2023.
LIBERAÇÃO DE RECURSOS NA ELEIÇÃO PREVINE DESACELERAÇÃO MAIOR
Na visão da economista Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), a perda de fôlego da economia na segunda metade do ano "já estava contratada".
O que tende a impedir uma desaceleração maior, diz, é o reflexo das medidas de estímulo adotadas ao longo do ano eleitoral.
Às vésperas da disputa com Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que venceu o pleito, o presidente Jair Bolsonaro (PL) apostou na liberação de recursos, na ampliação de benefícios sociais e no corte de tributos sobre itens como os combustíveis, o que aliviou a inflação.
Conforme Matos, o PIB tende a avançar 0,6% no terceiro trimestre deste ano. Para o quarto trimestre, a projeção é de recuo de 0,4%.
"A possível contração é uma acomodação. Não é um desastre ou um retrocesso da economia. É uma acomodação", aponta.
As estimativas, pondera, ainda não levam em conta eventuais impactos da revisão da queda do PIB de 2020, confirmada pelo IBGE na sexta-feira (4) -a baixa no ano inicial da pandemia ficou menor, de 3,9% para 3,3%.
Matos também destaca que os juros altos tendem a frear o consumo no país. Outra sinalização mais pessimista, indica, vem dos índices de confiança.
Em outubro, o indicador de confiança empresarial calculado pelo FGV Ibre caiu 3,3 pontos, para 98,2 pontos. É o menor nível desde maio deste ano.
Já o índice de confiança do consumidor divulgado pela instituição recuou 0,4 ponto no mês passado, para 88,6 pontos, após quatro altas consecutivas.
"Essa perspectiva para o segundo semestre [de desaceleração] se mantém, e não deveria se alterar muito com a eleição. É uma resposta ao aumento de juros e ao efeito sobre a atividade econômica", afirma o economista Carlos Lopes, do banco BV.
Ele projeta uma leve variação positiva de 0,3% para o PIB no terceiro trimestre e estagnação (0%) nos três meses finais de 2022.
O economista Fabio Bentes, da CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo), também reconhece que os juros altos jogam contra a venda de itens de maior valor agregado e que estão mais associados a prestações no varejo.
Porém, Bentes ainda vê espaço para o crescimento de atividades de comércio e serviços na reta final do ano, marcada por Black Friday e Natal. O setor de hipermercados e supermercados e o de vestuário, com produtos de valor mais baixo, fazem parte da lista.
Além disso, a Copa do Mundo em novembro a dezembro tende a estimular atividades como a de bares e restaurantes, completa o economista. "Serviços e comércio ainda têm perspectiva positiva. Minha preocupação é mais em relação ao ano que vem, em como o novo governo vai lidar com a questão fiscal."
Em setembro, as vendas do comércio varejista no país cresceram 1,1% frente a agosto, informou o IBGE nesta quarta-feira (9). É a maior alta desde março.
O resultado veio bem acima das expectativas de analistas, mas não chegou a mudar as projeções de desaceleração da atividade econômica até o final do ano. As vendas recuaram 1,1% no terceiro trimestre, ante o segundo, indicou o IBGE.
Para a economista Claudia Moreno, do C6 Bank, segmentos do comércio "sensíveis" a mudanças na renda, como o de hipermercados e supermercados, estão sendo beneficiados pelo recente aumento da massa salarial e pelo pagamento de benefícios sociais.
Por outro lado, as atividades mais dependentes de crédito, como as de eletrodomésticos e veículos, vêm sendo impactadas de maneira negativa pelo juro alto, acrescentou.
"O resultado de setembro [do comércio] não muda nossa previsão de que o PIB deve crescer 2,3% em 2022. Na nossa visão, a economia como um todo desacelerou no segundo semestre, e as pesquisas de desempenho de atividade já mostram essa perda de fôlego", disse Moreno.
Apesar do dado positivo em setembro, os números "consolidaram uma deterioração da atividade varejista ao longo do terceiro trimestre", avaliou o economista Lucas Maynard, do Santander Brasil. Para o quarto trimestre, a expectativa para o setor é de uma performance "morna", segundo ele.
PIB MAIS FRACO EM 2023
A mediana das projeções do mercado financeiro indica crescimento do PIB de 2,76% no acumulado de 2022, conforme a edição mais recente do boletim Focus, divulgada na segunda (7) pelo BC.
Para 2023, o primeiro ano do novo governo Lula, a estimativa sinaliza um avanço mais modesto, de 0,70%. A desaceleração global é outro fator que aparece no radar.
Na opinião de analistas, um dos principais desafios da gestão petista será conciliar responsabilidade fiscal com pagamento de benefícios sociais prometidos durante a campanha, incluindo a manutenção do valor mínimo de R$ 600 para o Bolsa Família -nome que deve rebatizar o Auxílio Brasil.
"O governo vai enfrentar a necessidade de elevar gastos no curto prazo, dadas as promessas de campanha e as demandas da sociedade no momento, com uma arrecadação que provavelmente estará em desaceleração", observa Carlos Lopes, do BV.
Silvia Matos, do FGV Ibre, também chama atenção para esse ponto. "A demanda por gastos sociais existe, mas precisa ser mais eficiente. Há espaço para melhorias."
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