BRASÍLIA, DF, E SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O Banco Central deve manter a taxa básica de juros em 13,75% ao ano na reunião desta quarta-feira (7) do Copom (Comitê de Política Monetária), mas é esperado que a autoridade monetária mande recados para o governo eleito de Luiz Inácio Lula Silva (PT) em relação aos riscos da política fiscal para a inflação.

As discussões em torno da PEC (proposta de emenda à Constituição) da Transição, aprovada pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado nesta terça com impacto fiscal de R$ 168 bilhões em despesas acima do teto de gastos, já levam economistas a avaliar que o BC vai demorar mais para cortar juros em 2023.

A taxa pode até subir em um cenário mais extremo, caso a inflação também demore mais a cair.

No boletim Focus, com projeções de mercado coletadas pelo BC, a expectativa de início da queda dos juros passou de junho para agosto do próximo ano. Com isso, a mediana das estimativas para Selic no fim de 2023, que era de 11,25% no encontro anterior, passou para 11,75%. Para alguns analistas, não se pode descartar um cenário de juros altos por mais tempo.

O BC também deve avaliar os dados que mostram uma recuperação do PIB (Produto Interno Bruto) e do emprego mais rápida que o esperado anteriormente e os efeitos disso para a inflação, que pode estourar o teto da meta em 2023 pelo terceiro ano seguido.

Alberto Ramos, diretor do grupo de pesquisa macroeconômica para América Latina do Goldman Sachs, espera uma "calibração fina" da linguagem, de forma que o BC faça um alerta, sem gerar alarme.

"Banco Central não tem que reagir a uma coisa hipotética, mas o Banco Central tem que reagir à reprecificação que esse risco gerou", afirmou.

Entre os impactos da incerteza fiscal, Ramos cita que as expectativas de inflação para o próximo ano subiram, o câmbio sofreu pressão e ficou um pouco mais volátil e que os juros de longo prazo subiram.

Para ele, a estratégia do BC pode ser afetada de maneira significativa se o novo governo embarcar em uma "toada de populismo fiscal", incluindo o uso de bancos públicos para liberação de crédito, além das despesas extrateto.

Nesse cenário, seria necessário voltar a subir os juros, probabilidade que o economista vê como relativamente baixa. "Se tivéssemos com juro a 8%, 9%, diria que esse risco é significativo, mas com Selic a 13,75%, taxa de juro real a 8% convenhamos que já está bastante salgado", afirmou.

Marco Maciel, sócio e economista da Kairós Capital, afirma que uma PEC que mantenha o Bolsa Família dentro do teto de gastos, mesmo com cerca de R$ 200 bilhões a mais, como foi protocolado pelo PT no Congresso, é uma notícia menos desanimadora do que o fim da regra fiscal e o total descontrole das contas públicas.

Ainda assim, é um cenário que dificilmente permitirá ao BC cortar a taxa básica de juros no próximo ano.

"É o tom 'hawkish? [duro] que o comunicado tem de ter, tentando mostrar que a Selic vai ficar em 13,75% praticamente o ano que vem inteiro", afirma Maciel.

"A reversão do cenário fiscal pode mudar isso. Agora, quanto mais ruído for gerado, menor a probabilidade de queda da Selic. Não acho que esse tipo de sinal fiscal que estão dando seja suficiente para apaziguar as dúvidas do mercado."

Andrea Damico, sócia e economista-chefe da Armor Capital, afirma que R$ 150 bilhões ou R$ 200 bilhões a mais de gastos vão gerar um crescimento significativo da dívida no ano que vem e que o BC deve reforçar a mensagem sobre a necessidade de responsabilidade fiscal e de uma âncora que garanta a estabilização da dívida mais à frente.

Sem isso, ela também não descarta que os juros fiquem no patamar atual até o final de 2023.

"O BC deve alertar para os riscos que uma política fiscal que não seja percebida como responsável pode causar para a inflação, para a política monetária e, consequentemente, para o crescimento", afirma Damico.

"Hoje o risco que a gente mais corre é esse, não ter uma política fiscal que seja crível e o governo não ser percebido como responsável fiscalmente. E as indicações não são boas."

Os dois afirmam que é importante que o novo governo dê sinais de que os aumentos de gastos em 2023 serão compensados por cortes de algumas despesas e até aumento de receitas.

Maurício Oreng, superintendente de pesquisa macroeconômica do Santander, diz que o BC pode expressar suas preocupações com as incertezas fiscais no balanço de riscos para inflação, hoje tido como simétrico pela autoridade monetária.

"Venho defendendo há algum tempo que existe uma assimetria altista [para cima] no balanço de riscos, talvez o BC queira aumentar um pouco o tom dos riscos fiscais na linha do que foi feito em comunicações recentes de toda a diretoria", afirma.

O presidente do BC, Roberto Campos Neto, chegou a dizer em evento com economistas que os rumos das contas públicas a partir de 2023 serão essenciais para entender como se dará o trabalho da política monetária no ano que vem.

Outros temas que devem estar no centro do debate do próximo Copom, segundo o economista do Santander, são a desaceleração da atividade econômica e o nível do hiato do produto ?que mede a diferença entre o crescimento potencial da economia e o efetivo.

"É importante ter em mente que expansão fiscal no momento em que hiato está fechado é mais inflacionário ainda", ressalta.


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