SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Depois de ouvir que apicultura não era "coisa de mulher", um grupo de agricultoras da zona da mata, em Pernambuco, que antes ganhava cerca de R$ 40 por dia vendendo macaxeira, enfrentou o preconceito e, com apoio de uma professora universitária, conseguiu mudar a realidade de vulnerabilidade social com a produção de mel.
A transformação aconteceu a partir do encontro das trabalhadoras com Renata Valéria de Sousa, 39, docente da Universidade Federal Rural de Pernambuco, especialista em melhoramento genético, comportamento das abelhas e apicultura.
Antes, a professora havia desenvolvido um projeto de doutorado chamado "Apicultura e Mulheres: Uma Doce Produção" com o apoio de produtores da Associação do Cabo de Santo Agostinho, que tinham apiário em São Lourenço da Mata, Ponte dos Carvalhos e Jaboatão dos Guararapes.
O objetivo era auxiliar apicultores desses locais a evitar a perda de abelhas no período de escassez de flores, que deixava até 80% das colmeias vazias. O intuito também era aumentar a produção das abelhas rainha, que comandam todo o processo que resulta num mel mais limpo e puro, sem resíduos químicos.
Alguns trabalhadores dessas áreas foram transferidos para um assentamento em Barreiros (PE), onde essa atividade ainda não existia, porque a terra em que eles viveram por mais de 30 anos foi utilizada para compensação ambiental devido à instalação do Complexo Portuário de Suape.
Renata já tinha o desejo de trabalhar com mulheres de baixa renda para a construção de um apiário sustentável que levasse outra renda às famílias.
"Tínhamos pouca verba, tiramos dinheiro dos nossos bolsos para ajudar nessa ação que mudou a qualidade de vida de tantas pessoas", afirma a professora. Segundo ela, algumas famílias da região vivem em situação de extrema pobreza (52,1% da população do município tinha renda de até meio salário mínimo segundo o Censo de 2010).
A docente afirma ainda que houve uma orientação para a preservação da vegetação nativa porque, segundo ela, isso garante um mel diferenciado. Pelo trabalho, ela foi uma das vencedoras da quinta edição do prêmio Espírito Público, divulgado no fim de novembro.
A então aspirante a apicultora Maria Iraneide Macedo, 47, a Neide, conta que antes de conhecer Renata já tinha paixão por abelhas. Mas, quando foi falar com alguns dos apicultores transferidos, ouviu deles que aquele era "serviço de homem".
O próprio marido de Neide resistiu ao novo ofício quando ela decidiu ingressar no projeto da "doutora Renata". "Ele achava que era um serviço muito pesado. Mas eu insisti. Hoje ele não vive mais sem as abelhas. Fez as caixas das colmeias com madeira reciclada e me ajuda na colheita do mel, no verão, apesar de ainda trabalhar com cana-de-açúcar. As abelhas transformaram nossas vidas."
Neide afirma que seu mel também a qualidade da alimentação e de vida de sua família, além de deixar o meio ambiente mais diversificado. Com a renda extra do mel, ela conseguiu comprar coisas a que antes não tinha acesso.
"Reformei minha casa e meu marido comprou um carrinho. Mas o melhor foi levar meus três netos para o shopping pela primeira vez, porque aqui no engenho não tem essas coisas. Comprei roupinhas e sapatos para eles, que também amaram um parquinho que tinha lá. A alegria deles não tem preço. Tudo com o dinheirinho do mel", diz Neide.
As abelhas também mudaram a vida da agricultora Sônia Maria da Silva, 61, que queria adicionar uma nova profissão ao seu currículo. Apesar de ser alérgica à picada desses animais, ela não pensou duas vezes para participar do projeto com aulas sobre apicultura da professora Renata.
Sônia conta que antes levava 20 quilos de macaxeira (também chamada de mandioca, em São Paulo) às feiras para ter um lucro máximo de R$ 40 naquele dia. Agora, ela vende cada litro de mel de seu apiário por R$ 80.
"Foi uma transformação, é outro estilo de vida. Principalmente para a mulher negra que não tem bom estudo. Antes eu não ganhava praticamente nada com a macaxeira, só carregava muito peso. O mel pode ser estocado se não for vendido imediatamente e comercializado depois, não há prejuízos", afirma Sônia.
A apicultora destaca ainda outra vantagem. Para ela, quando a professora viaja para fazer palestras sobre o projeto e cita o nome delas, é como uma aclamação e faz com que o mundo conheça a iniciativa que desenvolveram no interior de Pernambuco.
"Estamos aqui no mato, mas nosso nome está rodando pelo mundo em lugares como Canadá, Cuba e São Paulo por meio da professora Renata. É um reconhecimento do nosso trabalho e amor, porque se você não fizer as coisas com amor, não vai ter nada."
Sônia afirma que apicultura é uma profissão que valoriza a mulher e faz com que ela seja reconhecida, porque a mulher faz "tudo direitinho", enquanto os homens acham que só eles sabem das coisas. "A gente brilha, mas o zangão tem que estar lá para carregar o peso", brinca.
Ela também conta o que fez com o dinheiro extra do mel. "Ganhamos a casa no assentamento e consegui comprar todos os móveis. Compro meu sustento e tenho meu dinheirinho para minhas coisas e para o apiário, claro."
"Graças a Deus elas [Neide e Sônia] se apropriaram da ideia de que são microempreendedoras e ainda trabalham com sustentabilidade. Nosso projeto trouxe mudanças de percepção ambiental e social. Em Pernambuco, predomina a agricultura familiar. A gente fez esse papel olhando para aquele que estava invisível e esquecido", afirma a professora.
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