BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) foi à Justiça para cancelar os efeitos de uma decisão judicial que garantiu benefícios fiscais para a Fan, uma pequena distribuidora de combustível do Nordeste alvo de um processo de aquisição pela Raízen.

A reviravolta ocorreu nesta sexta-feira (9). A procuradoria já tinha fechado um Negócio Jurídico Processual (NJP) com a Fan no ano passado, prevendo a incorporação de créditos tributários.

Vinculada ao Ministério da Economia, a PGFN é o órgão que cobra os devedores da União após decisões transitadas em julgado, tanto na esfera administrativa quanto judicial.

O caso da Fan chama a atenção porque, no momento, ela é alvo de compra pela Raízen (Shell), braço de distribuição de combustível do bilionário Rubens Ometto.

O grupo pediu autorização do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) para efetivar a compra e aguarda decisão.

A Fan é uma rede com sede em Mossoró (RN) com 136 postos, nenhum deles em capitais. A incorporação de sua bandeira representará menos de 3% de crescimento à Raízen, que opera no país com a bandeira Shell.

No documento enviado ao Cade, obtido pela reportagem, a empresa afirma que o negócio amplia sua consolidação no Nordeste e permitirá a incorporação de benefícios fiscais em posse da Fan. Ou seja: o negócio permitirá ao comprador pagar menos imposto.

No Cade, o caso segue em análise dos técnicos. Os concorrentes fizeram estudos e descobriram que o crédito tributário da Fan vai gerar uma vantagem competitiva futura para a Raízen de cerca de R$ 10 bilhões. Ainda não se sabe se levarão esse material ao órgão de defesa da concorrência.

De acordo com a análise, essa vantagem fiscal permitirá que a Raízen pratique preços mais baixos ou melhorar seus resultados financeiros (se decidir não repassar esses ganhos ao consumidor).

HISTÓRIA DE UM BENEFÍCIO

O benefício fiscal da Fan foi resultado de uma disputa judicial com a Fazenda Nacional revertida pelo STJ, em dezembro de 2020, após sucessivas derrotas da primeira instância.

Até então, todas as instâncias inferiores haviam negado à empresa o direito de aproveitar créditos de PIS e Cofins porque, como distribuidora de combustíveis, ela estava sujeita a um regime tributário (monofásico) ?que impediria esse usufruto.

A virada ocorreu porque, em 2017, uma turma do STJ abriu um precedente, que foi então seguido em decisão tomada pela Primeira Turma do STJ em favor da Fan.

Por isso, em maio de 2021, A PGFN acabou fechando o acordo (NPJ) com a distribuidora, se comprometendo a não questionar os valores. Diante da derrota na Justiça, os procuradores quiseram negociar descontos para o erário.

A distribuidora abriu mão da correção do valor pela Selic (taxa básica de juros). Em vez de receber R$ 454,9 milhões, aceitou o desconto de R$ 73 milhões em juros e ficou com o crédito de R$ 381,8 milhões.

Em posse desse crédito, a empresa foi ao mercado buscando compradores. A coluna ouviu duas das empresas procuradas que se negaram a fechar negócio com a Fan. A Raízen topou.

Duas semanas depois, o STJ julgou dois casos similares com decisões favoráveis à União, deixando a procuradoria em uma saia-justa. A decisão final saiu em abril deste ano, favorecendo a União.

Mesmo assim, o acordo com a Fan teve andamento. A procuradoria considerou que não seria possível rever uma decisão do passado. Por isso, partiu para questionar o benefício fiscal dado à Fan pela decisão do STJ. A ação foi protocolada nesta sexta.

Procurada, a Raízen disse que a aquisição da Fan depende de condições precedentes de negócio e se baseia na estratégia de crescimento na distribuição de combustíveis e fortalecimento da Raízen na região Nordeste.

A PGFN informa que, antes do acordo, defendeu a tese contrária à pretensão do contribuinte, tendo sido vencida. A procuradoria afirma que, à época, "inexistiam precedentes qualificados no âmbito do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal a respeito da questão de mérito".

O acordo foi realizado já em fase de cumprimento de sentença transitada em julgado e levou em consideração peculiaridades do caso concreto que apontaram indubitável vantagem para a Fazenda Nacional. O mais importante foram os descontos obtidos quanto a valores pretéritos devidos ao contribuinte.

Ainda via assessoria, a PGFN diz que, até o momento, não foi chamada pelo Cade para prestar quaisquer esclarecimentos.

A Fan não respondeu até a publicação desta nota.


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