BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Um projeto de lei que amplia subsídios na área de energia, elevando a conta de luz, virou pomo da discórdia entre senadores que estão na base de apoio do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Entre os beneficiados pelo texto em análise estão os investidores de painéis solares, que podem reduzir os custos da energia -uma vantagem aproveitada principalmente por famílias de alta renda, bancos e grandes redes de varejo. O benefício porém é custeado pela tarifa de energia, o que prejudica especialmente os consumidores mais pobres, para quem a tarifa de energia tem um peso maior no Orçamento.
Entidades do setor divulgaram projeções dos custos, mas agora há uma projeção oficial da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica). O projeto, caso aprovado, vai transferir para os consumidores brasileiros, até 2045, um adicional de R$ 125 bilhões, segundo a estimativa divulgada nesta quinta-feira (15) pela agência, que não vê sentido técnico no PL.
"As alterações defendidas pelo setor de geração distribuída descumprem a lei aprovada pelo Congresso Nacional e adicionam custos excessivos nas tarifas, inclusive para as famílias de menor poder aquisitivo, ao intensificarem os subsídios a um segmento que já é altamente competitivo", afirma a Aneel no texto em que detalha os valores.
O grupo responsável pela transição nas áreas de minas e energia é totalmente a favor de energias renováveis. Projetos na área, como os de solar e eólica, serão o centro da política enérgica no Lula 3. Mas o grupo não apoia a expansão dos subsídios aleatoriamente. No caso desse PL, em particular, não vê sentido técnico nas suas proposições.
O coordenador do grupo, Maurício Tolmasquim, ex-secretário executivo do MME (Ministério de Minas e Energia), já disse que a concessão descontrolada de benefícios está distorcendo a estrutura do setor elétrico e criando custos insustentáveis, tanto para as famílias quanto para as empresas.
"Essa conta vai ficar impagável. É certo, porque não tem mágica", disse Tolmasquim. Ele diz que é preciso um pacto entre agentes do setor e o Congresso.
Orientados pelo grupo de transição, deputados da base da apoio ao futuro governo tentaram deter a tramitação na Câmara, sem sucesso: o projeto foi aprovado em 6 de dezembro.
PROJETO DIVIDE SENADORES
Quando chegou ao Senado, o PL foi levado diretamente a plenário; foi nomeado relator o senador Carlos Fávero (PSD-MT). Interlocutor de Lula junto ao agronegócio e forte candidato a ministro da Agricultura, também foi alertado pelo grupo de transição sobre os problemas da proposta.
O líder do PT na Casa, senador Paulo Rocha, sensível às críticas feitas ao texto, participou das negociações para que o projeto não fosse direto à votação, defendendo um debate aprofundado nas comissões.
Na quarta-feira (14), no entanto, o senador Fávero se adiantou e divulgou parecer em favor da aprovação do projeto. Senadores dos estados do Mato Grosso e do Mato Grosso do Sul, interessados no subsídios, defendem a proposta.
A senadora Simone Tebet (MDB-MS), que apoia Lula e também é cotada para ocupar algum ministério, ainda não divulgou sua posição sobre o tema.
Houve nova mobilização para deter a votação. Nesta quinta-feira (15), o projeto também não foi incluído na pauta. Existe a expectativa de que possa ficar para 2023, quando novos parlamentares e integrantes do governo eleito já terão sido empossados.
No entanto, há uma forte queda de braço entre as entidades setoriais em torno da votação.
De um lado estão as associações setoriais que defendem investidores em energia fotovoltaica e PCHs, propagando as vantagens dessas fontes na tentativa de justificarem a liberação de mais uma rodada de subsídios bilionários. De outros, estão grupos de defesa do consumidores que tentam deter o aumento contínuo da conta de luz, promovido via Congresso Nacional, onde o lobby das empresas encontra espaço.
Vários parlamentares também têm interesse na aprovação, pois investem em energia solar e PCH.
No caso desse projeto em particular, os benefícios são considerados tão questionáveis que atraíram a oposição de especialistas e executivos da área de energia. Numa iniciativa inédita foi organizado um manifesto contra o PL. Entre os signatários estão a economista e advogada Elena Landau, uma referência no setor, e Luiz Carlos Barroso, presidente da PSR, uma das consultoria mais conceituadas da área de energia.
"O momento que vivemos é singular e preocupante", afirma Paulo Pedro da Abrace (Associação Brasileira dos Grandes Consumidores de Energia e Consumidores Livres). "Os conflitos constantes e a judicializacão extrema se dão porque o setor está disfuncional. As lógicas estão invertidas e cada agente busca oportunidades para tirar parte dos seus custos e transferir para outro, que normalmente é o consumidor."
Dentro do Movimento pela Energia Justa foi enviada aos senadores na segunda-feira (12) uma carta aberta contra a aprovação do texto.
Assinam o documento a Frente Nacional dos Consumidores de Energia, Apine (Associação Brasileira dos Produtores Independentes de Energia Elétrica), Abraceel (Associação dos Comercializadores de Energia), Abradee (Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica) e Abiape (Associação Brasileira dos Investidores em Autoprodução de Energia).
TRAMITAÇÃO INCLUIU 'JABUTI MUTANTE'
Inicialmente, o PL 2307, de autoria do deputado Celso Russomanno (Republicanos-SP) previa alteração o marco regulatório da MMGD (micro e minigeração distribuída, definido na lei 14.300), ampliando o prazo de transição para a concessão de benefícios a esse tipo de projetos, que em sua maioria são de energia solar. Basicamente, esse esse subsídio garante isenção pelo uso do fio e transfere esse custo para os outros consumidores, que não têm acesso a esse tipo de projeto.
Segundo a Aneel, a ampliação do prazo custará um adicional entre R$ 13 bilhões e R$ 25 bilhões, de 2023 a 2045, para 84 milhões de consumidores.
Na tramitação, o PL recebeu uma emenda alheia a essa discussão, um jabuti, como se diz no jargão do Congresso.
O dispositivo proposto pelo deputado Beto Pereira (PSDB-MS) quer alterar a Lei de Privatização da Eletrobras (lei 14.182) e determinar que a produção de 1.500 MW (megawatts), de um total de 2.500 MW, que deveriam ser fornecidos por térmicas a gás na região Centro Oeste, possam ser fornecidos por PCHs (Pequenas Centrais Hidrelétricas) de até 30 MW. Além disso, estende para esses projetos de PCHs os subsídios dados aos projetos de geração solar.
Como a exigência das térmicas já tinha sido inserida a lei de privatização por um jabuti, essa nova alteração é considerada um jabuti mutante.
Pelos cálculos da agência, a inclusão de mais esse conjunto de benefícios coloca outros R$ 100 bilhões na conta de luz dos brasileiros, de 2023 a 2045.
Um dos argumentos em favor da mudança, é que PCHs são menos poluentes que as térmicas a gás. No entanto, esse dilema ambiental não faz sentido na discussão diante de um novo cenário.
O grupo de transição de energia, em linha com entidades de defesa do consumidor, buscam uma forma de acabar com a obrigatoriedade de construção das térmicas a gás previstas na Lei da Eletrobras. O jabuti, então, seria apenas uma maneira de favorecer investidores em PCHs com um novo tipo de subsídio.
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