SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A Americanas, uma das maiores varejistas do país, que está em recuperação judicial desde o último dia 19, informou em fato relevante, publicado na noite de terça-feira (31), que avalia solicitar à Justiça do Rio de Janeiro um financiamento "extraconcursal na modalidade debtor-in-possession" (DIP) "no valor mínimo de R$ 1 bilhão".
O pedido deve ser feito à 4ª Vara Empresarial da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro, que aprovou a recuperação judicial da varejista no mesmo dia 19 em que foi feita a petição, quando apontou dívidas de R$ 43 bilhões.
"A companhia vem discutindo com seus acionistas de referência a possibilidade de eles subscreverem até a totalidade do valor mínimo", informa a Americanas no comunicado. Os acionistas de referência são o trio de bilionários brasileiros fundadores da empresa de private equity 3G Capital Jorge Paulo Lemann, Marcel Herrmann Telles e Carlos Alberto Sicupira, que até o final de 2021 eram os controladores da varejista. Hoje eles têm 31% da Americanas.
De acordo com o fato relevante, o financiamento DIP "poderá ser eventualmente substituído por novo
financiamento, conversível em ações da companhia, e que assegurará o direito de preferência de todos os acionistas."
Desde que o escândalo contábil de R$ 20 bilhões veio à tona em 11 de janeiro, revelado pelo ex-presidente da Americanas, Sergio Rial, o trio de bilionários vem sendo criticado pelos bancos credores da varejista, que juntos detêm a maior parte da dívida da empresa.
As instituições financeiras, em especial o banco BTG Pactual, criticam o fato de os ex-controladores não aportarem capital suficiente para salvar a empresa da falência. A varejista trava uma queda de braço na Justiça com o BTG, que conseguiu bloquear R$ 1,2 bilhão da conta da Americanas no banco.
O comunicado diz ainda que, "caso aprovado, o financiamento DIP, em conjunto com outras fontes de
liquidez sendo exploradas pela companhia, incluindo a liberação de valores retidos por determinados credores, permitirá manter os investimentos em capital de giro e financiar obrigações não concursais, incluindo pagamento a fornecedores e parceiros."
Nesta terça-feira (31), conforme revelou a Folha de S.Paulo, a empresa deu início à demissão de funcionários, começando por profissionais terceirizados, a fim de reduzir suas despesas.
No fato relevante, a Americanas afirma que o capital vai ajudar a empresa a "manter o curso normal de seus negócios e reforçar sua liquidez".
"Se efetivado, o financiamento DIP não deverá contar com garantias, permitirá a participação de
credores da companhia e deverá ter remuneração equivalente ao custo médio de financiamento
da companhia antes do pedido de Recuperação Judicial (cerca de 128% do CDI)", diz o texto.
DIP É USADO APENAS EM RECUPERAÇÕES JUDICIAIS
O modelo de financiamento avaliado pelo trio do 3G Capital para a Americanas é usado apenas em recuperações judiciais e passou a ser adotado em 2021, após a promulgação da lei nº 14.112/20, que reformou a lei 11.101/05, de falência e recuperação de empresas. Segundo especialistas, é uma ideia importada do direito americano.
De acordo com o especialista em recuperação judicial Filipe Denki, da Lara Martins Advogados, o DIP (debtor-in-possesion financing, ou "financiamento do devedor em posse") é destinado à empresa que já possui um plano aprovado ou em discussão por credores para o pagamento das dívidas.
"Uma das maiores dificuldades da empresa em recuperação judicial é a obtenção de recursos para manutenção da sua atividade", diz Denki. "A principal finalidade do DIP é suprir a falta de caixa para financiar despesas operacionais como pagamento de fornecedores, salários e despesas administrativas."
Segundo Denki, um dos principais benefícios do DIP é que este tipo de financiamento não demanda uma assembleia geral de credores para ser aprovado e pode ser solicitado já no início do processo, mediante autorização judicial. "Em caso de falência, é considerado crédito supre prioritário: vai ser o primeiro a receber antes de qualquer outro tipo de crédito, até mesmo do trabalhista."
Leandro Basdadjian Barbosa, sócio da área de contencioso cível da SFCB Advogados, reforça que se trata de crédito extraconcursal, ou seja, com preferência de pagamento. "Em caso de falência, o financiamento só é pago depois das despesas com a administração judicial e dos créditos trabalhistas referentes aos três meses anteriores à falência, por uma questão de subsistência dos funcionários", diz. Os eventuais créditos trabalhistas que constem na recuperação judicial serão pagos depois do DIP.
"É uma maneira de atrair financiadores fora do sistema bancário para a empresa em recuperação judicial", diz Barbosa. "Se não houvesse essa preferência, dificilmente alguém iria emprestar dinheiro para uma companhia em dificuldades", diz.
Uma vez homologado o plano de recuperação judicial, os credores têm que seguir determinações, como deságio sobre o valor da dívida, prazo e carência muito dilatados, lembra. "Já os financiadores do DIP estão fora disso", afirma.
Barbosa também destaca que as garantias oferecidas neste tipo de empréstimo costumam ser mais "robustas", uma vez que os riscos são grandes. "Em geral são bens que estão fora do ativo circulante da companhia, podem ser imóveis, por exemplo, que não têm liquidez imediata."
De acordo com o fato relevante divulgado pela Americanas, porém, se aprovado, o DIP não contará com garantias e terá remuneração média de 128% do CDI. Mas a varejista sinaliza que o financiamento pode ser convertido em ações.
Na liquidação deste tipo de empréstimo, afirma Barbosa, os credores podem receber até mesmo o comando da empresa. "O financiamento pode ser convertido em participação societária."
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