BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) avalia isentar trabalhadores que ganham até dois salários mínimos do pagamento de IRPF (Imposto de Renda da Pessoa Física) ainda em 2023, segundo integrantes da equipe do presidente ouvidos pela reportagem.

Hoje, a faixa de isenção contempla a remuneração de até R$ 1.903,98 mensais. Com a mudança, ficariam livres do imposto aqueles que recebem até R$ 2.640 --caso seja confirmado um novo aumento do salário mínimo para R$ 1.320 a partir de 1º de maio.

Pelo menos duas formas de isenção estão em análise pelo Ministério da Fazenda. Uma delas é a simples correção da tabela, ampliando a faixa de isenção para o valor almejado pelo governo.

Essa via, porém, tem custo mais elevado, uma vez que a medida alcançaria todos os trabalhadores, independentemente da remuneração. Como o imposto incide sobre cada faixa de renda do contribuinte, quem ganha acima de dois salários mínimos também teria algum alívio no bolso.

A segunda opção é mais complexa, mas reduz a renúncia de recursos. Segundo interlocutores, é possível focar a isenção nos trabalhadores que efetivamente ganham até dois salários mínimos, mantendo a tabela atual.

Isso seria feito na declaração de ajuste, apresentada anualmente pelos contribuintes à Receita Federal. Dessa forma, o trabalhador teria descontado o IR na fonte todos os meses, como ocorre atualmente, mas receberia a restituição de todo o imposto pago após a declaração, feita no ano seguinte.

Como a declaração traz informações detalhadas da remuneração de cada contribuinte, seria possível filtrar apenas aqueles que ganham até dois salários mínimos para serem contemplados com o benefício. Quem recebe acima desse patamar continuaria pagando IR pela tabela vigente.

Além da economia de recursos, essa via tem a vantagem de não afetar o teto de gastos, regra fiscal que limita o crescimento das despesas e ainda está em vigor. As restituições do IRPF não ficam ao alcance do limite de gastos, ao contrário do que ocorreria com algum tipo de transferência de renda nos moldes do Bolsa Família.

A segunda opção também seria mais progressiva, concentrando o benefício nas camadas de renda mais baixa.

O tema foi um dos assuntos tratados por Lula em reunião com os ministros Fernando Haddad (Fazenda), Luiz Marinho (Trabalho) e Rui Costa (Casa Civil) no Palácio do Planalto na última quinta-feira (2). Segundo interlocutores, o martelo ainda não está batido sobre qual modelo será escolhido, mas a ideia é preparar o anúncio para depois do Carnaval ou no início de março.

Uma ala do governo chegou a defender uma medida mais modesta, com a isenção corrigida apenas para beneficiar os trabalhadores que recebem até 1,5 salário mínimo por mês --o que pode equivaler a R$ 1.980 a partir de maio.

Politicamente, no entanto, o impacto desse ajuste é considerado tímido demais para atender à base eleitoral e à plataforma do presidente.

O petista prometeu, durante a campanha, isentar de IR os trabalhadores que ganham até R$ 5.000 mensais. Após o início do governo, a promessa virou dor de cabeça e passou a sofrer resistências do Ministério da Fazenda.

Em janeiro, o próprio presidente admitiu que "briga" com os economistas do partido para garantir isenção a quem ganha até R$ 5.000. "Meus companheiros sabem que tenho briga com economistas do PT. Vocês sabem que o pessoal fala assim 'Lula, se a gente fizer isenção até R$ 5.000, são 60% de arrecadação do país, de pessoas que ganham até R$ 6.000'. Ora, então vamos mudar a lógica. Diminuir para o pobre e aumentar para o rico", afirmou o petista.

Como mostrou a Folha de S.Paulo, uma correção nessa magnitude poderia gerar uma renúncia superior a R$ 100 bilhões por ano, num momento em que Haddad busca ganhar confiança do mercado com um pacote para reduzir o rombo nas contas públicas.

O Orçamento prevê hoje um déficit de R$ 231,5 bilhões, o que pode elevar de forma significativa o endividamento do país. Medidas anunciadas pelo ministro da Fazenda podem atenuar o rombo, mas ainda assim as contas devem fechar no vermelho este ano.

Esse cenário tem colocado Haddad em uma posição mais defensiva na discussão de medidas com impacto fiscal, em contraponto aos ministros de áreas finalísticas, como o do Trabalho, que buscam viabilizar medidas com impacto político positivo para o presidente diante de sua base eleitoral.

O ministro da Fazenda tentou conter a pressão na discussão do IRPF dizendo que a medida precisava respeitar o princípio de anterioridade, que requer antecedência anual na implementação de aumentos no Imposto de Renda.

Pela lógica de Haddad, a benesse só poderia ser feita em 2024. No entanto, a exigência legal não se aplica a cortes de imposto, ou seja, a correção da tabela pode ser feita a qualquer momento e vigorar de forma imediata.

A tabela do IRPF está sem reajuste desde 2015. Na época, o salário mínimo era de R$ 788 mensais --ou seja, a isenção atendia trabalhadores com remuneração de quase 2,5 salários mínimos por mês. Segundo o Sindifisco (Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita Federal), a defasagem chega a 148% desde 1996.

Nas últimas semanas, Lula deu sinais de que pretende acelerar a busca por medidas direcionadas à classe trabalhadora, ainda que possam representar uma redução na arrecadação ou aumento de despesas. As soluções incluem o ajuste no valor do salário mínimo e, agora, a isenção do IRPF para o grupo que ganha até dois pisos.

Segundo auxiliares, o presidente deu mais força a essas discussões depois que o Banco Central sinalizou que a taxa básica de juros pode permanecer próxima do patamar atual (de 13,75% ao ano) até o fim do 2023 --o que é visto pelos petistas como uma barreira à recuperação do emprego e da renda.


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