BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), prometeu ao deputado federal Mendonça Filho (União Brasil-PE), ex-ministro de Michel Temer (MDB), a relatoria do projeto que será enviado pelo governo ao Legislativo para definir a nova âncora fiscal do país.
A regra, a ser proposta pela equipe do ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), vai substituir o atual teto de gastos, que limita o crescimento das despesas à variação da inflação.
O tema é central tanto para o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que terá na nova regra um balizador para suas políticas até o fim do mandato, quanto para o mercado, que cobra maior clareza sobre o rumo da trajetória do endividamento do país.
Pela promessa de Lira, a negociação da proposta ficará nas mãos de um parlamentar que já se declarou oposição ao novo governo Lula.
Mendonça também votou a favor do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), em 2016, e depois tornou-se ministro da Educação de Temer, que a petista no comando do Palácio do Planalto.
"A decisão da maioria do eleitorado é soberana numa democracia. Cumprimento o presidente eleito Lula pela sua eleição. Como deputado eleito estarei, em Brasília, na oposição, trabalhando pelo Brasil e defendendo os interesses dos pernambucanos", escreveu Mendonça Filho em sua conta no Twitter em 30 de outubro de 2022, após a proclamação da vitória de Lula no segundo turno.
Segundo relatos, Lira indicou a Mendonça Filho que o deputado seria o relator da proposta de âncora fiscal ainda no mês de janeiro.
O ex-ministro queria ser o relator da reforma tributária, mas o posto era alvo de cobiça nas negociações para a reeleição de Lira. Como mostrou a Folha, o MDB propôs apoio ao atual presidente da Casa, sob o compromisso de a relatoria da tributária permanecer com deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB).
Ribeiro foi relator da PEC (proposta de emenda à Constituição) 45, protocolada em 2019 pelo presidente nacional do MDB, deputado Baleia Rossi (SP), e que hoje é um dos pontos de partida para a discussão das mudanças tributárias no Congresso Nacional.
Com essa cadeira já ocupada, Lira ofereceu então ao deputado a relatoria do marco fiscal. O compromisso foi reforçado na semana passada, às vésperas da eleição da Câmara, quando Mendonça Filho ensaiou lançar candidatura avulsa à primeira Secretaria da Mesa Diretora, rivalizando com um deputado de seu próprio partido, Luciano Bivar (União Brasil-PE).
A entrada de Mendonça na disputa criaria um ruído desnecessário à reeleição de Lira. Por isso, o presidente da Câmara atuou pessoalmente para evitar o racha no União Brasil.
Mendonça Filho é hoje um dos principais líderes da legenda e sustenta uma postura crítica ao governo Lula. Ao Painel, no ano passado, o parlamentar defendeu que o União Brasil fizesse oposição à gestão petista.
Atualmente, ele prega que o partido permaneça independente, ainda que a sigla tenha indicado três ministros na composição do novo governo.
No campo econômico, Mendonça é de tendência mais liberal que o PT, o que pode levar a embates entre governo e o deputado nas discussões da nova regra durante a tramitação do Congresso.
No fim de novembro de 2022, quando o Legislativo debatia umaPEC para autorizar a ampliação de gastos neste ano, o ex-ministro de Temer criticou publicamente a proposta do PT, que àquela altura buscava um espaço extra de R$ 198 bilhões, sem prazo definido.
"Todos sabem que arrombar o teto vai gerar inflação, juros altos e desemprego. Os mais pobres pagarão a conta do desequilíbrio fiscal. A PEC deve bancar exclusivamente o Bolsa Família e ter validade no máximo de um ano", defendeu Mendonça Filho.
Mais recentemente, ele também condenou a pressão feita por Lula sobre o Banco Central por causa dos juros, considerados excessivos pelo governo petista. " O presidente Lula continua conspirando contra a estabilidade econômica. Não enxergar que o Banco Central independente é uma das bases para uma inflação sob controle é querer reviver o desastre econômico da gestão Dilma", escreveu.
A proposta de nova âncora fiscal ainda está em elaboração pelo time de Haddad. A PEC que autorizou a ampliação de gastos fixou o prazo de até 31 de agosto para que o governo encaminhe o projeto ao Legislativo, mas o ministro da Fazenda já disse que pretende se antecipar à data e enviar o texto até abril deste ano.
A proposta deverá ser enviada sob a forma de projeto de lei complementar, que requer apoio de 257 deputados e 41 senadores para ser aprovado. Trata-se de um quórum superior à maioria simples, mas menor que o exigido em propostas de emenda à Constituição.
Algumas reuniões técnicas sobre o tema já foram realizadas dentro da Fazenda. Segundo interlocutores, um primeiro desenho da nova regra deve ser concluído até o início de março, quando ainda precisará passar pela validação de Haddad e também do Palácio do Planalto.
O secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Guilherme Mello, adiantou no fim de janeiro que o controle de despesas é o melhor instrumento para administrar a trajetória da dívida pública e que essa ideia está sendo levada em consideração na elaboração do novo arcabouço fiscal.
A preocupação dos técnicos é elaborar uma regra que crie as condições de uma trajetória crível para a dívida pública, ao mesmo tempo em que dê flexibilidade ao governo para lidar com situações imprevistas, como quedas na arrecadação ou momentos de crise mais aguda.
A principal crítica dos técnicos ao teto de gastos é justamente a sua rigidez -a regra estipulava um limite nominal de despesas, com poucas exceções. O resultado, segundo diagnóstico do próprio Tesouro Nacional, foi uma compressão de investimentos, diante do contínuo aumento das despesas obrigatórias e das dificuldades, inclusive políticas, em avançar na revisão de programas.
No entanto, mesmo que Haddad antecipe o envio da proposta de novo arcabouço fiscal ao Congresso, a tendência é que o debate sobre a âncora avance apenas após a Câmara concluir a análise da reforma tributária.
"No que eu entendi da intenção do governo: primeiro [será priorizada] a reforma tributária e depois [o Executivo enviará] a âncora fiscal no prazo definido pela PEC", afirmou Lira.
Segundo o presidente da Câmara, a ideia é que os deputados votem a proposta tributária em até três meses para, em seguida, analisar o projeto da nova âncora fiscal.
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