RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - A escassez de chuvas no Sul do país esvaziou açudes na propriedade de Moisés de Jesus Machado, 59, na zona rural de Porto Alegre. Dos 8 espalhados pelo sítio, apenas 1 estava cheio de água na quinta-feira (16), segundo o piscicultor.
Esse açude, diz, fica em uma área mais baixa da propriedade, o que facilita o armazenamento, mesmo quando chove pouco. Conforme Machado, a criação de peixes foi reduzida em cerca de 70% devido à seca.
Para salvar parte das espécies maiores, ele recorreu ao uso de piscinas de plástico e caixas d'água. Essas opções são mais utilizadas para a conservação de alevinos (filhotes). "Estou trabalhando com uma capacidade bem reduzida", lamenta.
No município de Seberi (a cerca de 410 km da capital gaúcha), Valmir da Rosa Araújo, 47, também se queixa da falta de chuva. Duas vertentes de água secaram na sua propriedade rural, deixando o gado leiteiro sem acesso às fontes para matar a sede.
"Pedimos ajuda para a prefeitura, que manda um caminhão com 20 mil litros. A água dura mais ou menos uma semana", afirma.
Segundo Araújo, a produção de leite na propriedade caiu pela metade. Passou de cerca de 400 litros para a faixa de 200 litros por dia. A estiagem também castigou pastagens, dificultando a alimentação das 17 vacas em atividade.
Histórias assim não são isoladas. Sob influência do fenômeno climático La Niña, a falta de chuva voltou a castigar a produção agropecuária gaúcha no verão.
Nos últimos quatro anos, esta é a terceira estiagem que gera efeitos consideráveis sobre a economia do estado, dizem analistas. As outras duas ganharam corpo no início de 2020 e de 2022.
Os produtores afirmam que as chuvas recentes não foram suficientes para compensar o período de estiagem e que as perdas não foram totalmente recuperadas.
MUNICÍPIOS FALAM EM PREJUÍZO DE R$ 13 BI
Municípios gaúchos já estimam um prejuízo de R$ 13 bilhões com a nova seca em 2023, segundo dados divulgados na sexta-feira (17) pelo governo estadual. Esse valor ainda deve ser validado e pode mudar até o fim da safra.
Na sexta, a partir de dados da Emater-RS, o governo também indicou que as projeções para a produção de soja e de milho foram revisadas para baixo em 20,8% e 30,6%, respectivamente.
O diretor-técnico da Emater-RS, Alencar Rugeri, afirma que a situação é "muito complexa", mas considera que, até o momento, a estiagem é menos intensa do que a seca do início de 2022.
Nesse sentido, ele menciona que o número de municípios gaúchos com decretos de situação de emergência está menor do que no ano passado. Até sexta-feira (17), 307 estavam nessa situação. No mesmo período de 2022, o número era de 409.
"As estiagens não são iguais de um ano para outro. A atual tem uma característica de ser muito intensa em alguns pontos de uma região, com a situação mudando alguns quilômetros depois", diz Rugeri.
O assentamento Filhos de Sepé, ligado ao MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), contabiliza os estragos no cultivo de arroz orgânico.
Essa produção envolve 130 famílias em 1.600 hectares no município de Viamão, na região metropolitana de Porto Alegre.
O presidente da Aafise (Associação dos Moradores do Assentamento Filhos de Sepé), Ivan Carlos Prado Pereira, 39, estima perda de 30% a 40% nesta safra de arroz.
"Isso não tem como recuperar. Já foi. Vamos torcer para não perder mais", afirma. "O arroz precisa de água no pé. O calor excessivo acaba esquentando a água, afeta a reprodução."
No total, 376 famílias vivem no assentamento, que também amargou prejuízos em hortaliças. Nesse caso, a área plantada é menor, de cerca de 80 hectares. A perda estimada ficou em 70%, conforme Pereira.
A estiagem ainda reduziu o peso do gado em razão das dificuldades de alimentação. Há em torno de 6.000 cabeças no assentamento, de acordo com o presidente da associação. "A perda foi de 20% a 30% no peso dos animais", diz.
PIB ACOMPANHA AGRO
No Rio Grande do Sul, quando a agropecuária retrocede, o desempenho do PIB (Produto Interno Bruto) costuma ser inferior ao nacional, aponta o pesquisador Sérgio Leusin Júnior, do DEE (Departamento de Economia e Estatística). O órgão é ligado à Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão.
Com a estiagem e o início da pandemia, o PIB gaúcho caiu 7,2% em 2020, conforme o DEE. Ou seja, mais do que o dobro do recuo brasileiro (-3,3%) à época.
Em 2021, houve recuperação da agropecuária, e a economia estadual cresceu 10,6%, acima da alta verificada no país (5%).
Já ao longo de 2022, ano de seca no Rio Grande do Sul, o PIB local acumulou queda de 6,6% até setembro. No Brasil, houve crescimento de 3,2% no mesmo período.
"Depois da porteira das propriedades rurais, setores como comércio varejista e de máquinas e equipamentos também sofrem os efeitos da seca", diz Leusin Júnior.
Segundo o pesquisador, mais da metade dos municípios gaúchos (264 dos 497) tinha a agropecuária como responsável por no mínimo 30% do valor adicionado bruto à economia em 2020.
A participação do setor era superior a 50% em 69 cidades. Essa dependência é mais frequente nos municípios com menos de 5.000 habitantes.
LA NIÑA INTERFERE, DIZ ESPECIALISTA
De acordo com o agrometeorologista Marco Antônio dos Santos, da consultoria Rural Clima, os registros de seca no Rio Grande do Sul podem ser associados ao La Niña.
O evento climático é responsável por afetar a circulação dos ventos e a distribuição das chuvas. Quando atinge o país, costuma provocar estiagem no Sul.
"De forma geral, toda vez que temos La Niña, os corredores de umidade da Amazônia ficam mais concentrados na faixa central do Brasil. Isso tira pressão das chuvas na região Sul", frisa Santos.
Em entrevista a jornalistas na sexta-feira (17), o governador Eduardo Leite (PSDB) apresentou um plano de ações contra os efeitos da estiagem.
Leite afirmou que o estado prevê suporte às prefeituras pelos gastos emergenciais gerados pela seca, embora não tenha como ressarcir o prejuízo econômico.
Entre as ações divulgadas estão a anistia de dívidas do programa Troca-Troca de Sementes para agricultores familiares dos municípios em situação de emergência, a criação de um sistema online de monitoramento da estiagem e a construção de cisternas.
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