BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O grupo espanhol Aena, que arrematou Congonhas e outros dez aeroportos no leilão ocorrido em agosto do ano passado, quer usar precatórios para quitar R$ 2,4 bilhões referentes a uma parcela da outorga (valor a ser pago ao Estado em troca do direito de exploração).
O modelo está previsto em uma emenda constitucional já promulgada, mas receios da Anac (Agência Nacional de Aviação) com o uso do instrumento travaram o processo de privatização.
Precatórios são valores devidos pelo Estado após sentença definitiva na Justiça. Estima-se que o estoque dessas dívidas seja da ordem de R$ 100 bilhões no caso da União.
No final de 2021, o Congresso aprovou uma emenda constitucional permitindo o uso desses papéis para o pagamento de concessões de forma "autoaplicável", mas no poder público ainda é vista como necessária a criação de uma metodologia mais robusta para liberar as transações.
A agência avalia existir hoje um risco de dano aos cofres públicos caso se assine o contrato e descubra posteriormente, por exemplo, que os títulos de precatórios oferecidos pela empresa são podres.
A Aena não consegue assumir o controle dos aeroportos enquanto a Anac não resolver o impasse. No processo, a empresa afirma possuir créditos seguros e de liquidez. No entanto, diante da demora, já considera abandonar a estratégia e usar dinheiro próprio para efetivar o negócio.
"Certamente podemos dispor de outros meios para cumprir nossas obrigações, inclusive substituições de meios já apresentados, se necessário, e sem prejuízo ao resultado do leilão", disse o grupo por meio de sua assessoria.
A AGU (Advocacia-Geral da União) entrou em campo e, junto com seu procurador dentro da Anac, quer criar um modelo -em conjunto com os diretores e técnicos da agência-- que possa ser repetido caso concessionárias em geral também optem pelo uso dos precatórios.
Consultada, a Aena disse que optou pelo uso dos precatórios por "algumas vantagens financeiras que a transação oferece". Anac e AGU não responderam até a publicação da reportagem.
No caso de Congonhas e dos dez aeroportos que fizeram parte do bloco leiloado pela União, a Aena deve pagar R$ 2,45 bilhões referentes à chamada contribuição inicial --valor pago como condição para que a concessão tenha início.
No final do ano passado, os espanhóis já haviam comunicado que não iriam fazer esse pagamento em dinheiro, mas justamente pelo uso de direitos sobre dívidas do governo federal reconhecidas pela Justiça.
A situação virou objeto de pareceres internos da Anac e da AGU. Com o andamento das discussões, que já se estendem há dois meses, poderá haver atraso no processo até que o controle dos aeroportos seja transferido da estatal Infraero para a iniciativa privada.
Esse cenário já é tão concreto que o grupo espanhol perguntou à Anac se haveria cobrança de multa caso haja atrasos no cronograma.
Inicialmente, o grupo vencedor do leilão queria passar os precatórios para a Anac como "pagamento provisório".
Dessa forma, o contrato seria assinado e a concessão teria sua eficácia iniciada enquanto a Anac analisasse a regularidade dos precatórios (como sua titularidade e liquidez, por exemplo).
Essa solução, no entanto, foi rechaçada na agência. Parecer da Superintendência de Regulação Econômica de Aeroportos considerou essa solução como sendo de alto "risco econômico-financeiro".
Ainda segundo a análise dos técnicos, ocorrida em meados de janeiro deste ano, ela poderia resultar até em futuras disputas judiciais.
"Há que se refletir sobre como a gestão da concessão se daria nesse período de considerável incerteza até a efetiva quitação da outorga, incutindo dentro da execução contratual riscos até então inexistentes, disputas e questionamentos contratuais, arbitrais ou judiciais sobre a matéria. Ou ainda, sobre como lidar com os efeitos já produzidos em uma concessão na hipótese de referida quitação jamais se efetivar", diz o parecer.
No final de janeiro, a AGU, por meio de sua Procuradoria Especializada na Anac, concordou com o parecer da agência.
"Há considerável risco em qualquer procedimento que não esteja dotado de verificação quanto à liquidez e certeza dos precatórios apresentados para pagamento e ao efetivo recolhimento dos valores a título de Contribuição Inicial", disse a AGU.
Ambos os pareceres apontaram que o contrato somente poderia ser assinado após a análise dos precatórios, e a verificação de que a União não estaria recebendo títulos podres.
Diante dessa resposta, a Aena insistiu no uso dos precatórios. Afirmou que é um "interesse legítimo" diante da mudança constitucional, mas cobrou da Anac "detalhamento do procedimento, prazos e efeitos do pagamento/recebimento da contribuição inicial com precatórios, a fim de haja segurança jurídica" -o que ainda não ocorreu.
A empresa também propôs uma solução que envolveria a análise prévia dos precatórios para só depois haver a assinatura dos contratos.
Procurada, a Aena não vê óbice ao negócio e diz que o governo tem colaborado para estabelecer um caminho adequado para esse tipo de transação pioneira.
"Acreditamos que todos os envolvidos estão imbuídos dos melhores esforços para garantir o cumprimento do mandamento constitucional e de manter o cronograma regulamentar", disse a empresa.
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