RIBEIRÃO PRETO, SP (FOLHAPRESS) - O evento é a entrega de moradias populares, mas a visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a Rondonópolis (MT) nesta sexta-feira (3) é vista como um aceno ao agronegócio mato-grossense, que na eleição do ano passado esteve majoritariamente com o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Conhecido polo do agronegócio no Centro-Oeste e com grande produção de grãos para exportação, Rondonópolis vai receber Lula num cenário que guarda semelhanças com a primeira ida do petista à cidade, 20 anos atrás, quando estava no início de seu primeiro mandato como presidente. Há, no entanto, também mudanças, como a mostrada pelas urnas no ano passado.
Em junho de 2003, o petista participou de um evento habitacional, como nesta sexta, e em seu discurso fez citações ao agronegócio, setor que agora está novamente em rota de colisão com o governo federal devido às invasões de terra do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) na Bahia.
"O Brasil, graças a Deus, não deve a nenhum país do mundo em capacidade produtiva, sobretudo, na agricultura. Agora, não adianta produzir se a gente não fizer o nosso produto chegar aos portos", disse Lula em seu discurso duas décadas atrás.
Prefeito anfitrião e apoiador de Lula, José Carlos Junqueira de Araújo, o José Carlos do Pátio (PSB), disse que a visita vai auxiliar nas conversas com o agronegócio.
"A vinda dele aqui, a primeira [visita] à região Centro-Oeste, a satisfação é grande, mas não resta dúvida, o propósito é construir essa relação com o agro, construir essa aproximação com o agro e com toda a sociedade mato-grossense. O presidente Lula, mesmo sendo o político que mais fez por essa região, não ganhou a eleição aqui. É um gesto de estadista dele no sentido de olhar para a frente, construir essa relação", disse o prefeito.
A rejeição a Lula é grande no agronegócio local e no estado. A Folha procurou seis lideranças regionais do setor, mas só duas aceitaram falar com a reportagem sobre o tema, ainda assim de forma reservada.
Apesar de o evento reunir políticos que apoiaram Bolsonaro, como o governador Mauro Mendes (União Brasil), líderes locais do agro não deverão estar no local, segundo relatos à reportagem.
Para os representantes do agro que se manifestaram, Lula terá de mostrar uma postura de mais equilíbrio em relação às invasões de terra e dar sinais positivos ao setor.
Na avaliação do governo, um desses sinais já foi dado com a nomeação de Carlos Fávaro, senador por Mato Grosso, para o Ministério da Agricultura. Ele deve acompanhar Lula ao evento e discursar nesta sexta.
A viagem de Lula é um novo capítulo de uma história que se acentuou no conturbado período eleitoral, em que o presidente foi alvo de movimentos conservadores de Rondonópolis, que instalaram outdoor na cidade chamando-o de "bandido" e "traidor". "Aqui esse bandido é reconhecido como 'O Traidor da Pátria'. Fora... maldito!", dizia o texto do outdoor.
A peça foi instalada às margens da BR-364 na cidade, que reflete praticamente com exatidão o cenário eleitoral de Mato Grosso em 2022.
Lula obteve somente 35,13% dos votos no segundo turno na cidade, ante os 34,92% que obteve no estado. Bolsonaro alcançou 64,87% e 65,08%, respectivamente.
Não foi, porém, a única cidade do estado a instalar outdoor contra candidaturas da esquerda. Em Sinop, um outdoor assinado pelo Sindicato Rural tinha em seu texto as frases "Eu não voto em ladrão" e "Não a políticos que apoiam a esquerda".
A visita de agora tem uma diferença primordial em relação à de 2002, já que naquele ano Lula alcançou 52,34% dos votos no segundo turno na cidade, quando derrotou José Serra (PSDB).
"Temos que virar a página do processo eleitoral de 22. Olhar o Brasil, com os seus problemas presentes e futuros. O presidente Lula é o presidente de todos os brasileiros, independentemente de quem votou ou não, de qual estado ele ganhou ou não. Ele disse que vai visitar todos os estados brasileiros e fico feliz de ele já estar indo no nosso que é um importante estado na ordem econômica brasileira hoje e líder nacional na produção do agronegócio", disse o governador à Folha.
Ele diz que a visita de Lula se deve à relevância que o estado tem por ser líder do agro. "O agronegócio é uma cadeia importante na economia brasileira, e tem em Mato Grosso o seu maior expoente. Talvez seja um reconhecimento do que nosso estado é e daquilo que o agronegócio representa para o Brasil. É um reconhecimento da importância que o estado tem no agronegócio."
Foi discutida a possibilidade de Lula se encontrar com líderes do agro em Cuiabá, depois do evento na cidade do interior, mas até esta quinta isso não estava confirmado e deve ficar para uma agenda prevista para abril, conforme políticos locais.
Além do prefeito e do governador, Lula estará cercado de políticos mato-grossenses. São aguardados ministros, mais de uma dezena de deputados estaduais e federais e os três senadores do estado.
SEGURANÇA
A segurança preparada para esta sexta-feira na entrega dos 1.440 apartamentos no Residencial Celina Bezerra deverá ser mais rígida que a visita de 2003, segundo funcionários da prefeitura que se reuniram com a equipe presidencial na quarta-feira (1). Naquele ano, Lula quebrou o protocolo, abraçou moradores e distribuiu beijos.
Garrafas, embalagens de alumínio, objetos perfurantes, vidros, guarda-chuvas, talheres, hastes de bandeira e capacetes estão vetados aos que comparecerem nesta sexta. Álcool em gel só poderá ser levado em embalagens de até 100 ml. Frutas deverão estar picadas em recipientes plásticos. A recomendação da segurança é que as pessoas não portem mochilas ou bolsas grandes.
Rondonópolis não cobrará tarifa no transporte coletivo nesta sexta, sob a alegação de atender as famílias que participarão da entrega dos apartamentos. A prefeitura também divulgou em seu site investimentos feitos na cidade nos governos Lula e Dilma Rousseff, entre 2003 e 2016.
Até esta quinta, a prefeitura ainda tentava levar Lula à inauguração da creche Arthur Araújo Lula da Silva, no bairro Alfredo de Castro Araújo, que homenageia o neto do presidente que morreu de meningite meningocócica há quatro anos, em março de 2019, quando Lula estava preso em Curitiba.
É possível que haja protesto contra o presidente no polo do agro, mas é certo que manifestações favoráveis ao petista ocorrerão, já que na terça-feira (28) militantes, sindicalistas e membros de movimentos sociais se reuniram em Rondonópolis para discutir o ato desta sexta.
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