BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - A unificação de tributos sobre o consumo é o pilar da reforma em tramitação no Congresso e está na lista de prioridades do Ministério da Fazenda, mas a alíquota a ser cobrada dos consumidores ainda é a grande dúvida nas discussões e vai depender de forma direta das exceções setoriais a serem negociadas.
O economista Bernard Appy, secretário extraordinário da Reforma Tributária do Ministério da Fazenda, afirma em entrevista à Folha que um dos objetivos centrais é buscar um modelo que seja o mais homogêneo e simplificado possível. Segundo ele, quanto mais flexibilizações às regras para determinados setores econômicos, maior será a alíquota para os demais contribuintes.
"Quanto mais exceção tiver, mais tratamento favorecido para o setor X, Y ou Z, maior tem que ser a alíquota básica para poder manter a carga tributária. Qual vai ser a alíquota? A alíquota é aquela que mantém a carga tributária atual", diz.
Essa discussão é uma das mais importantes na agenda da primeira rodada da reforma tributária. O roteiro prevê que a ela seja fatiada em duas etapas, a começar pela revisão da tributação sobre o consumo, que vai unificar os diferentes tributos que recaem sobre bens e serviços em um IVA (Imposto sobre Valor Agregado).
Appy confirmou que o governo já definiu que não vai enviar uma nova proposta de reforma ao Congresso nem impor mudanças, mas sim construir alternativas com os parlamentares e subsidiá-los na busca das melhores soluções técnicas para os impasses que surgirem.
Ele e o ministro Fernando Haddad (Fazenda) já tiveram as primeiras conversas com o grupo de trabalho formado no Congresso para tratar da reforma, que é coordenado pelo deputado Reginaldo Lopes (PT-MG) e tem relatoria do deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB).
Técnicos da Fazenda e do Congresso trabalham a partir das duas PECs (proposta de emenda à Constituição) que tramitam no Parlamento.
A PEC 45, da Câmara, unifica cinco tributos (de União, estados e municípios) em um único IBS (Imposto sobre Bens e Serviços). Já a PEC 110, do Senado, traz o imposto no formato dual -estados e municípios teriam um (IBS), enquanto a União teria tributos federais fundidos na chamada CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços).
A avaliação é que as duas propostas trazem os melhores modelos de IVAs existentes, que podem garantir ao Brasil um sistema tributário moderno.
Segundo Appy, a proposta final deve juntar aspectos das duas PECs e o debate sobre um IVA único ou dual acaba sendo secundário na discussão. "O importante é ter sensibilidade política para viabilizar a aprovação da melhor reforma possível", diz.
Tanto é assim que ele não marca posição em relação a qual PEC ou tipo de IVA prefere defender nas negociações no Congresso.
Appy colaborou com a elaboração da PEC 45, que traz o IVA único, com o argumento de que do ponto de vista técnico é mais simples para o contribuinte. O IVA dual da PEC 110, no entanto, é apontado por políticos como a opção mais viável quando se pensa na questão federativa e nas negociações da reforma com os estados.
Agora, Appy afirma que caberá aos parlamentares baterem o martelo. Ele frisa que, apesar de ele ter muitas posições pessoais sobre diferentes temas tributários, e elas serem conhecidas, é preciso ter em mente que agora valem as definições do Ministério da Fazenda.
"O melhor texto é aquele que ajudar politicamente a aprovar a reforma", diz. "Honestamente, qualquer um dos dois [IVAs] é infinitamente melhor do que aquilo que temos hoje."
O trabalho de unificação é tecnicamente complexo e politicamente espinhoso. Sobre o consumo de bens e serviços recaem hoje cinco tributos: os federais PIS, Cofins e IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), que são regidos por inúmeras normas, o estadual ICMS, que tem 27 regulamentos (um para cada unidade da federação), e o municipal ISS, que conta com regulamentos próprios elaborados pelas milhares de prefeituras no país.
NEGOCIAÇÃO COM A ZONA FRANCA
Os técnicos também traçaram algumas balizas para tratar temas sensíveis nessa fase da reforma.
Não haverá alteração do Simples, o regime especial para empresas de menor porte, por ora. Mas ambas as PECs abrem a opção para que uma empresa que se enquadra nesse regime possa migrar para outras modalidades, caso lhe seja conveniente. É uma alternativa para que essas empresas tenham direito a créditos --acumulados devido aos tributos pagos na aquisição de insumos e que servem para abater os valores devidos na etapa seguinte.
O destino da Zona Franca de Manaus demandará habilidade de negociação do governo. Com apenas oito deputados na Câmara, a bancada do Amazonas emplacou três indicações no grupo de trabalho da reforma, o equivalente a um quarto dos integrantes.
Segundo Appy, a proposta é buscar alternativas, junto com os parlamentares, de mecanismos tributários que permitam uma transição longa e gradual para o novo modelo, sem alterações traumáticas para as empresas instaladas no polo e capazes de garantir a preservação dos empregos e da renda local.
"Temos esse compromisso de não prejudicar a região", afirma Appy, que diz ainda não ter detalhes porque o processo mal começou.
Os dois itens são alvo de muito lobby de quem hoje é beneficiado pelas isenções. Simples e Zona Franca correspondem aos maiores gastos tributários federais, como são chamadas as exceções na cobrança de tributos que buscam promover benefícios econômicos e sociais.
No conjunto, os gastos tributários previstos para 2023 somam cerca de R$ 450 bilhões. O Simples corresponde à principal fatia (21%), seguido justamente pela Zona Franca (12%).
As duas PECs em discussão, diz ele, garantem elementos considerados por ele fundamentais: base mais ampla de cobrança, não-cumulatividade e tributação no destino.
TRANSIÇÃO LENTA E GRADUAL PARA ESTADOS E MUNICÍPIOS
A mudança da cobrança da origem e do destino já prejudicou tentativas anteriores de reformas tributárias, porque ela vai realocar a participação de estados e municípios no bolo total arrecadado, com efeitos sobre as finanças.
No entanto, Appy destaca que houve avanço nas alternativas de migração para esse modelo e melhora na percepção de seus benefícios. "Ele aprimora o sistema e, com o tempo, promove o crescimento, reduz a sonegação e eleva a arrecadação", afirma.
A reforma em discussão, diz ele, tem bons mecanismos para sustentar a mudança do sistema.
Para que estados e municípios tenham tempo para se adaptar às mudanças legais e também absorverem efeitos benéficos da reforma, a alteração do mecanismo de transferência dos recursos da União, do sistema atual para o novo modelo, vai ocorrer por meio de uma transição longa.
O prazo terá de ser negociado no Congresso, mas a PEC 45 prevê 50 anos de transição. A PEC 110, 40 anos.
Para os consumidores que pagam os tributos no dia a dia, a mudança do sistema será sentida em um prazo relativamente curto. Na PEC 45, estão previstos dois anos de teste para a nova cobrança e quatro anos de transição. Na PEC 110, dois de teste e cinco de transição.
Como a tributação no destino também anula a chamada guerra fiscal (quando governantes cortam tributos para atrair empresas), é dada como certa a criação de um Fundo de Desenvolvimento Regional. A alternativa é mencionada na PEC 45, mas não está detalhada no texto.
No entanto, está definida na PEC 110. O fundo seria financiado com 5% da receita do IBS e o critério de distribuição terá de ser definido por lei complementar.
Appy já chegou a citar anteriormente simulações com a perspectiva de que a alíquota desse imposto único pudesse ser de 25%, sendo que 9% ficariam para a União, 14% para os estados e 2% para os municípios.
Um estudo do CCiF (Centro de Cidadania Fiscal), entidade que Appy ajudou a criar, chegou a esse percentual. Outro levantamento, do Ipea (Instituto de Pesquisa Aplicada), estimou que a alíquota pode ir a 27%. São valores que manteriam o Brasil entre os maiores taxadores do consumo.
Appy, no entanto, diz que ainda não é possível cravar o valor.
REDUÇÃO DE INEFICIÊNCIAS E DOS CUSTOS
Segundo Appy, é importante ter em mente que a reforma vai fazer uma redistribuição da carga, com alguns produtos e serviços pagando menos, outros mais. No entanto, o compromisso do governo na reforma sobre o consumo é manter o mesmo nível de carga tributária.
No final, diz ele, como o sistema ficará mais simples, haverá redução no custo das ineficiências, o que reduz valores pagos pelas empresas e pelo consumidor final.
"O custo para a população vai cair, esse é um efeito importante da reforma tributária que as pessoas precisam saber", afirma ele.
"As pessoas já pagam uma carga tributária muito alta sobre o consumo e, sem saberem, também pagam pela ineficiência do sistema tributário atual. Porque pagam o custo da burocracia e o custo do litígio, por exemplo, que oneram a empresa e são repassados para o preço do produto", diz ele. "Na hora que deixo o sistema mais eficiente e simples, esse custo cai."
A simplificação também dará mais transparência à cobrança, e as pessoas vão saber quanto pagam de imposto, algo difícil hoje.
Um exemplo é a conta de luz. As pessoas pagam 18% de ICMS e 9,25% de PIS/Cofins, o que gera uma conta final de 34,38% (veja infográfico). Nesse caso, se a alíquota for de 25%, estimada pelo CCiF, ou de 27%, como prevê o Ipea, a tributação na conta de luz após a será menor após a reforma, diz Appy.
A reforma da tributação sobre a renda, que inclui mudança na tributação das empresas, ainda é um processo em elaboração, e o ministério não definiu a posição para os inúmeros temas dessa fase.
Segundo Appy, o importante é ter em mente que essas duas etapas da reforma, apesar de serem feitas em momentos diferentes, serão complementares.
"A reforma do consumo tem impacto do ponto de vista distributivo e de desigualdades regionais, mas o foco dela é aumentar o potencial de crescimento do país. A discussão do Imposto de Renda, por sua vez, envolve uma questão de justiça tributária", diz Appy.
"Assim, no conjunto, elas se complementam. O efeito final das duas é um país mais justo e que cresce mais."
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