SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Para chegar às nuvens, é preciso queimar querosene, e bastante. Hoje, as empresas aéreas conseguem precisar quanto isso gera de poluição, e agora convidam os passageiros a ajudar a pagar a conta para compensar isso.

Companhias como Gol, Qatar e United criaram programas para que os viajantes paguem um valor extra e, assim, ajudem a financiar formas de compensar as emissões geradas pelas viagens.

Um voo da Gol do aeroporto de Congonhas (SP) ao Santos Dumont (RJ), por exemplo, produz cinco toneladas de CO2. Dividindo isso entre os viajantes, dá algo em torno de 34 kg por passageiro, que podem ser compensados por R$ 2,78.

Em janeiro, a Gol lançou uma função em seu site para que os clientes possam pagar pela compensação na hora da compra da passagem, da mesma forma como se paga por uma mala extra. Antes, havia um caminho mais complicado para chegar a essa opção.

Segundo a empresa, de junho de 2021 a dezembro de 2022 foram neutralizadas 13.100 toneladas de CO2, por meio de compensação feitas por clientes e por outras ações. Isso equivaleria a preservar 1,8 milhão de árvores.

Na Air France-KLM, compensar as emissões de um voo de São Paulo a Paris sai em torno de R$ 145. A opção está disponível desde o ano passado.

O cálculo de quanto dinheiro custa para compensar as emissões se baseia em duas informações: de um lado, modelos matemáticos permitem estimar com cada vez mais precisão a quantidade de poluentes gerada por voo. Pode-se levar em conta o consumo em cada etapa da viagem, como o taxiamento na pista, a decolagem e o voo em altitude.

De outro lado, há um mercado de créditos de carbono. Em média, compensar uma tonelada de CO2 custa algo entre US$ 10 e US$ 20. (algo perto de R$ 52 e R$ 104). Dividindo esse valor entre os passageiros, e acrescentando eventuais gastos administrativos, chega-se ao preço cobrado, proporcional aos quilos de poluição gerados.

A ideia de compensação parece simples, mas há muitas questões. Geralmente, as empresas contratam outras instituições dedicadas a projetos ambientais para fazer ações como plantar árvores, recuperar florestas ou criar projetos de energia limpa.

A Qatar Airways, por exemplo, usa o dinheiro arrecadado dos passageiros para manter um parque de energia eólica na Índia, que evita a emissão de 210 mil toneladas de gases de efeito estufa por ano, segundo a empresa. Como essa produção de energia limpa substitui o uso de termelétricas, em tese se está deixando de produzir poluentes, o que gera uma compensação.

No entanto, há um debate se faz sentido usar estas verbas para financiar projetos que poderiam se pagar sozinhos.

"Hoje o preço da energia eólica e fotovoltaica [solar] caiu tanto que não precisa mais da ajuda dos créditos de carbono. Os projetos podem ser lucrativos por si só, e há certificadoras que não aceitam mais iniciativas dessa categoria", diz Shigueo Watanabe Jr., pesquisador do Instituto Talanoa e especialista em créditos de carbono

Watanabe também aponta possíveis riscos em programas de compensação envolvendo reflorestamento e preservação da natureza. "Podem acontecer problemas de integridade, como fazer um projeto de preservação em uma área indígena, mas sem falar com os indígenas, ou que avança sobre uma área de conservação", pondera.

"Tem também a questão de que a árvore captura o carbono, mas se ela for derrubada ou queimada, esse carbono é liberado de novo na atmosfera. Então é preciso não só plantar as árvores, mas garantir que elas fiquem de pé, e por muitas décadas", explica o pesquisador.

Os especialistas recomendam que os clientes busquem se informar mais sobre para onde o dinheiro das compensações está indo. "Há projetos muito bem elaborados, e outros menos, que são mais baratos", alerta Watanabe.

"No Brasil, os setores que mais emitem são os relacionados à mudança de uso da terra e à agricultura, e a maior fatia vem do desmatamento. Nesses setores, o país pode se beneficiar mais vendendo créditos", aponta Mariano Cenamo, diretor de novos negócios da Idesam, ONG que atua em projetos de compensação ambiental na Amazônia.

O setor de aviação gera em torno de 1% das emissões de dióxido de carbono no Brasil, de acordo com o Seeg (Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa). Em 2019, antes da pandemia, os aviões emitiram 17,4 mil toneladas de CO2 no país (1,25% do total do país). Já em 2021, com menos voos em operação, foram 10,9 mil toneladas (0,71%).

O setor de aviação criou uma estratégia para reduzir as emissões de poluentes, chamada Corsia (Esquema de redução da pegada de carbono na aviação internacional, na sigla em inglês). O acordo prevê duas fases: de 2021 a 2026, os países podem adotar medidas para mitigar emissões de forma voluntária. Atualmente, 115 países aderiram, incluindo o Brasil.

A partir de 2027, a adoção de medidas de mitigação será obrigatória, com exceções para países muito pobres ou com baixo número de voos.

O Corsia prevê quatro ações principais: desenvolver novas tecnologias para as aeronaves, melhorar o tráfego aéreo e as operações nos aeroportos para poupar combustível, usar combustíveis menos poluentes e fazer compensações de carbono.

Das quatro táticas, no entanto, a que trará maior efeito é a troca de combustível. No entanto, o avanço do SAF (combustível sustentável de aviação) é lento. No final de 2022, ele representava menos de 0,1% do mercado. Apesar disso, as empresas esperam que ele possa se tornar o combustível padrão nas próximas décadas.

Algumas companhias, como a KLM-Air France e a United, dão a opção de que os passageiros doem dinheiro a elas para aumentar a compra de SAF, que ainda é escasso no mercado e, por isso, custa de 2,5 a 5 vezes mais que o querosene de aviação.

Além de questões de consciência individual, as aéreas buscam atender à demanda das empresas que compram voos corporativos. A poluição gerada pelos deslocamentos dos funcionários em viagens de trabalho entram nos cálculos de impacto feitas por companhias, que querem reduzir sua pegada de carbono para cumprir metas ESG.

O dinheiro extra é bem-vindo pelas empresas aéreas, em um momento em que elas ainda buscam pagar as dívidas geradas pela paralisação na pandemia e em que o volume de viagens de antes da crise sanitária ainda não foi recuperado.

Apesar disso, o modelo gera queixas de que as companhias podem estar jogando para o cliente uma obrigação que deveria ser delas. "É como se o motorista de Uber pedisse um valor a mais para parar no posto e abastecer com etanol, porque polui menos", compara Watanabe.


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