SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A lei de cotas que reduziu a desigualdade racial no ensino superior é espelho para a lei da entrada no serviço público federal, que revelou pouco avanço até agora e pode ser extinta em junho de 2024, na avaliação de pesquisadores e analistas do tema.

A progressão percentual e uma maior abrangência são citadas como exemplos para elevar a eficácia da norma que reserva a candidatos negros 20% das vagas oferecidas em concursos federais, sejam de fundações, empresas públicas ou autarquias.

Por ser ação afirmativa, a lei, que entrou em vigor em junho 2014, chega ao final após dez anos de sua promulgação. Existem movimentações no Senado para que esse prazo seja prorrogado ou até mesmo que uma nova lei entre em vigor.

O governo Lula também discute a manutenção de cotas para a entrada no serviço público, com uma lei mais abrangente, conforme mostrou a Folha de S.Paulo.

"Nosso símbolo de políticas de cotas que deu certo é a política de cotas das universidades. Ela mostra com muita clareza que deu certo. Nas instituições públicas já temos 56% de negros e negras, quando antes das cotas ficava em 20% e olhe lá", diz o senador Paulo Paim (PT), autor do projeto de lei que propõe uma nova vigência para a lei de cotas para a entrada no serviço público.

A lei de cotas para as universidades federais, citada por Paim, foi sancionada em 2012 com prazo de dez anos para a reavaliação. Isso deveria ter ocorrido no ano passado, mas a discussão está parada na Câmara. Porém, ela não perdeu sua validade, mesmo com o fim da vigência.

No início, a lei estabelecia que as instituições começassem com a reserva de 25% das vagas para alunos de escola pública, negros, indígenas e pessoas de baixa renda. Em quatro anos, houve progressão para que ela chegasse aos 50%.

"A lei de cotas para o serviço público foi a imagem e a semelhança das cotas para as universidades, que mudou o perfil do universitário brasileiro. Temos políticas públicas como o Fies, o Prouni, tudo descende de ações afirmativas voltas à readequação social. Quando isso atinge a população negra, tem um pouco mais de impacto", diz Mariana Dionísio de Andrade, doutora em ciência política e professora da Unifor (Universidade de Fortaleza).

Estudos mostram que a norma para o serviço público teve um avanço tímido. De acordo com pesquisa do Instituto República.org, o percentual de servidores negros dentro do funcionalismo federal em 2014, quando a lei foi promulgada, era de 42%. Em 2020, seis anos depois, o percentual chegou a 43%.

"Claro que ainda é um crescimento tímido, ainda existe uma participação muito pequena das pessoas pretas em cargos de alta gestão no serviço público, o que representa um pouco o que é o racismo estrutural da nossa sociedade. Mas isso não quer dizer que essa lei não foi eficiente dentro do contexto em que ela foi implementada", diz Andrade.

As argumentações para o avanço tímido durante a vigência da lei de cotas são os poucos concursos públicos realizados no período e a pandemia. Em 2014 foram autorizados 279 concursos públicos federais, com 27.205 vagas. Em 2020, ganharam autorização apenas sete concursos, para prover 3.813 provimentos no Poder Executivo Federal.

Morador de Parelheiros, na zona sul de São Paulo, Renan Augusto Araújo, 23, prestou concurso público em setembro de 2021 para o Banco do Brasil, que por ser empresa de economia mista controlada pela União segue a lei das cotas. Em fevereiro do ano passado, ele foi chamado para atuar como agente comercial. Um ano depois, está sendo promovido a assistente de negócio.

"Não sei quanto tempo demoraria para me convocarem se não fossem as cotas", diz.

Cursando o quarto ano de economia na Unifesp, Araújo destaca a importância das cotas também para ingressar no curso superior. Ele conta que estudou a vida inteira na rede pública de ensino e trabalhava como auxiliar administrativo enquanto fazia o cursinho pré vestibular no período noturno.

"Apesar do apoio da minha mãe, que foi fundamental, tive que correr atrás do que não tinha visto na escola. Então, não há como dizer que temos as mesmas oportunidades. Por isso, as cotas são fundamentais para equilibrar isso."

Para o pedagogo Felipe Alencar, da divisão de ensino e aprendizagem tutorial da pró-reitoria de graduação da UFABC, a realidade da política de cotas mostrou que é preciso mais elementos para que ela também seja mais efetiva.

"Um deles são as bancas de heteroidentificação [bancada usada em algumas instituições com cotas raciais para validar a autodeclaração], onde as fraudes conseguem ser analisadas. Isso contribuiu para que as cotas sejam respeitadas", diz o professor.

Existem também discussões para que haja uma maior coordenação entre as políticas de cotas, que daria amplitude no combate ao racismo institucional.

Para Luiz Augusto Campos, Coordenador do Consórcio das Ações Afirmativas, grupo formado por pesquisadores de cotas raciais, é necessário que haja um plano nacional integrado "que entenda que o processo da questão social na discriminação que existe com determinados grupos é multidimensional e integrada em diferentes fases da vida".

"A gente teria de pensar não só nessas afirmações no ensino público federal e ao serviço público como teria que pensar também leis e ações afirmativas na pós-graduação, no mercado de trabalho e no ensino básico."

Igualdade salarial Outro ponto em discussão na elaboração da nova lei é paridade salarial no serviço público. Segundo o senador Paulo Paim (PT), o projeto apresentado propõe garantir que, na mesma função, o salário de negros, brancos e mulheres seja igual.

"Há pesquisas que ainda mostram, infelizmente, que, no quadro federal, tínhamos ainda uma diferença muito grande de salário entre brancos e negros, uma média de 36,7% a mais para brancos", diz o senador.

"A medida que se constrói na sociedade de forma horizontal essa aproximação cada vez maior de todos, independentemente de ser branco ou negro, para ocupar funções iguais, é bom para todos os setores indiretamente contemplados."


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