BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O governo federal vetou o uso de precatórios para o pagamento de concessões, o que gerou alerta entre executivos de grandes bancos e fundos de investimento que administram até R$ 90 bilhões em ativos potencialmente afetados.
Precatórios são dívidas da União reconhecidas pela Justiça em decisão definitiva. A informação de que o governo quer barrar o uso desses papéis na infraestrutura foi dada pelo ministro de Portos e Aeroportos, Márcio França, na saída de uma reunião com o ministro Fernando Haddad (Fazenda) na quarta-feira (8).
"A orientação que o Ministério de Portos e Aeroportos recebeu e já repassou às empresas interessadas indica que não serão aceitos precatórios como forma de pagamento em outorgas nos aeroportos", disse à Folha o ministro Márcio Franca por meio de sua assessoria.
A pasta explicou que aguarda uma portaria da AGU (Advocacia-Geral da União), que, neste momento, reavalia o uso de precatórios para pagamento de outorgas.
Em 2021, o governo Jair Bolsonaro (PL) mudou as regras ligadas aos precatórios articulando uma emenda constitucional promulgada pelo Congresso a qual determinou, entre outras regras, que esses títulos podem ser usados para o pagamento inicial de concessões de infraestrutura.
Esse movimento estimulou bancos a ingressar nesse ramo, comprando os títulos de dívida sentenças definitivas da Justiça. Projeções do mercado indicam que, neste momento, as instituições financeiras tenham adquirido cerca de R$ 30 bilhões de um conjunto de até R$ 90 bilhões.
No entanto, a declaração do ministro de Portos e Aeroportos disparou uma espécie de "circuit breaker", segundo um banco ouvido pela Folha. A expressão em inglês faz referência ao sinal emitido pela Bolsa para suspender as operações de compra e venda de ações.
A paralisia dos negócios ocorre na esteira de embates recentes com o governo, que já vinha dificultando o uso de precatórios em 5 casos ?3 deles envolvendo concessões. Um deles, envolvendo a Rumo, foi parar na Justiça.
O mais recente é o do grupo espanhol Aena, que entregou precatórios para pagar a contribuição inicial de R$ 2,45 bilhões pelos aeroportos da 7ª rodada ?que inclui Congonhas. Como noticiou a Folha, o contrato depende desse pagamento para ser assinado. E, sem isso, a concessão não tem validade jurídica ?mantendo os espanhóis longe do comando dos aeroportos.
A Aena questionou a Anac sobre a demora ?há dois meses, a agência reguladora da aviação civil discute com o governo os procedimentos para operacionalizar a execução dos títulos.
A situação de paralisia colocou em risco todo o mercado. Segundo o diretor de outro fundo de investimento em precatórios, outras empresas estrangeiras de investimento, grupos de aposentados, universidades e investidores privados aplicaram mais de US$ 2 bilhões na compra de precatórios brasileiros movidos pela liquidez garantida pela emenda.
Ainda segundo esse diretor, agora, esses investidores questionam o fundo sobre a credibilidade do Brasil. Não conseguem entender como o governo dificulta o cumprimento de uma determinação constitucional.
A Anac, por exemplo, afirma que cumpre a legislação e que os procedimentos para a assinatura do contrato de concessão com a Aena seguem o curso normal, dentro dos prazos definidos pelo edital.
Internamente, no entanto, ocorre uma discussão sobre a forma de operacionalizar a transformação dos precatórios em pagamento.
A preocupação, segundo técnicos da agência, é o recebimento de um título que, eventualmente, possa ter algum questionamento judicial posterior ?o que se chama de "ação rescisória".
A PGFN (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional) descarta essa possibilidade. Títulos com ação rescisória, em geral, se referem a fraudes
?caso raro atualmente, segundo técnicos consultados pela reportagem.
No entendimento da Anac, no entanto, não seria seu papel a verificação dos precatórios ?o que explica a demora para a solução do caso.
A Aena enviou três questionamentos à Anac nos últimos dois meses. Na semana passada, acabou enviando os precatórios, mas ainda não se sabe o desfecho.
Procurada, a Fazenda pediu que a Folha questionasse a Casa Civil e o Ministério de Portos e Aeroportos sobre o assunto. A Casa Civil e a AGU não responderam até a publicação desta reportagem.
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