CURITIBA, PR (FOLHAPRESS) - A discussão política em torno das novas concessões rodoviárias do Anel de Integração do Paraná ganhou contornos dramáticos nesta semana, com o afundamento da pista em um trecho da BR-277 e a irritação do setor produtivo, que aguarda o leilão das novas estradas há mais de um ano. O Anel é formado por mais de 3.000 km, entre vias federais (65%) e estaduais (35%).
O ministro dos Transportes, Renan Filho (MDB), era aguardado em Curitiba no último dia 3 para dar o pontapé inicial em 2 dos 6 lotes de estradas que irão a leilão, ao lado do governador do Paraná, Ratinho Junior (PSD). Mas, o ministro não apareceu. Para políticos da base aliada de Ratinho Junior, houve interferência de petistas insatisfeitos com o novo modelo de pedágio desenhado ainda na gestão de Jair Bolsonaro (PL).
A queda de braço vem sendo travada nos bastidores desde a vitória do presidente Lula (PT) nas urnas de outubro. Às vésperas do resultado das eleições, o Tribunal de Contas da União (TCU) deu o aval para a publicação da licitação de dois lotes de estradas. Mas, com a derrota de Bolsonaro, a equipe de transição petista freou o processo para rever pontos dos editais.
Na campanha eleitoral, Lula e seu então candidato do PT ao governo do Paraná, Roberto Requião, prometeram ao eleitor uma tarifa de pedágio baixa, de R$ 5,00, apenas para manutenção das estradas.
Já o governo Ratinho Junior, aliado de Bolsonaro, diz que a prioridade são as obras que as concessionárias podem fazer nas rodovias, com "tarifa justa", proporcional às melhorias na infraestrutura.
Ainda em janeiro, ao ser reeleito, Ratinho Junior procurou o governo federal, e insistiu na tese de que o Paraná não desejava um "pedágio caipira":- "Cortar mato e pintar asfalto nós não vamos aceitar". O governador voltou de Brasília relatando que a nova gestão também defendia o modelo desenhado pela equipe anterior, ainda que alguns ajustes fossem necessários.
Mesmo parlamentares do PT reconhecem hoje que a "tarifa de manutenção" está descartada. Eles insistem, contudo, que algumas mudanças nos editais podem assegurar uma tarifa mais baixa do que aquela calculada até aqui. O novo Anel de Integração prevê 15 praças de pedágio.
"Claro que o governo federal tem pressa também, mas a gente não pode ter a irresponsabilidade de fazer um pedágio caro para os próximos 30 anos", disse o deputado estadual Arilson Chiorato (PT), que coordenava a Frente Parlamentar do Pedágio na Assembleia Legislativa desde 2019.
O grupo foi extinto no início do mês e agora há uma disputa acirrada entre petistas e aliados de Ratinho Junior para definição de quem comandará uma nova frente sobre o tema.
O ministro Renan Filho tem se reunido com políticos paranaenses para tratar do assunto. Na quarta-feira (8), ele se encontrou com toda a bancada de deputados federais do Paraná. Nesta quinta-feira (9), o Ministério dos Transportes informou à Folha de S.Paulo que parlamentares trouxeram "contribuições importantes ao debate", mas a pasta ainda não divulgou quais modificações serão feitas nos editais.
O Ministério reforçou, contudo, que os dois primeiros lotes da concessão das rodovias "estão em fase final de discussão".
Entre os principais pontos do debate hoje em torno dos editais, está a possibilidade de "aliviar" a curva do aporte financeiro, um depósito em dinheiro que o consórcio que participar do leilão deve oferecer de forma proporcional à proposta de desconto de tarifa do pedágio que apresentar na disputa.
Quando o consórcio aumenta sua oferta de desconto, mais dinheiro ele tem que colocar na mesa. A curva de aporte serviria para eliminar o "aventureiro" que dá um desconto muito alto e depois não consegue cumprir as obras.
Mas, há parlamentares petistas que defendem que o aporte seja cobrado apenas a partir de 20% de desconto -e não de 12%, como estava sendo desenhado até aqui.
Setor produtivo pede urgência A cobrança de setores empresariais por celeridade no processo de licitação aumentou nesta semana, após o afundamento de pavimento do km 33,5 da BR-277, no sentido litoral. A rodovia é a principal rota de escoamento da produção do Paraná ao Porto de Paranaguá e chegou a ficar interditada ao longo de quase toda a quarta-feira (8). De acordo com o Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes), o trecho está "geologicamente comprometido".
Em carta aberta, divulgada nesta quarta-feira (8), o presidente do Sistema Faep (Federação da Agricultura do Estado do Paraná), Ágide Meneguette, afirmou que "as diferenças políticas deveriam ter se encerrado nas eleições" e pediu urgência na definição da nova modelagem do pedágio.
"Esse cenário é inconcebível. Todos esses episódios poderiam ter sido evitados ou minimizados se houvesse a continuidade do serviço de monitoramento geológico que era feito pelas concessionárias. Ou seja, um caos anunciado", continuou Meneguette.
O governador do Paraná em exercício, Darci Piana, informou na noite de quarta-feira (8) ter encaminhado um ofício ao Ministério dos Transportes pedindo celeridade ao Dnit na solução para o afundamento na BR-277 e também "continuidade do processo de concessão rodoviária".
"A cessão da rodovia à iniciativa privada, construída em comum acordo entre governo do Paraná, a Assembleia Legislativa, a sociedade civil organizada e o próprio Ministério, prevê investimentos em obras estruturantes em um curto período, evitando que incidentes como o que ocorre neste momento se tornem rotina", escreveu Piana.
No modelo de licitação estudado até aqui, estão previstos, ao longo dos contratos de 30 anos dos seis lotes, cerca de R$ 55 bilhões em obras de ampliação de capacidade das vias, como duplicações, contornos e viadutos, por exemplo. Dentro dos R$ 55 bi, mais de R$ 30 bilhões devem ser aplicados nos primeiros 8 anos de vigência dos contratos.
À Folha de S.Paulo, o Ministério disse que destinou R$ 439 milhões para obras de manutenção e recuperação de rodovias federais que cortam o Paraná neste ano e que o trecho interditado da BR-277 está incluído neste montante.
Presidente da Fetranspar (Federação das Empresas de Transporte de Cargas do Estado do Paraná), Sérgio Malucelli disse à Folha de S.Paulo que o setor "não aguenta mais" e que a nova concessão "precisa sair do papel urgentemente".
"Acabaram os contratos e as estradas ficaram abandonadas. A BR-277, entre Curitiba e Paranaguá, é interditada o tempo todo. A política tem que ajudar a resolver. Hoje tem muita gente interferindo e não se chega a conclusão nenhuma", criticou ele.
"Estão fazendo uma resenha aí que, para nós, do setor do transporte, já não está interessando muito. Queremos só uma tarifa que não seja um valor absurdo e que também não seja irrisório a ponto de não cobrir as obras que precisam ser feitas", resumiu ele.
Para João Arthur Mohr, gerente de Assuntos Estratégicos da Fiep (Federação das Indústrias do Estado do Paraná), os lotes 1 e 2 são cruciais. "As novas concessionárias precisam assumir antes do novo regime de chuvas, antes da próxima safra", comentou ele.
A concessão da BR-277, utilizada por caminhões que seguem ao Porto de Paranaguá, está no pacote de rodovias do lote 1. Mohr disse à Folha de S.Paulo que há uma expectativa do setor produtivo para que os editais sejam lançados entre março e abril.
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