BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) - Para Dante Enrique Sica, 66, ex-ministro da Produção e do Trabalho no governo de Mauricio Macri (2015-2019), a Argentina corre o risco de sofrer um evento traumático ainda neste ano, como a volta da hiperinflação, e precisa de medidas duras para sair de uma crise que se arrasta há décadas.

Segundo ele, a Argentina é hoje uma economia sem financiamento externo e as pessoas têm receio de deixar o dinheiro nos bancos, preferindo poupar em dólares, que guardam em casa.

**PERGUNTA - A economia argentina parece se deteriorar dia a dia. Algo a fazer para atravessar os próximos meses, até as eleições de outubro?**

DANTE SICA - No curto prazo, com um governo de saída e com baixa popularidade, parece impossível que seja adotado um pacote de medidas de correção fiscal, monetária e cambial.

Lamentavelmente, estamos condenados a continuar com a inflação muito elevada nos próximos meses, com fortes desequilíbrios. A única alternativa é tratar para que esses desequilíbrios não aumentem e para que não haja nenhum evento traumático, como a volta da hiperinflação. É isso o que o governo está tentando evitar, para que aumentem suas chances eleitorais neste ano.

A Argentina é hoje uma economia sem acesso a financiamentos, e essa questão começa a criar problemas no setor financeiro. O país não tem mais crédito externo e 70% do [crédito] interno quem toma é o setor público. De cada 100 pesos depositados nos bancos, eles repassam 70 ao setor público.

E o nível de depósitos de correntistas nos bancos em relação ao PIB é muito baixo, de cerca de 9%. As pessoas poupam em dólares e os guardam embaixo do colchão, fora do sistema bancário.

Há dez anos a Argentina não registra crescimento na produtividade, e tem hoje um nível de pobreza de mais de 40% [da população], que chega a 60% entre os mais jovens. Dos novos postos de trabalho, 70% são informais; e temos mais de 40% dos trabalhadores formais na pobreza, em que não conseguem comprar uma cesta básica completa.

Mas estamos em um ano eleitoral, e a expectativa é que haja mudança de governo. Se a oposição conseguir tomar o poder, a expectativa muda. Não é que os problemas argentinos não tenham solução. O problema é que tentativas anteriores de mudança nunca chegaram a uma boa solução.

**P.- Havia a expectativa de que o governo liberal de Mauricio Macri [2015-2019], do qual o sr. participou, levasse reformas adiante. O que deu errado?**

DS- O principal problema é que houve muito desequilíbrio entre as políticas fiscal e monetária nos primeiros dois anos. Houve uma subestimação da gravidade da situação em 2015 [ao final do governo de Cristina Kirchner] e superestimação em relação às expectativas de mudanças. Isso levou a uma atitude mais leniente com a área fiscal, e mais rígida na monetária.

Esse desequilíbrio cobrou um preço muito alto em 2018, quando os mercados internacionais se fecharam [para a Argentina], obrigando o país a fazer um ajuste fiscal e de conta corrente de quase 4 pontos do PIB em um ano. O que, obviamente, gerou um impacto negativo muito forte do ponto de vista da atividade.

Agora a oposição está trabalhando num programa de mudanças e de estabilização, onde é necessária um reforma fiscal importante para baixar o déficit e voltar a ter um setor público que seja financiável.

Um dos principais problemas a serem solucionados são os subsídios, tanto à energia doméstica quanto à industrial, assim como aos transportes.

O processo de desequilíbrio e populismo fiscal dos últimos 20 anos também gerou déficits nas empresas públicas, que recebem muitos subsídios. E há problemas no sistema previdenciário.

Há muitas reformas a serem feitas, assim como aprovar a independência do Banco Central, para devolver credibilidade à moeda, além de um regime que dê ao país um câmbio único [hoje há pelo menos seis regimes].

A Argentina também precisa se abrir para o mundo. Se não adotarmos programas de reformas macro e microeconômicas, como nas áreas regulatórias e do trabalho, vai ser muito difícil sairmos dessa armadilha de alta inflação, queda da produtividade e do crescimento e aumento da pobreza.

**P.- Como as empresas operam nesse ambiente?**

DS- Com sérios problemas de caixa em uma economia com muita intervenção. E como os dólares são muito escassos para o setor público, há diferentes tipos de câmbio, e as empresas têm de funcionar em uma economia quase secreta. Também há funcionários [públicos] que cada vez mais autorizam ou não importações de bens, sem muito critério, o que torna tudo pouco transparente.

Isso gera distorções e, às vezes, bolsões de negócios de curto prazo, como para uma empresa que competia com produtos importados que não estão mais à venda no mercado. Mas, de um modo geral, não há incentivos para produzir. O planejamento das empresas é quase mensal.

Em setores com boas oportunidades, como todo o agronegócio [35% do PIB], não há incentivos para aumentar a produção, pois o governo taxa cada vez mais essas atividades, levando os empresários a perder mercado e produtividade ao longo do tempo.

**P.- Quais são as chances de a oposição vencer?**

DS- Diria que, se a eleição fosse hoje, de 90%. A Argentina tem duas grandes coalizões, que, nas últimas seis eleições, de alguma maneira tiveram quase 80% dos votos. Agora há um candidato de extrema-direita [o deputado Javier Milei], que tem entre 15% e 18% das intenções de voto.

Mas é a oposição que hoje tem mais força, e que terá de definir entre talvez dois candidatos possíveis: Patricia Bullrich [ex-ministra da Segurança] e Horacio Larreta [prefeito de Buenos Aires].

**P.- A Argentina tem um acordo com o Fundo Monetário Internacional, que parece bastante indulgente com as autoridades locais, não?**

DS- É um acordo muito solto, e o Fundo não quer ser o carrasco da Argentina. As metas cambiais e fiscais são cumpridas, entre aspas, com muita contabilidade criativa e com uma atitude complacente do Fundo. Estão flexibilizado todas as metas para que possam ser cumpridas.

**RAIO-X**

Dante Enrique Sica, 66

Economista formado pela Universidad Nacional de La Plata, foi ministro da Produção e do Trabalho durante o governo de Mauricio Macri (2015-2019) e secretário de Indústria, Comércio e Mineração no governo de Eduardo Duhalde (2002-2003). É um dos formuladores do plano econômico da frente Juntos por el Cambio, de oposição ao atual governo.


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