BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Crítico da proposta de déficit primário zero para o ano que vem, o deputado federal Lindbergh Farias (PT-RJ) compara a proposta de nova regra fiscal apresentada pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda) à tentativa de pacto demoníaco descrita na obra-prima de Guimarães Rosa "Grande Sertão: Veredas".
O petista afirma que o anúncio do arcabouço gerou no governo uma expectativa de redução das taxas de juros projetadas pelo mercado neste ano que não se concretizou.
"Eu me lembro do 'Grande Sertão: Veredas', em que Riobaldo tenta vender a alma ao diabo e o diabo nem responde. É mais ou menos o que está acontecendo com o arcabouço."
Na opinião de Lindbergh, a proposta de Haddad para conter gastos desconsidera o atual cenário de baixo crescimento do país --visto como desastroso pelo deputado. "Você conhece esse Congresso Nacional. Se aumenta desemprego, se tem esse cenário de estagnação, consequentemente, vai ter queda de popularidade e crise política", afirma.
Ele diz que vai discutir alterações via emendas no projeto do governo e que, se puder, vai falar com Lula sobre o tema. "Talvez esteja havendo uma subestimação da gravidade do cenário econômico. Algumas pessoas podem estar achando que não está essa coisa tão ruim. Para mim é muito ruim".
PERGUNTA - Por que expor ressalvas à regra fiscal agora?
LINDBERGH FARIAS - A grande força do Lula é muito ancorada no que foram seus governos. Houve crescimento econômico, geração de emprego, distribuição de renda... Estamos muito preocupados com a desaceleração da economia. Bolsonaro deixou uma armadilha. Entregou uma economia ladeira abaixo. É claro que isso é agravado pela política monetária do [presidente do Banco Central] Roberto Campos Neto. É a maior taxa de juros do mundo. Está quebrando empresas. Foram 103 casos de recuperação judicial só em fevereiro.
Mas, para integrantes da esquerda, o arcabouço é melhor que o teto.
L. F. - Sim. Mas insuficiente. O boletim Focus trouxe nova estimativa de crescimento do PIB. A previsão deles [mercado] para o PIB é 0,9% este ano e 1,48% no outro ano. Politicamente é desastroso para a gente. Você conhece esse Congresso Nacional. Se aumenta desemprego, se tem esse cenário de estagnação, consequentemente, vai ter queda de popularidade e crise política.
Como o PT pode atuar?
L. F. - Colocar agenda do crescimento e da geração de empregos como prioridade. Já não temos a política monetária. Em um momento como este, qualquer política fiscal que signifique restrição de investimentos e gastos sociais pode aprofundar a crise e derrubar mais a economia. Juntar o aperto monetário a um aperto fiscal é uma tempestade perfeita. A gente quer contribuir, ajudar a melhorar. Saiu essa proposta do governo. Vamos ver quando chegar escrita. É tentar fazer alterações, emendas, para melhorar o projeto e para atenuar riscos de cometer um erro de fazer ajuste fiscal no cenário de desaceleração econômica.
Mas a proposta prevê crescimento contínuo de gastos.
L. F. - Pode não ser real. Essa coisa do déficit primário zero no próximo ano, achamos um equívoco. Vou tentar influenciar no debate aqui no Parlamento e internamente no PT. O Haddad fala em aumentar receitas em R$ 150 bilhões. Mas são muitas variáveis. Se a economia desacelera muito, fica difícil aumentar a receita. Muitas dessas propostas têm que passar pelo Congresso. A gente sabe como funcionam os lobbies na hora de acabar isenções. Caso ele não consiga ter essa arrecadação, ao se comprometer com esse déficit, o que é que vai ter que acontecer? Corte de gastos, programas sociais.
O déficit é primeiro ponto?
L. F. - Rever a meta de déficit primário zero é fundamental. Essa discussão do arcabouço, o que se achava? Se apresentarmos arcabouço, poderemos gerar uma situação no mercado em relação a juros e tudo mais. O boletim Focus, que mede a opinião do mercado, saiu hoje. É um absurdo total: [previsão é que o BC vai] manter a taxa de 13,75% até o final do ano. Eu me lembro do "Grande Sertão: Veredas", de Guimarães Rosa, em que Riobaldo tenta vender a alma ao diabo e o diabo nem responde. É mais ou menos o que está acontecendo com arcabouço. O arcabouço entra e o diabo nem respondeu. O mercado manteve os mesmos 13,75% [de previsão]. Minha preocupação é com o sucesso do governo do Lula.
Isso foi debatido com o presidente. Lula está equivocado?
L. F. - Não chegou na bancada. O PT não se reuniu para discutir esse tema. Vai ter muito debate no Congresso. Vai ter líder de partidos aliados que vai querer emendar por um lado. É natural que o PT também apresente sugestões e emendas. Queremos melhorar o projeto do governo.
Por exemplo, quais seriam essas emendas?
L. F. - A punição tem que ser revista. Digamos que a economia desacelere muito e a gente não atinja a meta no próximo ano, por exemplo, do déficit primário zero com a banda de 0,25 para cima e 0,25 para baixo. Se não atingir a meta é porque a economia está muito fraca. Justifica você reduzir mais as despesas de 2025, em vez de 70% para 50% das receitas apenas?
E a banda?
L. F. - Acho que essa banda de 0,6% a 2,5% poderia ser mais flexível. Se a gente tiver uma recessão e a economia cair três pontos, a gente só vai aumentar a despesa em 0,6%. É uma ação anticíclica muito tímida. Por outro lado, se as receitas aumentarem muito, como foram no período do governo Lula 1 e 2 ali, se você limita só a 2,5%, estamos fazendo uma trava muito grande.
Quando falou em pacto do diabo...
L. F. - Nesse caso, é o mercado de Roberto Campos Neto. A gente apresentou o arcabouço e eles nem se moveram. Mantiveram a projeção de juros.
Mas isso não é porque ainda não foi detalhado? Tem o cenário internacional.
L. F. - Veja a última ata do Copom. Esses caras estão endurecendo muito. Uma tese que é clássica na esquerda é a seguinte: no momento que a economia está crescendo, você faz superávit. No momento que a economia desacelera, o investimento tem um multiplicador muito grande. Estamos amarrando as mãos do nosso próprio governo para no momento desaceleração, a gente não ter o único instrumento disponível. Porque tem um outro instrumento que é a política de juros, monetária. Mas eles não vão dar colher de chá para a gente.
A sinalização do BC é essa, clara?
L. F. - Sinalização clara.
Um argumento é que o Copom não captou ainda o efeito do arcabouço.
L. F. - Na nossa avaliação, isso é um erro. Temos um presidente do Banco Central indicado pelo Bolsonaro. Tem a discussão sobre autonomia. Campos Neto é o maior inimigo do sucesso do governo Lula. Ele está jogando economia lá embaixo. Essas quebradeiras da empresas é gente que pegou empréstimo a 2% e está em 13,75%. Acho que o governo devia pensar em atitudes mais duras como no Conselho Monetário Nacional, que pode pedir a troca. Se nós errarmos na dosagem desse arcabouço, vai virar uma política monetária restritiva ao crescimento com uma política fiscal também restritiva. Aí é um cenário que infelizmente vejo dois anos de muita crise. Isso não é justo com a própria história do Lula.
O sr fala na primeira pessoa do plural? Fala com outros petistas que dividem a mesma preocupação?
L. F. - Muita gente preocupada. Todo mundo querendo ajudar. A gente quer que dê certo. A gente quer que Haddad dê certo. Por isso que a gente quer melhorar essa regra fiscal.
Mas não é só o Haddad. O Lula aprovou essa proposta.
L. F. - É uma proposta do Haddad. É uma proposta do Lula. Se eu tiver oportunidade de falar com o Lula, vou falar dos riscos desse cenário. Talvez esteja havendo uma subestimação da gravidade do cenário econômico. Algumas pessoas podem estar achando que não está essa coisa tão ruim. Para mim é muito ruim.
Mas o próprio Lula falou que está mais otimista do que o mercado.
L. F. - O Lula sempre foi um otimista. Ele tem que falar isso. Mas ele tem que entender os riscos embutidos nesse cenário. Temos enfrentamento, polarização na sociedade com a extrema-direita. Isso aqui é importante para o sucesso do governo Lula, mas [também] para a democracia. Não podemos aceitar que o mercado imponha um cenário de estagnação. Isso é devastador. Vivi aquele ano 2015 de forma muito intensa.
A economia pesou para o afastamento de Dilma.
L. F. - Ali a gente viu o desemprego crescendo em 2015. Aquilo foi o combustível para todo o processo depois contra a presidenta Dilma. Então eu acho que a gente não pode aceitar esse cenário que estão querendo nos impor. Eu dormiria. Durmo, mas acho que o Lula tem que pensar em duas coisas: crescimento e geração de empregos. A gente está se auto impondo regras fiscais muito rígidas. Para ganhar a confiança de quem, de Campos Neto, desse mercado aí?
Isso o surpreendeu com Haddad? Dizia-se que a escolha de Haddad seria a garantia de que Lula seria ouvido sobre política fiscal. Isso o surpreendeu negativamente?
L. F. - Acho que sim, porque estão vendendo um discurso que o Lula está comprando. É um discurso que é o seguinte: "vamos fazer tudo isso pelo lado da receita". Até aí tudo bem. Ok. E se não der certo? Ao se comprometer com déficit primário zero, vamos ter que cortar no meio da crise.
Por estar contando com uma arrecadação que não se sabe se vai concretizar?
L. F. - Acho que na cabeça do Lula está muito isso: "é pela receita; não vou cortar despesa". Mas o projeto, essa meta de déficit primário zero, impõe isso. Porque se você não conseguir a receita, vai ter que cortar. Se não corta, no outro ano, de 2025, só vai poder gastar 50%. Isso é trabalhar com cenário incerto. É prometer muito. Isso pode custar um preço muito alto.
O governo deveria comprar uma briga e pedir a saída do Campos Neto?
L. F. - Isso já devia estar sendo articulado no Senado. A tirada do Campos Neto hoje é fundamental. Ele foi colocado pelo Bolsonaro. Participava de um grupo "ministro do Bolsonaro" agora em janeiro. Ele não quer que o governo dê certo.
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